sexta-feira, 20 de junho de 2025

O que a mídia pensa | Editoriais / Opiniões

Inquérito da Abin paralela complica situação de Bolsonaro

O Globo

É inaceitável o uso de organismos ou recursos do Estado para satisfazer a fins políticos ou interesses privados

Em mais uma investigação exemplar, a Polícia Federal (PF) desvendou a participação do ex-presidente Jair Bolsonaro, do deputado federal Alexandre Ramagem (PL-RJ) e do vereador carioca Carlos Bolsonaro (PL) na criação de uma estrutura paralela à Agência Brasileira de Inteligência (Abin), para realizar ações clandestinas de espionagem de acordo com interesses políticos e pessoais do ex-presidente. Os objetivos do que a PF chama — ao longo de um relatório de 1.125 páginas — de “organização criminosa” eram espionar parlamentares, desacreditar o sistema eleitoral e blindar a família Bolsonaro de acusações.

Numa democracia, é inaceitável o uso de organismos ou recursos do Estado para fins políticos ou privados. Ele deve ser repudiado com veemência e punido com rigor. Diante das evidências coletadas pela PF, a Procuradoria-Geral da República deve decidir quanto antes se apresenta denúncia. O processo precisa seguir seu curso oferecendo aos acusados todas as oportunidades de apresentar justificativas plausíveis para fatos tão escandalosos.

Demonstrando mais uma vez a relevância do jornalismo profissional para a democracia, o trabalho da PF teve início depois de reportagem do GLOBO revelar, em 2023, a compra pela Abin de um sistema espião para monitorar a localização de alvos por todo o país sem autorização judicial. A investigação da PF expôs uma rede clandestina. De acordo com o inquérito, ela foi idealizada por Carlos Bolsonaro, “por não confiar nas estruturas oficiais”. Ao lado do pai, ele definia “diretrizes estratégicas” e determinava alvos.

Eles incluíram, diz o relatório, o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Luís Roberto Barroso, os ministros Alexandre de MoraesLuiz Fux e Dias Toffoli. Do meio político, o então presidente da Câmara, deputado Arthur Lira (PP-AL), seu antecessor, Rodrigo Maia, e o ex-governador de São Paulo e pré-candidato à Presidência, João Doria. A estrutura paralela preparava dossiês ilegais para disseminar notícias falsas sobre os alvos. Entre os monitorados também aparecem lideranças de caminhoneiros depois da greve realizada em 2018.

A PF acusa o grupo de montar um esquema para blindar o senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ) no caso da “rachadinha”, acusação de desviar parte do salário de funcionários de seu gabinete quando era deputado estadual no Rio de Janeiro, pela qual foi denunciado em 2020. Em áudio descoberto pela PF, Ramagem e Jair Bolsonaro discutem irregularidades que atribuem a auditores da Receita Federal na elaboração de relatório sobre Flávio. O caso da “rachadinha” foi arquivado em 2022.

A PF indiciou 36 suspeitos, entre eles Carlos, Ramagem (então diretor da Abin) e Luís Fernando Corrêa (atual chefe da agência), este último sob a acusação de ter criado obstáculos às apurações. Não incluiu Jair Bolsonaro, porque ele responde pelo mesmo crime na ação penal da trama golpista que tramita no STF. Mesmo sem ter sido indiciado, é descrito como “principal destinatário” da estrutura paralela.

A investigação complica a situação de Bolsonaro na Justiça. Em depoimento ao STF, ele confirmou boa parte dos fatos apurados sobre a tentativa de golpe de Estado. Agora surgem novas acusações e o risco de um filho também virar réu. Bolsonaro tem indiscutível relevância política, mas o acúmulo de evidências policiais lhe traz a cada dia mais dificuldades para o futuro.

Gasto com moradias de embaixadores reflete descaso com dinheiro público

O Globo

Coberturas, mansões e palacetes suntuosos no exterior custam ao Erário R$ 175 milhões por ano

Há quem possa argumentar que R$ 174,8 milhões pouco representam num Orçamento de R$ 2,2 trilhões. Mas a cifra — correspondente à despesa com aluguéis e funcionários das residências oficiais em 188 postos diplomáticos, segundo dados obtidos pelo GLOBO — é exorbitante, considerando o fausto dessas acomodações. Comprova o descaso da nossa diplomacia com o dinheiro público. Nada justifica que se gastem milhões com coberturas, mansões e palacetes no exterior.

É questionável o Brasil pagar 317 mil francos suíços (R$ 2,16 milhões) pelo aluguel da residência oficial em Genebra do chefe da Missão Permanente do Brasil junto às Nações Unidas (ONU), cuja sede fica em Nova York. Ao todo, as despesas com a casa em Genebra custam R$ 5,2 milhões ao Erário, primeiro lugar na relação de gastos com moradia, seguida por Buenos AiresVaticanoWashingtonRoma e Haia.

Em Estocolmo, capital da Suécia, o Brasil mantém uma de suas residências diplomáticas mais caras — a sétima da lista. Trata-se de um casarão de dois andares construído no século XIX na Ilha de Djurgården, bairro nobre e turístico, a 25 minutos da sede da embaixada. Com amplo jardim, é chamado de Villa Mullberget e tem um selo de valor histórico, concedido pelo Museu da Cidade de Estocolmo. O aluguel mensal é R$ 117 mil, ao câmbio atual. Por ano, US$ 250 mil (R$ 1,4 milhão). O custo total da moradia é R$ 2,46 milhões anuais, incluindo três funcionários que também cuidam da manutenção do imóvel, além de gastos com serviços de segurança. A Suécia é o 53º destino das exportações brasileiras.

O descompasso entre a relevância comercial e as despesas com moradia de diplomatas parece não ter importância para o Itamaraty. A residência oficial do embaixador em Praga, capital da República Tcheca — 124º destino das exportações brasileiras — é um palacete de dois andares, a 6 quilômetros da embaixada. Aluguel e despesas com quatro empregados custam R$ 2,14 milhões anuais, nono lugar na lista de gastos. Outro exemplo é a Áustria, 108º importador de produtos e serviços brasileiros — na capital, Viena, está a 16ª residência diplomática mais dispendiosa (R$ 1,7 milhão ao ano). Há ainda uma cobertura em Budapeste, na Hungria, 93º destino das exportações brasileiras, alugada por US$ 14 mil mensais (R$ 78,8 mil). Fica a dois quarteirões do Rio Danúbio, ponto nobre.

Diplomatas costumam justificar a suntuosidade das moradias como necessidade do cargo e afirmam que postos como Buenos Aires ou Washington justificam o custo. Mas que dizer de o terceiro maior gasto com residência de embaixador (R$ 3,31 milhões por ano) ser no Vaticano? Em Roma, o Brasil já mantém, desde a década de 1920, sua embaixada no Palazzo Pamphilj, na Praça Navona, comprado em 1960 por Juscelino Kubitschek. Ainda assim, gasta R$ 2,9 milhões por ano para abrigar o embaixador. Enquanto governo e oposição se digladiam em torno da necessidade de enxugar gastos, o rol de despesas do Itamaraty no exterior comprova que sempre há onde cortar.

Copom indica que não hesitará em voltar a aumentar os juros

Valor Econômico

A perspectiva é de juros altos por um período prolongado de tempo

Enxergar o futuro tornou-se uma tarefa ainda mais difícil após Donald Trump voltar à Presidência dos Estados Unidos e deslanchar uma guerra de tarifas, e piorou ainda mais com os ataques de Israel ao Irã. O Federal Reserve, sob pressão de Trump para reduzir a taxa de juros, não mudou sua política, de acordo com o comunicado emitido após a reunião de quarta. Manteve, como era esperado, os juros entre 4,25% e 4,5%, e seus membros, nas estimativas sobre o comportamento futuro da economia, sinalizaram no máximo dois cortes de 0,25 ponto até o fim do ano. O BC brasileiro, por seu lado, levou mais em conta a desancoragem das expectativas e o aquecimento da economia como um fator adicional inflacionário e decidiu elevar a Selic em 0,25 ponto percentual. Assinalou que interromperá o ciclo de alta dos juros, comprometendo-se, porém, a agir de acordo com o que os dados indicarem.

As estatísticas recentes são dúbias para os dois bancos centrais, embora coloquem mais enigmas para o Fed. Ainda que Trump tenha estabelecido uma trégua nas tarifas, elas poderão subir em 9 de julho. A taxação pode dobrar para a Europa e tornar-se proibitiva para os países asiáticos quando o presidente americano decidir o que vai fazer com sua “reciprocidade”. Por enquanto, os efeitos do aumento do custo das importações sobre os preços domésticos americanos são quase insignificantes, mas certamente subirão nos próximos meses. A inflação ao consumidor em doze meses encerrados em maio foi de 2,4%, ligeiramente maior que os 2,3% de março. O núcleo dos gastos pessoais de consumo, medida preferida do Fed, declinou de 2,8% em abril para 2,6% em maio. Ainda está um pouco distante da meta de 2%.

O fôlego da economia americana é uma dúvida. Foram as importações antecipadas, para fugir do aumento das tarifas ameaçado por Trump, que fizeram o PIB americano cair 0,2% no primeiro trimestre. A reversão deste movimento agora poderá fazer com que o PIB cresça muito mais no segundo trimestre - os dois indicadores são excepcionais e não indicam a real temperatura da economia. O resultado final será uma desaceleração. Os membros do Fed projetam crescimento de 1,4% em 2025, praticamente a metade do ano anterior. O ritmo de longo prazo, estimado em 1,8%, será atingido em 2027. As projeções para o núcleo de inflação dos gastos pessoais de consumo subiram de 2,8% para 3,1% no ano corrente, mas terão bom declínio no ano que vem (2,4%) e chegarão à meta em 2027. O desemprego, que continua muito baixo, quase não se alterará, atingindo 4,5% este ano e 4,4% em 2027, um pouco acima do que o Fed agora considera a tendência de longo prazo, de 4,2%.

Por maior que seja a algazarra criada por Trump em relação às tarifas, os membros do Fed mudaram muito pouco suas perspectivas. Continuam estimando que possa haver dois cortes de 0,25 ponto percentual na taxa de juros, que continuarão em terreno restritivo por mais tempo. Estima-se um corte (3,6%) em 2026 e apenas mais um em 2027, aproximando-se da taxa de longo prazo, de 3%.

Jerome Powell, presidente do Fed, modulou o impacto das tarifas. Apontou que elas podem provocar um pico de inflação, com os preços retornando a seu nível normal, sem que para isso seja necessário elevar os juros, algo que não está na cogitação do banco agora. Indicou também que a desaceleração dos EUA, vista pelos dados de hoje, não deve ser preocupante. Mais uma vez reiterou que o BC americano considerará a distância que o emprego e a inflação - os dois mandatos do Fed - estão de suas metas para agir, seja para elevar os juros, no caso de inflação acima do esperado, seja para baixá-lo, no caso de um agravamento abrupto do desemprego. Analistas avaliam que o mercado de trabalho está desacelerando aos poucos, enquanto a inflação, pelo efeito das tarifas, deve ter maior impacto nos cenários prospectivos.

Para o BC brasileiro, o cenário interno parece muito mais definido que o externo. Embora em desaceleração suave, a economia mostra mais fôlego do que seria de se esperar dado o alto nível contracionista da política monetária. O mercado de trabalho continua apertado e o consumo, em boa forma. A política fiscal fora de prumo compõe um quadro negativo que favorece a desancoragem da inflação, que persiste. O cenário externo, extremamente instável, tem roubado ímpeto da inflação, seja pela redução dos preços das commodities, diante da perspectiva de menor crescimento global, seja pela perda de força do dólar. Esses dois fatores, mais o desarranjo fiscal, contribuíram para que a inflação subisse no fim de 2024 e agora agem em sentido contrário, beneficamente.

O balanço de riscos, então, aponta ainda ligeiro pendor para a alta da inflação, quando se considera a inflação de serviços e a persistência de expectativas que continuam afastadas da consecução da meta de 3%. Como a taxa de juros real é muito elevada (9%) e seus efeitos ainda se farão sentir plenamente, o Copom decidiu elevar em 0,25 ponto a Selic e interromper o ciclo de alta, assinalando que não hesitará em voltar a aumentar os juros caso seja necessário. A perspectiva, já apontada antes da reunião, será de juros altos por um período prolongado de tempo.

Juros altos a perder de vista

Folha de S. Paulo

BC eleva taxa a 15%, o que tende a ser o fim do ciclo de aperto; cabe ao governo não dificultar o controle da inflação

Com a elevação dos juros básicos para 15% ao ano, maior patamar desde julho de 2006, o Banco Central ao menos sinalizou o fim do ciclo de alta, embora com a ressalva de que a taxa deve permanecer elevada por bastante tempo.

A decisão do Comitê de Política Monetária (Copom), unânime, reflete um delicado balanço de riscos para a inflação. De um lado, pesam os fatores de pressão: expectativas para o IPCA ainda muito acima da meta de 3%, aumento de preços no setor de serviços e deterioração contínua das contas do Tesouro Nacional.

O cenário externo também adiciona volatilidade, dadas as incertezas em torno do comércio internacional e de conflitos geopolíticos, com impactos na cotação do real e nos preços de matérias-primas de exportação.

De outro lado, o comitê reconhece movimentos na direção contrária, como uma possível desaceleração global mais acentuada e sinais de moderação na atividade econômica brasileira, que vêm se tornando mais claros.

É provável, de fato, que a permanência de juros nas alturas intensifique a desaceleração da atividade econômica nos próximos meses, devido ao encarecimento do crédito e aos impactos esperados em consumo e investimento.

Quanto à inflação, mesmo com projeções do BC e do mercado ainda altas, a expectativa é de convergência futura às metas.

A última divulgação do IPCA, relativa a maio, foi favorável ao mostrar redução relevante nas pressões sobre itens mais persistentes, como serviços. Nas últimas semanas, vêm caindo as projeções de analistas para este ano, de 5,5% há um mês para 5,2%.

A continuar essa tendência, não surpreenderá que também comecem a cair as expectativas do mercado para 2026 —que têm se mantido estáveis em 4,5%, embora o BC já projete 3,6%.

Na soma geral, há a percepção de que os fatores estão estáveis, daí a abordagem cautelosa, com alta menor e, tudo indica, derradeira da Selic para que se possam "examinar os impactos acumulados do ajuste", conforme o comunicado do Copom.

A escolha, combinada com a promessa de pausa por prazo longo o suficiente, reflete um equilíbrio entre a necessidade de combater a inflação persistente e o reconhecimento de que os efeitos defasados da política monetária já começam a se manifestar.

É boa notícia o alinhamento dos membros do comitê em torno desses múltiplos quesitos que fundamentaram a decisão. Embora não se esperasse nada diferente, não deixa de ser auspicioso que a diretoria parcialmente renovada continue a não dar ouvidos aos queixumes do núcleo político do governo petista.

Adiante, salvo grandes erros na gestão fiscal, como uma nova e aguda expansão de gastos públicos, os sinais de moderação econômica podem se consolidar, abrindo alguma margem para cortes na Selic em 2026. Cabe ao governo não dificultar ainda mais a contenção da inflação.

Recuperar a vacinação infantil

Folha de S. Paulo

Pesquisa mostra baixa cobertura vacinal contra sarampo em 2023; é preciso atenção extra com locais que não cumprem metas

O poder público precisa ficar tento ao programa de imunização infantil para evitar retrocessos. Segundo o Anuário VacinaBR 2025, divulgado na terça-feira (17), 14 dos 26 estados mais o Distrito Federal não alcançaram, em 2023, 50% da cobertura vacinal em crianças de 1 ano da segunda dose da vacina tríplice viral, que protege contra sarampo, caxumba e rubéola.

A pandemia de Covid-19 pode ter impulsionado o negacionismo quanto à imunização, devido à desconfiança de alguns estratos em relação a vacinas para a doença, mas a piora nos indicadores de fato começou em 2015.

O anuário, produzido pelo Instituto Questão de Ciência em parceria com a Unicef e o apoio da Sociedade Brasileira de Imunizações, mostra que, em 2014, todos os estados alcançavam a meta de 95% de cobertura da primeira dose. Já em 2023, foram só 4: Mato Grosso do Sul, Rondônia, Tocantins e Santa Catarina.

Na segunda dose, em 2014, 15 estados obtiveram taxa de 80%; em 2023, nenhum —o melhor resultado foi em São Paulo (70%).

A pesquisa ainda não aborda 2024, quando o Ministério da Saúde afirma que houve melhora.

No ano passado, o país saiu da lista dos 20 países com mais crianças não vacinadas do mundo, segundo relatório da Organização Mundial da Saúde (OMS) que comparou 2022 e 2023, e recebeu certificado de erradicação do sarampo, que havia perdido em 2018.

Neste 2025, contudo, foram notificados 3 casos de sarampo autóctones (quando a transmissão se dá no país), sendo 2 no estado do Rio de Janeiro e 1 no de São Paulo. O último caso do tipo havia sido registrado em 2022.

A pasta afirma, ainda, que a tríplice viral ultrapassou os 95% de cobertura nacional. Mas os pesquisadores do anuário apontam preocupação com discrepâncias locais —não só entre estados, mas entre seus municípios, mesmo em regiões mais ricas como Sul e Sudeste. Norte e Nordeste têm situação mais crítica.

Levantamento do Confederação Nacional de Municípios divulgado em junho mostra que, entre abril e maio deste ano, 33,7% dos 1.490 municípios analisados enfrentaram falta de vacinas. Foi relatada escassez de imunizante contra sarampo em 16% deles.

É preciso refinar diagnósticos, com atenção extra para cidades fora das metas. Tal cuidado é crucial em imunizações. Em maio, os Estados Unidos superaram mil casos de sarampo, após surto que eclodiu numa comunidade religiosa no Texas com baixas taxas de vacinação. O estado concentra 70% dos casos, mas ao menos 11 já registraram contaminações.

Um governo esquálido

O Estado S. Paulo

Fragilizado pela recalcitrância em corrigir erros, Lula da Silva assiste ao desmonte de sua autoridade e ao fortalecimento de um Congresso movido por fisiologismo e apetite orçamentário

Menos de 24 horas após a humilhação sofrida na Câmara, o governo Lula da Silva amargou outra fragorosa derrota no Legislativo. Em sessão conjunta de deputados e senadores, o Congresso derrubou mais de uma dezena de vetos do presidente da República a projetos de lei nas áreas de energia, tributação e programas sociais, entre outras. Que fique claro: a eventual derrubada de vetos presidenciais é ato comezinho do sistema de freios e contrapesos em qualquer democracia funcional. Mas a razia que se viu na terça-feira passada nada teve de trivial. O regime presidencialista foi posto de joelhos.

Cuidando do que mais lhes interessa, os parlamentares impuseram um calendário para a liberação de emendas ao Orçamento da União, o que tirou do Executivo o fiapo de poder de barganha política com o Legislativo que ainda lhe restava. Numa espécie de blitz, o Congresso também aumentou o valor do Fundo Partidário e instalou a Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) do INSS. O Senado, por sua vez, instalou no mesmo dia a CPI do crime organizado. Ambas as comissões têm potencial para desgastar ainda mais a popularidade de Lula da Silva.

Ciente de sua extrema fragilidade política, materializada pelos votos contrários aos interesses do governo dados por muitos parlamentares de partidos contemplados com ministérios, o Palácio do Planalto capitulou. Ao líder do governo no Congresso, o senador Randolfe Rodrigues (PT-AP), coube o constrangedor papel de balbuciar “vitória” por ter conseguido ao menos adiar a derrubada de parte dos vetos – o que, na prática, serviu apenas para postergar o novo vexame já contratado por Lula da Silva.

Entre os vetos que foram derrubados, destacam-se o restabelecimento da isenção tributária para fundos imobiliários (FIIs), fundos do agronegócio (Fiagro) e fundos patrimoniais, a aprovação do pagamento de indenização e pensão vitalícia para as vítimas da Zika com microcefalia e a manutenção dos “jabutis” inseridos no projeto de lei das usinas eólicas offshore. O Congresso também derrubou o veto de Lula da Silva ao dispositivo da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) de 2025 que aumentava o valor do Fundo Partidário. Fixado hoje em R$ 1,3 bilhão, o butim do Orçamento que é dado aos partidos políticos deve crescer quase R$ 170 milhões, segundo cálculos de consultores da Câmara e do Senado.

À exceção da derrubada do veto de Lula da Silva às pensões para as vítimas do vírus zika – mais que obrigação de um Estado negligente, um imperativo humanitário –, os parlamentares simplesmente viraram as costas para o Brasil e foram cuidar de seus próprios interesses. Como já sublinhamos nesta página – e é visível para qualquer observador minimamente informado sobre a dinâmica política nacional –, Lula da Silva já não detém o controle sobre os rumos do País. O Congresso nada de braçada sem o devido contraponto institucional.

Em grande medida, essa degradação do presidencialismo é responsabilidade, por óbvio, do próprio presidente da República. Caso Lula da Silva não cometesse tantos erros e, pior, fosse tão recalcitrante em remediá-los, fulminando a sua popularidade, decerto teria mais força para se contrapor aos interesses fisiológicos do Legislativo, conduzindo o processo político nacional, e não sendo conduzido.

Diante de um presidente politicamente forte, o Congresso ainda poderia muito, mas certamente não poderia tudo. Seja por escolha ou inépcia, contudo, Lula da Silva se tornou um presidente fraco, refém de sua própria incapacidade de articular a base, construir consensos e exercer liderança. Ao terceirizar a condução política a operadores de varejo e apostar, como de hábito, na retórica divisionista – contra “as elites” e, mais recentemente, contra o que chama de “extrema direita” –, o chefe do Executivo abriu espaço para que o Legislativo avançasse com apetite ainda mais voraz sobre áreas nas quais deveria ser o protagonista.

A conta desse desgoverno recairá sobre a sociedade, que assiste ao espetáculo da decomposição política do demiurgo sem que se vislumbre, no horizonte próximo, qualquer sinal de correção de rota por um presidente que está mais preocupado com cuidar da biografia do que com governar o País.

Crianças condenadas à estagnação

O Estado de S. Paulo

Estudo mostra como é baixa a chance de criança cujos pais vivem entre os 50% mais pobres da população chegar aos 10% mais ricos na fase adulta. Educação falha explica parte do fenômeno

A probabilidade de um brasileiro nascer pobre e morrer pobre é alta. Menos de 2% das crianças cujos pais estão entre os 50% mais pobres do País alcançarão a renda dos 10% mais ricos. E o mais provável é que 66% delas ainda estejam na mesma faixa dos ascendentes quando chegarem à fase adulta da vida.

Essas projeções são do recém-lançado Atlas da Mobilidade Social do Brasil, do Instituto Mobilidade e Desenvolvimento Social (IMDS), fundado pelos economistas Arminio Fraga e Paulo Tafner. O estudo sobre mobilidade intergeracional traça um cenário bastante desolador, haja vista que a imobilidade social no País parece ser a regra.

Elaborado com dados coletados da Receita Federal, dos Ministérios do Trabalho e Emprego e do Desenvolvimento Social, e pesquisas domiciliares do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), entre 1985 e 2019, o levantamento mostra que os recortes por subgrupos escancaram as desigualdades do Brasil.

De acordo com o estudo, a mobilidade social é ainda difícil para as crianças do sexo feminino, negras e do Norte do País. Aliás, nos Estados dessa região, quase 80% das crianças cujos pais estão na metade mais pobre da população permanecerão nessa mesma situação na vida adulta.

Tudo isso indica que o Brasil desonrou compromissos firmados com o seu povo. Pois é a Constituição federal de 1988 que afirma que “erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais” são objetivos fundamentais da República. E é essa mesma Constituição que diz aos brasileiros que a criança é uma prioridade absoluta.

Não é preciso ser um administrador público ou especialista em gestão pública para afirmar que políticas implementadas surtiram mais dividendos eleitorais para líderes populistas do que resultados transformadores. A baixa mobilidade social impulsiona os gastos públicos com programas como o Bolsa Família e o Benefício de Prestação Continuada (BPC), sem que a vida da população mude substancialmente.

São volumes crescentes de recursos públicos para prover os adultos mais pobres e suas famílias de condições mínimas de subsistência. Para mantê-los, famílias devem se comprometer com frequência escolar e vacinação das crianças. Vê-se que não tem sido suficiente.

O ideal seria incrementar não os programas de transferência de renda, como tem sido feito, mas investir na primeira infância – inclusive para impedir que essas crianças, uma vez tornadas adultas, venham a depender, como os pais, de mais programas sociais. É nessa fase da vida que os estímulos adequados impactam a fase adulta, em educação, saúde, trabalho, renda, violência e redução da desigualdade. Apesar disso, o Brasil não alcançou nem mesmo a meta de colocar 50% das crianças de zero a 3 anos na creche. No ano passado, só cerca de 40% delas estavam matriculadas.

Se o País não cuida bem das crianças menores, tampouco cuida das maiores, dos adolescentes e dos jovens. Os indicadores de educação apontam que a qualidade do ensino brasileiro é baixa, com desempenho pífio em avaliações nacionais e internacionais. E o ensino profissionalizante não é uma prioridade.

De acordo com o Atlas da Mobilidade Social, somente metade das crianças pobres de hoje vão concluir o ensino médio. E apenas cerca de 2% delas chegarão ao ensino superior.

Numa carta publicada no site do IMDS, o economista Paulo Tafner invocou a necessidade de o País focar em educação. Segundo ele, embora o número cada vez menor de nascimentos represente um desafio demográfico e fiscal, o Brasil tem “uma oportunidade enorme de formar uma juventude altamente capacitada”, com chance de alcançar “enormes ganhos de produtividade”, o que permitiria uma “maior e mais disseminada mobilidade social”.

O Brasil terá de fazer escolhas para romper esse ciclo. Se nada mudar, o País e milhões dos seus cidadãos estarão condenados a futuro algum.

Faixa de pedestre não é enfeite

O Estado de S. Paulo

Pesquisa mostra tempo de travessia curto e de espera longo para pedestres nos semáforos de São Paulo

Atravessar uma rua na cidade de São Paulo é um perigo. Um levantamento recente sobre o tempo de travessia em faixas de pedestre confirma as dificuldades enfrentadas por paulistanos em seus deslocamentos cotidianos. A depender do local, o cidadão tem apenas entre quatro e cinco segundos para transpor uma via. Trata-se de uma espécie de corrida pela sobrevivência, que, não raro, termina em tragédia.

Em maio, o Mobilidade Estadão publicou uma reportagem com base no mapeamento da campanha Travessia Cilada, do Instituto Corrida Amiga, que apontava 25 pontos de travessias inseguros na metrópole. Após a publicação, a Companhia de Engenharia de Tráfego (CET) contestou as informações e afirmou que todos os semáforos indicados como inseguros “estavam com defeito e passaram por manutenção”.

A entidade voltou, então, a cada um deles, numa espécie de força-tarefa de checagem, e constatou que pouca coisa mudou. Segundo o Instituto Corrida Amiga, em 90% dessas faixas de pedestre, ou 22 delas, a travessia ainda continuava insegura. Isso porque uma travessia é considerada segura quando pode ser cumprida na velocidade de 0,6 metro por segundo, que é a velocidade de deslocamento de uma criança ou de uma pessoa com deficiência.

Ou a CET não reprogramou o tempo de travessia das faixas de pedestre, conforme afirmou ter feito, ou fez esse serviço de forma tão precária ou relapsa que os problemas voltaram a ser observados num curto espaço de tempo. Seja lá qual for o motivo dessa inconsistência de informações de um órgão oficial, são os pedestres que continuarão vulneráveis, o que é inaceitável.

Para piorar, os problemas não se resumem ao tempo de travessia. Os pedestres também enfrentam o tempo de espera. Segundo o levantamento, o tempo médio de espera do pedestre nas vias analisadas até caiu de 2 minutos, no ano passado, para 98 segundos, neste ano. Mas parâmetros internacionais apontam que um tempo razoável seria de 60 a 90 segundos. Quanto mais longo for o tempo de espera para que o sinal passe do vermelho para o verde, maior é o estímulo a comportamentos de risco. Não raro, as pessoas têm pressa e, infelizmente, se colocam em perigo.

Os dados de óbitos de pedestres na capital paulista evidenciam a gravidade do problema. Segundo dados do Infosiga, uma ferramenta do Departamento Estadual de Trânsito de São Paulo (Detran-SP), foram 372 vítimas em 2024, atrás apenas dos óbitos de motociclistas. Significa que todo dia uma pessoa saiu de casa e morreu pelo fato de andar pelas ruas da cidade. Até abril deste ano, dados mais recentes, foram 111 vítimas.

Andar a pé, assim como de bicicleta, carro, ônibus, trem ou metrô, é um modo de deslocamento. E já foi o maior na capital até 2017 em número de viagens realizadas diariamente, sendo ultrapassado pelos deslocamentos de carro em 2023, de acordo com a mais recente Pesquisa Origem Destino do Metrô.

O comércio ilegal de canetas emagrecedoras

Correio Braziliense

Esse comércio irregular compromete a eficácia do medicamento e configura crime contra a saúde pública

Diariamente, assistimos à apreensão — por via terrestre ou aérea — de um novo carregamento contrabandeado de canetas injetáveis para emagrecimento pela Receita Federal e Polícia Federal. Na última quarta-feira (18/6), cerca de 400 unidades foram interceptadas na Ponte Internacional da Amizade, na fronteira entre o Brasil e o Paraguai, ponto conhecido dos agentes federais, que ultimamente têm aumentado a fiscalização na região. 

Geralmente, é uma carga cara. Cada uma dessas canetas emagrecedoras custa, em média, US$ 340 — o equivalente a R$ 1.868 (cotação média atual), quantia que ultrapassa R$ 747 mil —, um valor considerável, sendo esta a maior apreensão desse tipo de mercadoria feita pela Receita Federal no Brasil até hoje. Nos primeiros quatro meses do ano, foram apreendidas 1.095 canetas. 

No Rio de Janeiro, este mês, a Polícia Civil deflagrou uma operação com o intuito de reimprimir a atuação de uma organização criminosa responsável pela importação e venda ilegal das canetas injetáveis. Essa busca desenfreada também levou os golpistas para as redes sociais. As fraudes chegaram aos ouvidos da Agência de Vigilância Sanitária (Anvisa), que emitiu um comunicado alertando sobre anúncios falsos que davam a entender que a vigilância sanitária havia concedido o aval para a venda pela internet.

E a criatividade dos bandidos não tem fim. Muitos deles criam métodos inusitados de contrabando, como disfarçar as canetas como se fossem canetinhas infantis, guardá-las na cueca, em fundos falsos, presas ao corpo ou dentro de embalagens de cosméticos. 

Se o número de registros envolvendo o contrabando desses medicamentos está crescendo, é porque a receptação tem aumentado na mesma medida — a exemplo do tráfico de drogas. Isso sem falar em ocorrências menores, como furtos e arrombamentos a farmácias, promovidos por gangues locais com foco nas prateleiras onde ficam as tais canetas. 

No entanto, esse comércio irregular não somente compromete a eficácia do medicamento — auxiliar a perda de peso — como configura crime contra a saúde pública. Além de ser um produto de uso controlado, inclusive, vendido somente com prescrição médica, dosagem individualizada e sob acompanhamento médico, o armazenamento e o transporte das canetas são extremamente complexos. Há caixas térmicas específicas, embalagens para cada tipo de medicamento e dispositivos que medem a temperatura em tempo real.

Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), cerca de 50% dos medicamentos termolábeis chegam ao consumidor final com perda de qualidade devido às falhas no controle de temperatura durante o transporte, uma porcentagem bastante alta em se tratando de produtos para a saúde. Ou seja, quem quer que adquira uma dessas canetas emagrecedoras via contrabando corre o risco de comprar um placebo ou ter reações adversas inesperadas. 

A boa notícia é que, recentemente, a Anvisa tornou a fiscalização mais rigorosa, restringindo a compra do medicamento a um prazo de 90 dias, mediante retenção da prescrição médica. Resta saber se essa medida fará com que o contrabando cesse. 

Aumenta a crise entre Legislativo e Executivo

O Povo (CE)

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva sofreu uma série de derrotas esta semana no Congresso Nacional, que vão impactar diretamente o seu governo, em diferentes áreas.

A Câmara dos Deputados aprovou, na segunda-feira, a tramitação, em regime de urgência, do projeto que cancela o decreto presidencial que aumentaria o Imposto sobre Operações Financeira (IOF). A medida, segundo o governo, seria essencial para garantir o equilíbrio das contas públicas.

Votaram contra a urgência, basicamente, deputados do PT, PSB, PCdoB e Psol. Os demais partidos da base governista, mesmo os que ocupam ministérios no governo, votaram majoritariamente a favor da urgência, como União Brasil, PSD, Progressistas e Republicanos. A partir de agora, caberá ao governo trabalhar para que o conteúdo do projeto não seja rejeitado quando for à votação.

Na terça-feira, o presidente do Congresso, Davi Alcolumbre (União Brasil-AP), em sessão da Casa, fez a leitura do requerimento que autoriza a criação da Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) para investir descontos indevidos nos contracheques dos aposentados e pensionistas do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS).

A expectativa do governo, que já tinha como certa a abertura da CPMI, era que Alcolumbre aguardasse um pouco mais, para esfriar um pouco o assunto, antes de fazer a leitura do texto, que abre caminho para iniciar o processo de instalação.

No entanto, na mesma sessão conjunta, ocorreu outra pancada contra o governo, com a derrubada de uma série de vetos do presidente Lula a projetos que criavam mais despesas para o governo e podem aumentar o custo da energia elétrica para o consumidor.

Quanto à CPMI, o Congresso tem todo o direito de fazer seu próprio exame da fraude que prejudicou milhares de beneficiários do INSS, ainda que esteja em curso uma investigação da Polícia Federal e da Controladoria Geral da União (AGU).

É incompreensível o fato de os parlamentares se prepararem para derrubar o aumento do IOF, sem apresentarem propostas alternativas para contribuir com o ajuste fiscal. Ao contrário, deputados e senadores recusam-se, por exemplo, a reduzir os valores das emendas parlamentares. Além disso, a Câmara projeta aumentar o número de deputados e discute uma proposta para permitir o acúmulo da aposentadoria com o salário de deputado.

O governo, por sua vez, acena com a liberação de emendas parlamentares ainda este mês, como forma de aliviar a crise instalada entre Executivo e Legislativo. É lamentável que assim seja. Infelizmente, o toma lá dá cá ocupou o lugar da negociação em torno de propostas, com as transações particulares e de grupos se sobrepondo aos interesses do País e do povo brasileiro. 

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