Folha de S. Paulo
Tempos são de mais nacionalismo econômico,
rearmamento e potências desembestadas
Guerra no Oriente Médio suscita
discussões estereotipadas a respeito do preço do petróleo, além
de especulações sobre a "escalada do conflito", hipótese debatida, no
entanto, sob
a perspectiva do impacto econômico. É fácil perceber que uma carestia
grande e persistente de combustíveis causa dano econômico imediato.
É mais difícil discutir esta situação mundial em que há muito menos meios de contenção do risco de novas guerras muito perigosas —e logo. Torna-se frequente a menção ao uso de armamento nuclear, como voltou a fazer a Rússia, a respeito das consequências de um ataque americano contra o Irã. Trump agrava um estado de coisas degradado faz década e meia.
Pelo menos no núcleo ideológico ou na
propaganda, o trumpismo e o MAGA seriam "isolacionistas". Isto é, a
favor do corte do financiamento militar de aliados, enxugamento de bases
militares no exterior e indiferença a guerras que não envolvam o interesse
direto dos EUA.
O "isolacionismo", porém, não é
empecilho para novos tipos de intervenções americanas (a anexação da
Groenlândia apenas parece piada).
Isto posto, em menos de uma semana de guerra,
Trump passou a insinuar que poderia atacar o Irã e matar o dito "líder
supremo", Ali Khamenei. Nesta quinta, disse que pensaria melhor no
assunto.
Boa parte do trumpismo continua a se opor a
um ataque. Segundo pesquisa YouGov/Economist, 60% dos americanos e 53% dos
republicanos também.
Um conflito descontrolado pode colocar (mais)
areia na economia americana e na popularidade presidencial. São esses os riscos
ponderados por Trump? De fora, vemos apenas o "reality show" a
serviço do projeto de tirania e nenhuma estratégia de estabilização política do
mundo —ao contrário.
O que sabemos faz mais tempo é que os limites
do jogo de poder internacional se esfarelaram. Trump espalha essa farofa de
maneira mais assustadora.
O conflito sino-americano intensificou o uso
de armas econômicas na política: nacionalismo e política industrial nos EUA,
restrições a exportações e a investimentos na China e
outras sanções, o que não é novo, mas foi escancarado sob Trump. A China ataca
e contra-ataca nos mesmos termos. Mais: nos comunicados em que relata
negociações comerciais com os EUA, manda que não se metam em Taiwan.
A epidemia havia suscitado reações
autárquicas (segurança de abastecimento e produção de bens ditos essenciais ou
estratégicos). O ataque da Rússia contra Ucrânia reforçou a preocupação com
segurança energética, mas não só (vide o medo brasileiro com o risco de ficar
sem fertilizantes).
A Europa começa a se rearmar. O confisco das
reservas russas pelo dito Ocidente (entre outras sanções) colocou mais barbas
de molho. Para dar um exemplo rápido, a China passou a diminuir as reservas que
mantém nos EUA.
Trump arruinou o sistema de regulação
comercial mundial, que já vinha sendo detonado desde Barack Obama. Ameaça
países recalcitrantes de boicotes econômicos e militares.
O salve-se quem puder na economia tem sido
radicalizado (nunca deixou de ser assim). A ideia de ter mais autonomia militar
ou de se juntar a um bloco bem armado é assunto forte outra vez. O rearmamento
agrava problemas fiscais e, pois, prejudica crescimento e políticas sociais.
Dizer que as instituições multilaterais foram
à breca é pouco. Não há concerto de países poderosos, acordo para colocar ordem
no mundo, nem segundo os interesses deles.
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