domingo, 12 de setembro de 2010

Da nobre arte de fazer inimigos e irritar pessoas :: Fabio Campana

Modéstia à parte, eu tenho muitos inimigos. Tantos que não conseguiria contá-los. A verdade é que não quero saber quantos são. Meu interesse se concentra nos desafetos que detêm alguma forma de poder e o usa como déspota pouco esclarecido, característica muito comum nos políticos nativos.

Aprendi que não vale a pena gastar tutano e neurônios com os epígonos. A patuléia miúda é numerosa e só existe coletivamente. Não pensa. Reage emocionalmente. Segue o líder com a cegueira da paixão e da burrice.

Não perco tempo com a malta que se infla de raiva e indignação quando o chefe é atingido. Meu alvo é o suserano de alto coturno. Nunca o torcedor fanático. Meus inimigos de estimação são todos de grosso calibre. A eles dedico o melhor de meus esforços e criatividade.

Isso explica porque identifico poucos inimigos, apesar dos áulicos que servem a cada um deles e que me detestam porque coloco em risco a sua segurança representada no mais das vezes por uma sinecura, um salário, um afago, um favor ou simplesmente pela identificação de quem não consegue justificar sua existência de outra forma.

São de variada catadura, mas há algo comum entre eles. Percebo em suas reações raivosas um ressaibo de inveja e frustração que se expressa coletivamente pelo primitivo. Há uma categoria especialmente patética, próxima da bufonaria, nesse universo. É a classe dos apedeutas, dos intelectuais menores ou dos que tentam se fazer passar por intelectuais.

Se dão ares de sábios e exercitam a crítica pessoal como forma de sublimar sua evidente limitação de neurônios ativos. Não há aditivo que possa ajudá-los. Quase não suportam conviver com a própria mediocridade e isso talvez explique as tentativas de suicídio nesse meio, embora também nisso sejam incompetentes. Não há nada mais ridículo que o suicídio frustrado.

Eu não suporto nada que soe a horda. Prefiro insular-me e só ver os amigos mais chegados. Defendo-me das torcidas organizadas com distância e indiferença. Minha formação em verdadeiros partidos comunistas de antanho provou-me que a máxima dos jesuítas depois adotada pelos leninistas, poucos mas bons, é saudável e eficaz para salvar-nos da patologia social.

Os inimigos não me fazem dano. Mais me divirto com a loucura humana do que me irrito. Os inteligentes percebem. Sou uma pessoa de poucas raivas e rancores. Acredito que o pecado do orgulho me protege desses sentimentos. Em minha soberba sempre enxergo os medíocres como bufões. Há décadas tenho detratores profissionais que ganham a vida nessa faina. Eu acho engraçado. Essa profissão é uma originalidade da província.

Compreendo porque deixo de maus bofes os medíocres. Sempre houve em mim uma dose robusta de inconformismo. Tenho dificuldades para aceitar o que está posto e estabelecido. Não aceito regras imutáveis, desconfio das leis restritivas da liberdade individual, tenho horror de qualquer manifestação autoritária e um desrespeito intelectual absoluto pelos governantes e pela burocracia entrincheirada atrás dos poderosos. Daí essa minha natural vocação para o questionamento, a transgressão, a rebeldia e o que chamam de espírito anárquico.

O inimigo é o sal da terra, dizia meu avô Diego Vera. Eles são a evidência de que temos opinião e sabemos defendê-la. O homem que só tem amigos não tem caráter, dizia ele.

O bom mocismo é papel para os néscios e figurantes. Eu, modéstia a parte, tenho muitos inimigos e poucos, mas bons e brilhantes amigos, que são a contraprova de que não vim à este mundo para ser coadjuvante e passá-la em branco.

Terrível, desolador, será o dia em que os inimigos desaparecerem. Esse será o verdadeiro sinal do fim.


Fábio Campana é jornalista e escritor. Nasceu no município paranaense de Foz do Iguaçu. Publicou Restos Mortais, contos (1978), No Campo do Inimigo, contos (1981), Paraíso em Chamas, poesia (1994), O Guardador de Fantasmas, romance (1996), Todo o Sangue (2004), O último dia de Cabeza de Vaca (2005) e Ai (2007).

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