Tudo depende, na resposta a esta pergunta, do que chamemos de "demais". Nossos partidos são numerosos, sim. Acabo de descobrir que há um partido de número 10. Estranhei, porque os números surgiram quando foi restabelecido o sistema multipartidário, no final da ditadura. Os cinco partidos então criados receberam números que, obviamente, iam de 1 a 5. Mais tarde, com a democracia, foi facilitada a criação de novas agremiações, e os números de 1 a 9 (porque, claro, nenhum partido quereria ser o zero...) se mostraram insuficientes para acolhê-los. A solução foi começar em 11. O antigo partido "1", que era o da ditadura, se tornou o 11, e assim por diante. Portanto, não tínhamos o dez. Agora, ele surgiu. Temos também o 65. Não sei, na verdade, quantos partidos existem no Brasil, no dia de hoje.
Mas isso é ruim? É comum se denunciar a proliferação de siglas de aluguel. Mistura-se, na mesma expressão, o grande número - a "proliferação" - e a indecência, a imoralidade, o "aluguel". Porém, que relação há nisso? Nenhuma. Se aluguel significar a falta de convicção ideológica, essa não é exclusividade dos partidos menores, que mercadejariam o apoio no legislativo ou seus minutos de televisão em troca de vantagens escusas. Porque nosso partido mais tradicional, que tem a maior bancada no Senado e a segunda na Câmara, é justamente uma agremiação que abriu mão das convicções ideológicas e divide seu apoio entre as forças políticas as mais diversas. Refiro-me, claro, ao PMDB. Isso, embora ele conte com alguns dos parlamentares mais respeitados eticamente do Congresso. Mas ele apoiou os tucanos nos tempos de Fernando Henrique e aliou-se a seu candidato José Serra, em 2002, dando-lhe a companheira de chapa, Rita Camata; e apoiou os petistas no governo de Lula e aliou-se a sua candidata Dilma Rousseff em 2010, dando-lhe o companheiro de chapa, Michel Temer. Há duas décadas renunciou a pleitear a hegemonia nacional, sinônimo da presidência da República, e desde então vive bem o papel que, segundo o folclore, seria dos nanicos inconvenientes. Mas que ele desempenha com brio e sem remorso.
Os pequenos partidos têm suas vantagens. Facilitam a apresentação de candidaturas. Lembremos dois exemplos de política bipartidária, os Estados Unidos e a Grã-Bretanha, onde um terceiro partido tem dificuldades até para sobreviver. Lá, porém, qualquer um pode concorrer aos cargos legislativos. Nos Estados Unidos e na Inglaterra, é bem difícil se eleger alguém que não seja dos grandes partidos - mas não é proibido. Já no Brasil, a pretexto de fortalecer os partidos, o que seria condição para a democracia funcionar, reservamos as candidaturas a eles. Pior, só pode concorrer quem esteja filiado a um partido há pelo menos um ano. Como as convenções se realizam pouco antes da eleição, já ocorreu de alguém se filiar a um partido e depois ter a legenda dele negada. Isso aconteceu com Itamar Franco, que voltou ao PMDB querendo disputar em 1998 a sucessão de FHC, mas foi barrado na convenção. Ele deveria ter o direito de concorrer, sem precisar de legenda. Aliás, nada o impediria, na França ou nos Estados Unidos, de disputar a presidência sem ter um partido.
Partidos pequenos não são piores que os grandes
Em suma, o mau comportamento que se atribui aos pequenos partidos não é privilégio deles. As grandes democracias admitem candidaturas avulsas, solteiras, e nem por isso sofrem problemas maiores. Tomemos nossos deputados federais. Se olharmos os partidos pequenos - digamos, os que elegeram menos de dez deputados - suas bancadas somavam na posse, em 2011, apenas 26 parlamentares, ou seja, cinco por cento da Câmara. Se pegarmos os partidos com até vinte deputados, teremos um total de 73 congressistas, isto é, menos de 15% - e entre eles estão os bem conhecidos PCdoB e Partido Verde, com quase metade dessas cadeiras.
O fato é que os partidos pequenos têm pouco espaço no Congresso, portanto, seu eventual oportunismo causa pouco mal. E, se olharmos quais partidos representam interesses precisos ou convicções ideológicas, não é o número que faz a diferença. O DEM certamente é o mais conservador dos partidos médios, mas seguramente o PSB não é socialista e muita gente contesta que o PV seja realmente ecologista. O próprio PCdoB, que entrou no governo Kassab em São Paulo, hoje só é comunista no nome.
Algo, então, a mudar aqui? Seria completamente inútil alterar a lei eleitoral para reduzir o número de partidos. Já se tentou, adiou-se e, penso, desistiu-se. Mas duas medidas seriam positivas. Primeira, dificultar ou mesmo proibir coligações para as eleições proporcionais. É péssimo votar no candidato de um partido e eleger o de outro, às vezes sem afinidade histórica com o primeiro. Segunda, restringir a moeda de troca que é o horário eleitoral. Não há razão alguma para um candidato ter mais que metade dos minutos de televisão - como tem, por exemplo, o prefeito do Rio de Janeiro. Poderia haver um teto no horário de propaganda política. Seria, digamos, um terço do total de minutos. Obviamente, se houver só dois ou três candidatos, isso se recalcula, mas temos que parar de premiar, com nosso dinheiro, partidos que só existem para dar tempo na TV. Aliás, a tão mal falada aliança do PT com Maluf, em São Paulo, só ocorreu por causa disso. Uma mudança dessas reduziria a invasão de nossos olhos por interesses menores, além de favorecer a concorrência pelo cargo em disputa. Afinal, em dez minutos qualquer candidato diz tudo o que tiver a comunicar.
Mesmo assim, não vamos esquecer: os nanicos nada fazem, de ruim ou bom, que seus irmãos maiores não façam.
Renato Janine Ribeiro é professor titular de ética e filosofia política na Universidade de São Paulo.
FONTE: VALOR ECONÔMICO
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