segunda-feira, 10 de setembro de 2012

Severino Teodoro de Mello, 95 anos – da rebelião de 1935 à luta democrática

No próximo dia 15 (sábado), Severino Theodoro de Mello estará completando 95 anos de praticamente toda uma vida de muito combate em prol das grandes causas da humanidade.

Os amigos e companheiros deste que talvez seja o último dos vivos dentre os que participaram das rebeliões de 1935 estão organizando um almoço, naquela data, a partir do meio-dia, na Churrascaria Gaucha (Rua das Laranjeiras, 114, Rio de Janeiro, tel. 21-25582558, email: gaucha114@hotmail.com), para comemorar tão importante data.

Veja mais sobre Mello no artigo, abaixo, de Ivan Alves Filho

O revolucionário total. Ou a força da coerência - Ivan Alves Filho

Insurreto em novembro de 1935, o que viria a lhe custar quase sete anos de cadeia nas masmorras do Estado Novo, Mello sempre fez uma análise penetrante do movimento aliancista. Mesmo mantendo uma atitude crítica no tocante à ação da ANL e do PCB, ele destacou, contudo, o caráter de classe, popular, da insurreição aliancista, razão maior do repúdio das camadas dominantes ao movimento.

Com a autoridade de quem contribuiu para reerguer o PCB após a redemocratização de 1945 (ele contou certa vez que havia pouco mais de mil comunistas organizados em todo o país por essa época). Mello apontou as novas dificuldades que a militância teve de enfrentar, em um contexto marcado pela Guerra Fria. Segundo ele, seria impossível entender os posicionamentos políticos dos comunistas sem situá-los historicamente. E lembra a importância do contexto internacional nas tomadas de posição dos comunistas brasileiros.

Homem do chamado aparelho comunista, Teodoro de Mello conviveu, como nenhum outro dirigente do Partido, com Luiz Carlos Prestes, o Cavaleiro da Esperança. Ele era, inclusive, responsável pela segurança pessoal do legendário secretário-geral do PCB, morando com Prestes durante anos a fio, driblando sempre as forças da repressão.

Mello vivenciou praticamente todas as viradas históricas do PCB. Senão vejamos. Em 1950, estava ao lado de Prestes, com ele dividindo o mesmo aparelho, quando da redação do Manifesto de Agosto, que conclamava o povo à luta armada, pouco antes da eleição e posse de Getúlio Vargas. No final do ano seguinte, por decisão do Comitê Central, Mello viajaria a Belém do Pará, para entrar em contato com as operárias da indústria têxtil local, então em greve. Ocorre que em Belém as operárias getulistas procuraram as operárias comunistas para selar uma aliança. Um fato absolutamente novo e significativo.

Ao retornar de sua viagem, Mello relatou o acontecido à direção do Partido. Sem dúvida, o movimento grevista de Belém abriu os olhos dos comunistas para a necessidade de realização de alianças com aquela parte da classe trabalhadora influenciada pelo getulismo mas engajada na luta reivindicatória contra os patrões. A partir daí, o PCB começou a rever, ainda que timidamente, de início, as suas relações com o PTB. Não deu outra: as bases sindicais comunistas acabaram alterando os rumos por demais estreitos da direção partidária. O PCB começaria então a se abrir, pondo o sectarismo de lado, retomando uma de suas principais características: a política de alianças, esboçada lá atrás, desde os tempos do Bloco Operário e Camponês, no final dos anos 20.

Pouco depois desse episódio do Pará, Teodoro de Mello partiria para Moscou, onde cursaria a Escola de Quadros do PCUS. Eram os tempos conturbados do fim do stalinismo. De retorno ao Brasil, após dois anos de afastamento, recebe a tarefa de organizar o PCB no interior de São Paulo. Com Giocondo Dias, Carlos Marighella e outros camaradas, viveu a crise tremenda do culto à personalidade, deslanchada pelas denúncias contidas no Relatório Kruschev. Mello não hesitou em apoiar então a Declaração de Março de 1958, verdadeiro divisor de águas na história do PCB. Com base nela, o PCB começaria a incorporar ao seu ideário político a democracia como valor estratégico (e não apenas tático) na luta pela superação da ordem capitalista.

Após o Golpe de 64, Mello não se desesperou. Impossível que não tenha tido lá seus momentos de angústia, como tantos outros revolucionários à época, mas não se abateu a ponto de perder a calma política. Pelo contrário. Tentou até persuadir velhos companheiros, como Carlos Marighella, a evitar o caminho do confronto armado com a ditadura. Calejado nos embates militares, Mello tinha a convicção de que a ditadura seria derrotada pelo movimento de massas e não derrubada pela força das armas. Na sua visão, o Partido não deveria enfrentar o regime onde ele era forte - no campo militar, justamente - e, aí sim, onde ele revelava a sua fraqueza - isto é, no terreno político.

Responsável, uma vez mais, pelo aparelho de Luiz Carlos Prestes (com quem fugiria no dia mesmo do Golpe), Mello se integrou à frente de resistência democrática. Participou da reestruturação do PCB no Nordeste do país e atuou no trabalho de fronteira, salvando a vida de muitos companheiros perseguidos pela ditadura. Passou cerca de doze anos na mais absoluta clandestinidade, até poder deixar o Brasil. Destino: União Soviética, onde comporia, com Prestes, o secretariado do PCB no exílio. Depois, iria viver na França, ganhando o Brasil com a anistia de 1979.

Teodoro de Mello teria, ainda, um papel fundamental na crise que opôs Prestes e a maioria do Comitê Central do PCB. Com o fim da ditadura militar, assume um lugar na Comissão Executiva do Partido. A tarefa da época - assegurar a transição democrática, com a plena legalidade para os comunistas - foi vitoriosa.

Em 1992, logo após o desmoronamento da antiga União Soviética, Mello apóia resolutamente a transformação do PCB em PPS. Ajudou a mudar o Partido, mas nunca mudou de Partido: Teodoro de Mello ainda foi membro da Direção Nacional do PPS, reconduzido que foi pelos delegados do XIV Congresso, de 2004. E, ainda, hoje, aos 95 anos de idade, permanece fiel àl egenda.Com exceção da secretaria-geral, ocupou todos os postos políticos na direção do Partido.

Afinal, são mais de 75 anos de luta partidária. E de luta pela vida. Menino ainda, Mello teve de trabalhar para ajudar no sustento da família, no interior de um Nordeste tão castigado pelas secas quanto o era pelo coronelismo.

De uma lucidez política impressionante, extremamente modesto, estudioso (como não se recordar de sua sala na sede do Comitê Central do PCB, no início dos anos 80, com pilhas e mais pilhas de livros e recortes de jornais sobre a sua mesa de trabalho...), Severino Teodoro de Mello encarna aquilo que o PCB tem de melhor. Sua dedicação e candura chegam a ser comoventes. A trajetória humana de Teodoro de Mello força a admiração.

Com Giocondo Dias, Antônio Ribeiro Granja, Salomão Malina e Adalberto Timóteo da Costa, Severino Teodoro de Mello compunha a espinha dorsal do comunismo brasileiro, essa Inconfidência do século XX. E deixou sucessores na organização do Partido: Marco Antonio Coelho, Jayme Miranda, Paulo Elisiário Nunes e Francisco Inácio de Almeida foram alguns deles.

A grande lição de Severino Teodoro de Mello? Demonstrar que o PCB, apesar das inúmeras dificuldades que enfrentou desde a sua fundação, em 1922, foi o partido que mais contribuiu para que os brasileiros conhecessem de fato o seu país. Organizando os trabalhadores, lutando pela ampliação da democracia, reunindo as forças da cultura, o PCB fez História no Brasil. E isso decididamente não é pouco.

Mellinho, que está completando neste dia 15 de setembro 95 anos de vida, nunca perde a esperança, pois traz no peito a paixão pela liberdade.

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