• Nossa política em seu momento mais vulnerável
- Valor Econômico
A campanha parece estar chegando a uma certa estabilidade na instabilidade, que dificilmente sofrerá mudanças sensíveis antes de começar - depois da Copa - o período que os pernambucanos chamam de "guia eleitoral", isto é, a propaganda na TV e no rádio. A não ser que haja um imprevisto enorme - e o problema é que estamos vulneráveis a surpresas.
O que sabemos: que Dilma Rousseff está perto de ser reeleita no primeiro turno ou de ficar para o segundo - isto é: tudo é possível, tudo está por um fio. Aécio Neves pode ganhar, se chegar ao segundo turno e conseguir a transferência dos votos de Eduardo Campos. Ou seja, o quadro só se definirá perto das eleições. Mas há um dado difícil de mudar: Eduardo não se diferenciou de Aécio. Ele se portará como um coadjuvante na eleição, salvo uma reação enérgica, que está tentando mas até agora sem êxito. PT e PSDB conseguiram marcá-lo na oposição. Os petistas o atacam, os tucanos o acolhem, mas o efeito é o mesmo: ele aparece como um sócio menor do projeto tucano. Essa situação é letal para a "terceira via". Marina Silva não teria deixado as coisas chegarem a esse ponto. Essa situação da terceira via ficar em terceiro lugar não parece fácil de alterar.
Nosso eleitorado se divide em três grupos, de tamanho próximo: um terço gordo (algo acima de 33%), que é o eleitorado seguro do PT, outro, que prefere os dois candidatos de oposição, e um "terceiro terço", que por ora não se decidiu. Esses números sobem e descem com as pesquisas, mas, descontando o impacto efêmero das circunstâncias, a realidade é essa disputa entre PT e anti-PT, a ser decidida pelos que mudam de opinião. Quem resolve nossas eleições mais disputadas não são os petistas roxos ou tucanos até embaixo d'água: são os menos animados, indecisos, inconfiáveis. Isso é bom, porque servem de termômetro para as políticas, punindo as desastradas e recompensando as felizes. Uma democracia precisa de indecisos.
O melhor cenário para Dilma é a vitória no primeiro turno. Não só pela razão óbvia (quanto mais cedo, melhor), mas porque seu pesadelo é perder no segundo turno, se não conseguir votos a seu favor entre os eleitores dos candidatos descartados. O melhor cenário para Aécio e Eduardo é a soma deles superar a votação dela: um deles a enfrentaria no final de outubro e o outro acumularia méritos para ter participação em seu governo.
O melhor discurso para Dilma é a ênfase nos êxitos petistas em matéria social, para Aécio é a insistência tucana nas falhas que vê na política econômica. Mas aqui a coisa se complica.
Os oposicionistas têm preferido falar a empresários - o que mereceu a crítica desse agudo observador da cena política que é Cesar Maia, lembrando que o capital não dá votos e até gera antipatia no povo; melhor fariam os dois se subissem os morros, se falassem a quem vota. (É só na eleição que todos somos iguais).
Aécio e Eduardo buscam os patrões para arrecadar fundos, mas assim expõem o flanco à crítica de descuidarem do social e de prepararem uma política, usemos o que na América Latina é um palavrão, "neoliberal". Uma eleição tem vários turnos, dos quais só o primeiro e o segundo estão na lei e têm data; durante o mandato, haverá um terceiro turno durando mais de três anos, em que capital e movimentos sociais pressionarão o eleito para atender a suas reivindicações; mas, antes disso tudo, há um "turno zero", quando as forças se reúnem, se montam as coligações, se consegue dinheiro. A chance de Aécio e Eduardo está em fecharem logo o turno zero, obtendo apoios empresariais, e aí partirem para o povão. Frequentar as elites tem "deadline" e seus rastros devem sumir antes da hora decisiva, de disputar o um-homem-um-voto.
Neste quadro, o que esperar? Não deve haver grandes mudanças nos próximos meses, salvo um incidente sério, uma surpresa na Copa ou fora dela. Mas a verdade é que estamos à mercê de surpresas. O clima político e social está tão carregado que uma fagulha pode ter efeitos devastadores - ou não. E o Brasil é um país que muda de repente. Somos mais sujeitos ao aleatório do que sociedades de perfil social e político mais rígido. Faz um ano, a violência de alguns manifestantes do Passe Livre ia voltando a população contra eles, até que a violência - em escala industrial - da polícia paulista provocou um repúdio generalizado e, em reação, o apoio às manifestações. Não fosse a sangrenta ação policial, tudo seria diferente. A truculência policial mudou o país.
Por que chegamos a um equilíbrio social e político tão vulnerável? O Brasil mudou muito em 20 anos. As privatizações de FHC transferiram a propriedade de 30% do PIB, segundo Chico de Oliveira. A inclusão social promovida pelo PT fez um quarto da população sair da grande pobreza, além de beneficiar outras classes. Nem as medidas econômicas de FHC, nem as sociais dos governos petistas, agradaram a todos. Nossa sociedade se rachou em torno não de duas interpretações dos mesmos fatos, mas do próprio relato que direita e esquerda fazem do que julgam ser a realidade factual. Perdemos a ideia de um conjunto de fatos que todos reconhecem como reais. Estamos perdendo a noção de realidade. Vivemos só com interpretações, que se expandiram a ponto de engolir o mundo real. A direita não quer nem escutar os dados sobre a inclusão social, a esquerda não quer nem ouvir a perda do apelo político do PT à sociedade. Nesta situação, ficamos à mercê de qualquer coisa. Daí que vivamos estes momentos de protestos como perigo, como ameaça, que pode queimar até aqueles que os promovem.
Renato Janine Ribeiro é professor titular de ética e filosofia política na Universidade de São Paulo.
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