• Diretoria recebeu avaliação técnica há cinco anos que apontava falta de ‘atratividade econômica’ da refinaria
José Casado, Danielle Nogueira e Vinicius Sassine - O Globo
BRASÍLIA e RIO — Desde 2009, a Petrobras sabia que o projeto da refinaria Abreu e Lima, em Pernambuco, era economicamente inviável. A diretoria executiva da empresa recebeu um claro alerta, por escrito, na segunda quinzena de novembro daquele ano: “Sob a ótica empresarial, sem considerar as análises complementares, o projeto não apresenta atratividade econômica”, informaram os técnicos da estatal encarregados das análises de estratégia, desempenho empresarial, planejamento financeiro e de risco.
Conforme essa avaliação, a Petrobras não perderia dinheiro, mas também não lucraria, caso limitasse o investimento em Abreu e Lima em US$ 10,4 bilhões. Naquele ano, porém, a previsão de gastos com obras e equipamentos já estava em US$ 13,4 bilhões.
Na rotina de procedimentos da Petrobras, esse aviso técnico representaria obstáculo para a diretoria executiva avançar no empreendimento, mas as regras da “Sistemática de Aprovação de Projetos” da estatal vinham sendo contornadas desde 2007, quando foram realizadas contratações por convite sem um projeto básico aprovado.
Artifícios para montar outro cenário
Sob o comando de José Sergio Gabrielli, a diretoria da estatal precisava formalizar a execução do plano de obras — a “fase quatro”, na nomenclatura interna. Por isso, ao alerta foram anexadas “análises complementares”. Nelas, recorria-se a uma série de artifícios para montagem de um cenário de sinal invertido, no qual Abreu e Lima emergia como um projeto economicamente viável.
O problema estava no indicador de viabilidade, o “Valor Presente Líquido” (VPL). Ele mostra se um projeto é viável: VPL negativo sinaliza perda; positivo é lucro; e nulo significa que o investimento não vai dar prejuízo, mas também não será rentável. No caso de Abreu e Lima, concluíram os técnicos, “o valor de investimento que torna o VPL nulo é de US$ 10,4 bilhões”. Como os gastos já estavam 30% acima desse teto, restava mudar o resultado da equação.
Imaginou-se ajuda extra do governo federal, com incentivos de US$ 1,2 bilhão por ano — além de US$ 4,2 bilhões em empréstimos baratos do BNDES.
Em seguida, considerou-se no cálculo o valor da “perda potencial” de mercado. Ou seja, quanto a Petrobras poderia vir a perder em receita, caso um concorrente qualquer decidisse refinar petróleo no Nordeste. O dano potencial foi estimado em US$ 722 milhões.
Por fim, incluiu-se na tabulação o conceito contábil de perpetuidade. O documento levado à diretoria explica: “Significa, em outras palavras, dizer que o negócio não terá fim, ou, ainda, operará até o ‘infinito’. Em termos práticos, significa estender indefinidamente o fluxo de caixa do projeto além dos 25 anos considerado tradicionalmente nas avaliações do refino”.
No papel, Abreu e Lima começava a virar uma refinaria em funcionamento pela eternidade, imutável na tecnologia e inesgotável como fonte de receita.
Só assim o bilionário investimento em Pernambuco poderia vir a ser considerado economicamente viável. A conta ficou positiva em US$ 76 milhões de “Valor Presente Líquido”. Isso representaria 0,4% de lucro em um empreendimento que há 11 anos foi orçado em US$ 2,3 bilhões, consumiu US$ 18,5 bilhões até abril passado e pode chegar a US$ 20,1 bilhões na inauguração, segundo projeções da estatal.
Embora irreal, o cenário positivo era o que a diretoria precisava para formalizar a execução do plano de construir a refinaria — a “fase quatro”, no jargão interno. A aprovação aconteceu numa quarta-feira, 25 de novembro de 2009.
“A construção da refinaria estava prevista no Plano de Negócios 2007-2011”, argumentou a Petrobras em nota, na última sexta-feira. Acrescentou: “Em 2009, na aprovação da Fase 3 (etapa Projeto Básico), e consequente autorização para construção da refinaria Abreu e Lima, foram realizadas análises de sensibilidade e avaliação empresarial que apontaram para atratividade econômica positiva. A refinaria Abreu e Lima incrementa o resultado operacional da Petrobras através da ampliação da capacidade de refino para atender o crescimento da demanda de derivados e da redução da importação de derivados. Com seu sistema flexível de processamento, baseado em dois trens de refino, a refinaria pode receber tanto cargas de petróleo pesado nacional de menor valor, quanto cargas de petróleo mais leve, liberando as demais unidades do parque de refino para processar outros tipos de petróleo mais convenientes e atrativos”.
Custo de US$ 87 mil por barril
Abreu e Lima se tornou um dos mais caros projetos da indústria mundial de petróleo: vai gastar US$ 87 mil por cada barril de petróleo que refinar, mais que o dobro da média internacional. A escalada de aumento de custos (mais de 770%, em dólares) motiva múltiplas investigações, dentro e fora do país.
Semana passada, o gerente de Engenharia de Custos da Petrobras, Alexandre Rabello, prestou depoimento em uma das comissões parlamentares de inquérito. Pediram-lhe para explicar as razões de o custo ter aumentado nove vezes a partir de uma “conta de padeiro”, como definiu o ex-diretor de Abastecimento da estatal Paulo Roberto Costa, preso sob suspeita de corrupção e lavagem de dinheiro.
O chefe de Engenharia de Custos foi lacônico: “Não participamos de todas as fases do projeto. A única coisa que eu sei é que foi um processo que levou cerca de nove meses, se não me engano, pelo que tenho visto aí nos outros depoimentos”.
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