- O Globo
Quem ainda nutre a esperança de que o governo possa imprimir rumo mais promissor à política econômica, em 2015, deve acompanhar com atenção o que vem sendo dito por Aloizio Mercadante, ministro-chefe da Casa Civil da Presidência.
Em reunião com a bancada petista na Câmara, na semana passada, o ministro foi direto ao ponto: "A política econômica do segundo governo não pode ser a que foi derrotada. A nossa prioridade é emprego e renda. A nossa agenda não é a do mercado." (O GLOBO, 14/11).
Dois dias depois, em entrevista no Palácio do Planalto a Míriam Leitão, na GloboNews, Mercadante deixou claro que, três semanas após o segundo turno, o governo continua aferrado ao discurso econômico descolado da realidade a que se apegou durante a campanha eleitoral.
Bem-falante, o ministro consegue repetir de forma mais articulada os argumentos que Dilma tentava brandir ao longo da campanha. Mas, ao ser mais claro, Mercadante torna ainda mais evidente a absurda dissonância cognitiva que vem marcando o discurso do governo.
O que se ouviu foi uma longa fieira de mistificações. A estagnação da economia é simples desdobramento da desaceleração da economia mundial. Se olharmos nosso entorno na América Latina, a situação não é diferente. Não há nada errado com a política de combate à inflação. O Banco Central sempre teve autonomia operacional. A presidente não fala sobre juros. A inflação sempre esteve dentro da meta. Não houve nenhum represamento de preços de energia elétrica e combustíveis. Ao contrário do que se alega, a política econômica foi uma escolha vitoriosa. O reconhecimento do êxito desse projeto foi dado pelos "54 milhões de votos, 3,5 milhões a mais que o segundo colocado, um Uruguai a mais".
O ministro acha que o Brasil vem tendo desempenho fiscal exemplar: "Só cinco países do G-20 têm superávit primário. E o Brasil é um deles." Indagado sobre a desastrosa evolução recente das contas públicas, o ministro esfalfa-se para dissimular o descontrole fiscal do ano eleitoral de 2014 como política anticíclica. "Nós fizemos uma opção... proteger o emprego, proteger o salário... O Estado tem que fazer uma política anticíclica, como todas as principais economias estão fazendo."
Como, até o fim de setembro, o Tesouro vinha assegurando que a meta anual de superávit primário seria cumprida, a alegação não faz sentido. A não ser que estejamos diante de um caso raro de política anticíclica secreta, da qual ninguém jamais teve conhecimento prévio.
Mas a pior parte da entrevista foi a justificativa fervorosa da disparatada proposta de alteração da LDO, para que, da meta fiscal, possam ser deduzidos todos os gastos do PAC e as perdas de receita decorrentes de desonerações. Segundo o ministro, é mais do que razoável descontar da meta os grandes itens responsáveis pela deterioração do superávit primário. O desconto é "só onde cresceu".
A analogia que vem à mente é a de um paciente, comprometido com uma meta de controle de peso, que sugere ao cardiologista que, do número apontado na balança do consultório, seja descontado o peso estimado da gordura adicional que acumulou na cintura desde a última consulta.
Em face do risco cada vez mais alto de um vergonhoso rebaixamento da dívida soberana do país, é espantoso que o Planalto se permita adotar discurso tão acintosamente explícito de defesa da irresponsabilidade fiscal. Já não há nem mesmo preocupação em manter as aparências.
Vale notar que o ministro-chefe da Casa Civil nunca esteve tão à vontade para falar de política econômica. Tudo indica que essa súbita loquacidade, em matéria que sempre lhe foi vedada, conta agora com aprovação prévia da presidente. Tendo reduzido a estatura de Guido Mantega à de ministro demitido já há mais de dois meses, Dilma carecia de um porta-voz que pudesse falar de economia em seu nome, enquanto, sem pressa, escolhe um substituto.
É bom, portanto, levar a sério o que anda dizendo a Casa Civil. Goste-se ou não, Mercadante parece ser o arauto do que vem por aí. Preparem-se.
Economista e professor da PUC-Rio
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