quinta-feira, 25 de dezembro de 2014

Cora Rónai - Árvore, trânsito, Petrobras e Macadâmias

- O Globo

Tenho uma relação de amor e ódio com a minha vizinha mais ilustre, a Árvore de Natal da Lagoa. Mais especificamente, tenho uma relação de amor com a árvore, e uma relação de ódio com os fogos de artifício que marcam a sua inauguração. Não por não gostar deles — como todo mundo, acho os fogos lindos —, mas por gostar bem mais da fauna que vive por aqui, para não falar da minha Famiglia Gatto e de todos os incontáveis animais de estimação que entram em pânico com o foguetório.

Assisto à queima, faço fotos, posto no Facebook e no Instagram, mas me angustio pensando nos passarinhos que conheço, nos socós, nas garças, nas familiazinhas de bem-te-vis e de frangos d’água que crescem em meio a tantas dificuldades. As capivaras pelo menos moram do outro lado, onde imagino que o barulho chegue amortecido.

Falamos muito da importância de se preservar o meio ambiente, mas mal olhamos para o que acontece à nossa frente: é como se bichos e ecossistemas urbanos valessem menos por estar nas cidades. Pois penso que, ao contrário, eles deveriam ser, por isso mesmo, ainda mais valorizados.

Será que precisamos mesmo de toda aquela barulheira dos fogos? Será que não seria possível fazer uma festa menos estrepitosa?

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Dito isso, confesso que amo a árvore, e o clima de cidade do interior que ela traz para a Lagoa: adoro passear no meio da multidão que vem de todos os cantos para apreciar o espetáculo. Há famílias inteiras que trazem cadeiras de praia e que formam rodinhas de papo que avançam noite adentro. Elas estão certíssimas. O visual é lindo, há sempre uma brisa e há carrinhos de comidas variadas: tapioca, pipoca, churros, algodão doce, pastel... No ano passado vi até pizza na lenha. Há também balões e brinquedinhos modestos à venda, como numa quermesse.

Nas noites da árvore já encontrei pessoas de todos os níveis sociais, e de uma variedade incrível de profissões; conversei com gente do Brasil inteiro, e dividi muitos refrigerantes e comidinhas com esses amigos ocasionais. Quem mora no Rio e não vem ver a Árvore da Lagoa não sabe o que está perdendo.
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E o trânsito? Sim, é verdade, há o trânsito. Pavoroso. Piorado, este ano, com as obras que estão por toda parte. A Lagoa, que já não é propriamente uma pista de velocidade em circunstâncias normais, fica intransitável. Por isso entendo as queixas de quem não aguenta mais o engarrafamento e quer ver a árvore longe — mas, tudo somado, ainda acho que a farra compensa o aborrecimento.
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Quando esta coluna for ao ar, o Natal já terá acontecido. Os presentes já terão sido abertos, a bagunça da noite já terá sido arrumada e só nos restará marcar passo durante a semana à espera do réveillon.

Escrevo, porém, da outra ponta, isto é, da véspera da véspera. O relógio do computador marca 2h58m da madrugada do dia 23, e estou com uma vaga sensação de desespero: ainda não comprei metade dos presentes, nem embrulhei a metade já resolvida. Eu até teria tempo para fazer isso se a ceia fosse no dia 24, mas nossa festa familiar será logo mais, na noite deste dia 23: inventamos a mudança no ano passado, diante da impossibilidade de conciliar as várias ceias que puxavam cunhadas, sobrinhos e genros em diferentes direções. Funcionou tão bem que, este ano, nem discutimos mais a questão. O que não funcionou foi a minha decisão de fazer as compras de Natal em julho, mais uma vez esquecida na gaveta das boas intenções.
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É Natal, bimbalham os sinos, o mundo gira e a Lusitana roda — mas, nem por isso, as informações sobre a roubalheira na Petrobras deixam de nos surpreender. Ou, como gosta de dizer a “presidenta”, de nos estarrecer. Assisti à entrevista que a Venina deu à Glória Maria, e fiquei estarrecida. Não com as denúncias — afinal, eu precisaria ser mais ingênua do que Dilma e Graciosa juntas para acreditar que nem uma nem outra sabiam do que se passava na empresa — mas comigo mesma por, paradoxalmente, não mais me estarrecer diante do que ouvia.

Sinto que nada do que eu possa vir a saber sobre a Petrobras ou sobre o governo poderá, jamais, me estarrecer; a minha capacidade de estarrecimento está esgotada.

A única coisa que ainda me causa algum espanto em relação à Petrobras é o profundo silêncio dos seus 85 mil funcionários. Cadê os protestos? Cadê as passeatas? Cadê a vergonha na cara?
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Em Nova York, a filha do dono da Korean Air mandou um avião da empresa voltar ao portão de embarque depois que lhe serviram macadâmias num pacotinho, em vez do prato de porcelana que esperava. Por causa disso, o voo teve um atraso de 11 minutos, a Coreia do Sul entrou em polvorosa, as vendas de macadâmias dispararam, e a moça pediu perdão em público pelo piti. Seu pai, o poderoso CEO da companhia, reuniu a imprensa para curvar-se num pedido de desculpas ainda mais elaborado, em que reconheceu que não soube educar a filha; a gravata que usava quase tocou o chão.

Há lugares no mundo em que os envolvidos em escândalos pedem desculpas.

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