• Com os escândalos envolvendo seus principais líderes políticos, a saída foi escalar para o governo o time reserva, com honrosas exceções
- Correio Braziliense
Um dos melhores exemplos de construção de consensos é a festa de Natal. Embora tradicionalmente seja um dia santificado cristão, a data é amplamente comemorado por muitos não cristãos. Originalmente, a festa surgiu para comemorar o natalis invicti Solis. No século 3, o solstício de inverno foi ressignificado pela Igreja Católica Romana para facilitar a conversão dos povos pagãos do Império Romano, com a comemoração do nascimento de Jesus de Nazaré.
Muitos de seus costumes populares e temas comemorativos têm origens pré-cristãs ou seculares. Outros são modernos. A troca de presentes, as ceias, as músicas, personagens como Papai Noel e muitas decorações fomentam a atividade econômica em todo o mundo, inclusive entre cristãos e não cristãos.
O Natal nos mostra que a harmonia social e a paz entre os homens não é construída apenas com base na força, mas sobretudo com a fé e a razão. Um belo exemplo é a festa em Belém, na Palestina, local do nascimento de Jesus e palco permanente do conflito entre árabes e israelenses.
Perda de consenso
Na política, a chave da construção dos grandes consensos é um misto de força, razão e emoção. A hegemonia política depende do poder de coerção, isto é, da força, e da construção de consensos, ou seja, a persuasão pela emoção e a razão. Essa noção sobre a construção de hegemonia parece que se perdeu no Palácio do Planalto.
Neste fim de ano, os brasileiros ganharam de presente uma nova equipe ministerial, que reproduz o “presidencialismo de coalizão” do primeiro mandato de Dilma Rousseff, e a notícia de que a direção da Petrobras será mantida, com Maria das Graças Foster no comando da empresa.
São coisas diferentes, mas estão imbricadas pelas vicissitudes do próprio governo Dilma. Tanto a nomeação de ministros como a manutenção de Graça Foster dependeram apenas da caneta da presidente Dilma Rousseff, ou seja, da força. Nos dois episódios, é fácil constatar que não houve intenção de construir um consenso mais amplo na sociedade, que cobra mudanças na Petrobras e repudia o toma lá dá cá na política.
Vejamos o caso da Petrobras. A empresa é um ícone nacional, foi criada pelo presidente Getúlio Vargas depois de um grande movimento de massas encabeçado por militares nacionalistas, militantes comunistas e trabalhistas e até representantes da oposição udenista ao governo da época. Desde a eleição do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, a defesa da empresa foi usada como bandeira contra a oposição, supostamente interessada em privatizá-la, o que nunca foi o caso.
Lula usou esse expediente com sucesso na reeleição dele e na eleição de Dilma, que fez a mesma coisa na própria reeleição, embora tenha passado um grande sufoco na reta final da campanha por causa do escândalo da Petrobras. A presidente da República, porém, conseguiu manter distância das falcatruas. O mesmo não pode se dizer do seu partido, o PT, responsável principal pelo comando da empresa no governo Lula.
Amiga da presidente da República, nada há contra a atual presidente da Petrobras na Operação Lava-Jato, mas é difícil explicar como não percebeu o que acontecia à frente do seu nariz e por que ainda se omite em relação a muitos aspectos do escândalo. Graça Foster corre o risco de desmoralizar a sua própria honestidade, como aconteceu com o senador Saturnino Braga, então no PDT, que teve uma desastrosa passagem pela prefeitura do Rio de Janeiro. A sua administração quebrou, apesar da reconhecida probidade do então prefeito carioca.
Qual é a ligação entre o escândalo da Petrobras e o “presidencialismo de coalizão”? A opinião pública ainda não sabe ao certo, mas seus artífices sabem, como o jovem estudante Raskólnikov, aquele assassino de Crime e Castigo, de Fiódor Mikhailovitch Dostoiévski. As campanhas eleitorais governistas de 2006 e 2010, inclusive as proporcionais, foram inundadas de dinheiro arrecadado pelo esquema.
O maior esquema de superfaturamento e desvio de recursos públicos já visto no país deixa no chinelo a operação de compra dos Roll-Royces, que deu origem ao “mar de lama” que levou ao suicídio o presidente Getúlio Vargas, e ao Fiat Elba que levou à renúncia o ex-presidente Fernando Collor de Mello, ameaçado de impechment pela oposição, como bem lembrou o jurista Miguel Reale Junior.
O “presidencialismo de coalizão” permitiu aos partidos governistas preservar e, em alguns casos, até ampliar suas bases graças à desproporção dos meios de campanha, que não se restringiu ao tempo de televisão. Mas se tornou apenas um nome pomposo para o loteamento da Esplanada dos Ministérios.
Com os escândalos envolvendo seus principais líderes políticos, a saída foi escalar para o governo o time reserva, com honrosas exceções. Esse estratagema para controlar o Congresso não tem o menor consenso nacional, mas mantém o poder de arrecadar, coagir e normatizar.
Nenhum comentário:
Postar um comentário