A vez de Alckmin
O candidato tucano ao Planalto promoveu uma virada no tabuleiro eleitoral ao unir dez partidos em torno da sua candidatura, criando as condições políticas para, finalmente, decolar. Se, de fato, essa portentosa aliança resultará em votos, só o tempo dirá
Rudolfo Lago, Wilson Lima e Ary Filgueira | Revista IstoÉ
Depois de passar meses estacionado nas pesquisas, sendo ferozmente criticado até por seus aliados por “jogar parado”, ou seja, não se mover no sentido de firmar alianças para compor um palanque robusto, o ex-governador de São Paulo Geraldo Alckmin (PSDB), enfim, saiu da inércia e fez o movimento mais arrojado até agora na conturbada e imprevisível eleição presidencial de 2018. Celebrou, na quinta-feira 26, um amplo e avassalador arco de apoios partidários, a partir da união de dez legendas, incluindo as quatro do chamado “Centrão” (DEM, PP, PR e Solidariedade), que se somarão ao PSD, PTB, PRB, PPS e PV, siglas com as quais o PSDB já estava coligado. Com esse verdadeiro exército marchando a seu favor, o tucano passará a dispor de quase 6 minutos de tempo na propaganda eleitoral gratuita no rádio e TV (os principais adversários terão menos de 30 segundos cada) e terá ao seu lado quase 300 deputados e a metade dos prefeitos brasileiros. Mais: a colossal aliança vai render ao candidato R$ 852,8 milhões de fundo partidário. Para quem até bem pouco tempo era dado como natimorto, pode-se dizer, sem sombra de dúvidas, que Alckmin vive o mais alvissareiro momento desde que oficializou seu nome na corrida presidencial.
Não por acaso, o tucano passou a ser a aposta sólida do establishment político-empresarial. Agora, o desafio é transformar essa máquina eleitoral em votos capazes de lhe catapultar ao segundo turno das eleições. Hoje, Alckmin amarga índices modestos nas pesquisas eleitorais, entre 5% e 7%, a depender do cenário. Para chegar lá, terá de quase triplicar, já que seu principal concorrente direto, o candidato Jair Bolsonaro, do PSL, oscila entre 18% e 20% das intenções de voto. “O mais importante é estarmos unidos, o que nos garante força em qualquer circunstância”, avalia o deputado José Carlos Aleluia (DEM-BA).
O anúncio da união do “Centrão” em torno de Alckmin, firmada na quinta-feira 26, foi a notícia mais esperada dos últimos tempos, como resultado das inúmeras conversas mantidas nas duas últimas semanas. Oficialmente, tinha o propósito de alavancar a candidatura à Presidência do presidente da Câmara, Rodrigo Maia. No fundo, visava garantir espaço de destaque do bloco no próximo governo, negociando em conjunto os apoios, em troca de mais ministérios e cargos em um novo governo, mas, sobretudo, que mantivesse o comando da Câmara, reelegendo Maia para o cargo. O bloco negociou três alternativas. Além de Alckmin, conversou com Ciro Gomes (PDT) e Jair Bolsonaro. A conclusão de que deveriam se unir ao candidato do PSDB foi um processo de depuração. Pesava contra Alckmin, e isso adiou a decisão final, o fato de o tucano patinar nas pesquisas, mantendo-se num patamar bem aquém do satisfatório. “Se for por isso, Ciro também está mais ou menos nesse patamar”, argumentava Alckmin, nas conversas com o “Centrão”. “A verdade é que a maior parte dos eleitores ainda vai fazer a sua escolha”, complementavam os tucanos. A partir daí, os partidos estabeleceram que a escolha se daria por consenso, e a união ocorreria em torno de quem seguisse sem vetos e questionamentos.
Bateu na trave
Preferido inicialmente por alguns dos líderes do bloco, Ciro Gomes foi perdendo espaço à mesma medida em que se enredava em declarações grosseiras, para dizer o mínimo. Chegou a chamar o vereador negro Fernando Holiday (DEM-SP) de “capitãozinho do mato”, expressão considerada como ofensa racista. A gota d’água, no entanto, deu-se no dia em que o pedetista chamou de “filha da puta”, sem saber de quem se tratava, a promotora Mariana Bernardes Andrade, que pediu investigação por racismo contra ele no caso de Holiday. Além da língua incontrolável, Ciro foi perdendo apoio no bloco pela defesa de propostas distantes do ideário mais liberal desses partidos, como rever a reforma trabalhista e bloquear negociações empresariais como a união da Boeing com a Embraer. “Estava ficando cada vez mais fácil o Ciro fechar aliança com o Boulos do que conosco”, comenta Aleluia.
Contra Bolsonaro, pesaram também posicionamentos, que levaram insegurança quanto à garantia de manutenção da atual lógica democrática de presidencialismo de coalizão. O bloco precisava ter certeza de que, forte no Congresso, teria peso nas decisões do próximo presidente. Sentiu mais segurança nesse sentido com Alckmin. “Ficamos muito perto de obter a unidade do campo democrático que pregávamos”, comemora o deputado Marcus Pestana (PSDB-MG). “Tínhamos a esperança de unir ainda Marina, Meirelles e Alvaro. Mas a união já garantida é um grande avanço”. Falta apenas a definição do vice na chapa. Josué Gomes, do PR, desistiu. Na última semana, estavam cotados nas bolsas de apostas Aldo Rebelo (SD), Mendonça Filho (DEM) e a atual presidente da Frente Parlamentar da Agropecuária, deputada federal Tereza Cristina, do DEM.
As três cartadas
O feito obtido por Alckmin tem três aspectos importantes. O primeiro é o tempo de TV conquistado pela aliança. Um triunfo nada desprezível. Alckmin terá cerca de seis minutos de inserção nas propagandas na televisão. Mesmo em tempos de internet e redes sociais, os especialistas consideram que a TV ainda terá enorme peso, principalmente os pequenos comerciais ao longo da programação. Será uma vantagem imensa, em comparação com o que dispõem aqueles seus principais adversários na disputa.
Se o PT tiver candidato, seu tempo será de 1 minuto e 35 segundos. Sozinho pelo PDT, Ciro Gomes terá somente 30 segundos. Marina Silva, da Rede, apenas 11 segundos. E Bolsonaro, que lidera as pesquisas, exíguos oito segundos. Para se ter uma ideia, Enéas Carneiro, um nanico que ficou famoso em eleições passadas, tinha 30 segundos para acelerar seu discurso como um locutor de corridas de cavalo e dizer ao final: “Meu nome é Enéas”. Os oito segundos do candidato do PSL mal darão a ele tempo de dizer “Meu nome é Bolsonaro”. A segunda vantagem é a capilaridade obtida. Numa campanha curta na qual a maior parte dos eleitores ainda está indecisa, deverão ter peso, funcionando como cabos eleitorais, os prefeitos, governadores, deputados e vereadores dos partidos aliados. A aliança composta por Alckmin soma oito governadores, 279 deputados federais e 2.263 prefeitos. Finalmente, há um dado mais subjetivo mas que pode ser significativo. É a sinalização da capacidade do tucano de aglutinação, uma vez que é irrefutável que o País precisa mais de união do que beligerância para, finalmente, aprovar as reformas. “Ninguém demonstra hoje maiores condições de conseguir uma atmosfera de governabilidade, algo de que o Brasil hoje necessita”, avalia Pestana.
Quando a maré está favorável, até o apelido pejorativo vira um trunfo. É o que pretende fazer o marqueteiro da campanha Lula Guimarães. Nas próximas semanas, a ideia é difundir o slogan “bom pra chuchu”, mostrando que o antes insosso e insípido “picolé de chuchu”, como Alckmin sempre fora conhecido, pode ser sim favorável para o País devido ao seu perfil de conciliador. É nesse aspecto que ele pretende se diferenciar dos concorrentes, tidos como incendiários, num ambiente em que o mais apropriado para o País seria eleger alguém capaz de colocar água na fervura. Por isso, nos programas de TV, as características pessoais de Alckmin serão ressaltadas à exaustão. Por exemplo, desde jovem, o ex-governador de São Paulo cultiva um cacoete retórico que guarda relação direta com sua personalidade. Gosta de falar pausadamente dando ênfase às sílabas, as quais pronuncia de maneira separada, quase em tom professoral. Para seus aliados, trata-se exatamente do perfil que o Brasil necessita. Alguém em condições de explicar didaticamente à população as medidas amargas que precisarão ser adotadas, para que voltemos a sonhar com um futuro promissor, com o retorno dos investimentos, da renda e do emprego. “Sempre se cobrou do Alckmin uma postura açodada que não combina com seu estilo. Ele é do diálogo, de fazer as coisas aos poucos. Ele eleva ao estado da arte aquele ditado segundo o qual a pressa é inimiga da perfeição. Ele quer a perfeição, mas com tudo a seu tempo”, afirmou um integrante da campanha.
Claro que existem indisfarçáveis efeitos colaterais com os quais Alckmin terá de lidar ao longo da campanha. A coligação com partidos que representam a fina flor de uma política rejeitada por setores expressivos do eleitorado será um flanco a ser explorado por seus adversários. Não será simples explicar, por exemplo, a incorporação ao palanque de figuras indigestas da política brasileira, como Valdemar Costa Neto (PR), Roberto Jefferson (PTB), condenados no mensalão por corrupção, e o famigerado Paulinho da Força. Na última semana, editorial do Estadão bateu forte no excesso de pragmatismo tucano, lembrando um termo adotado pela ex-presidente Dilma Rousseff na campanha de 2014, que se transformou numa máxima do vale-tudo eleitoral: para vencer “a gente faz o diabo”.
Desde que não se entregue os dedos, em vez dos anéis, é possível transformar a mega aliança partidária, a despeito da inclusão de alguns indesejados cacarecos, em algo frutífero para o Brasil. Nos tempos da ditadura militar, a cada derrota da oposição era comum ouvir entre os políticos a seguinte frase: “A esquerda só se une na cadeia”. Trinta e três anos depois da redemocratização, Lula está na cadeia, mas a esquerda está muito longe de se unir sobretudo porque o ex-presidente não abre mão de uma candidatura ilegal. Enquanto a vaidade pessoal de Lula desune as esquerdas, o Alckmin ensaia já na largada um governo de concertação nacional. Trata-se de um inegável trunfo para chegar lá.
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