- O Globo
Caso Bebianno envolve suposto desvio de dinheiro público, nos moldes da velha política, intervenção familiar, e cargos em estatais como moeda de troca
O governo Bolsonaro tem 48 dias e já viveu várias crises, a última tem elementos perigosos e reveladores. Primeiro, o caso do ministro Gustavo Bebianno envolve suposto desvio de fundos públicos, nos mesmos moldes da velha política que o presidente Jair Bolsonaro prometeu combater. Segundo, exibiu também de forma extravagante a anomalia que se temia: a intervenção da família nas questões de governo. Por fim, Bolsonaro tentou ajeitar tudo oferecendo a Bebianno uma diretoria da Itaipu, como se cargo fosse moeda de troca.
Bebianno foi copa e cozinha de Bolsonaro desde a pré-campanha. Não há o que o atinja que não respingue no presidente. Fez parte do círculo mais restrito que iniciou a caminhada que levou Bolsonaro ao Planalto. Foi o coordenador da campanha e, portanto, tinha o poder de distribuir dinheiro. O esquema que está sendo revelado é conhecido no Brasil. Verba eleitoral vai para candidatos-laranja, que depois não sabem explicar como foi usado o dinheiro. Neste caso, não falta nada, nem a gráfica suspeita.
A primeira reação do grupo governista foi a odiosa frase do presidente do PSL, Luciano Bivar, para explicar os duzentos e poucos votos na candidata que recebeu a maior parte do fundo partidário. “Política não é muito a vocação da mulher. Essa regra (de 30% de candidaturas femininas) violenta o homem”. Para ele, a vocação da mulher é ser bailarina. O país está tão calejado de frases discriminatórias que isso nem provocou maiores reações.
Afinal, na mesma semana, o Supremo Tribunal Federal (STF) suspendeu os processos contra Bolsonaro, que foi acusado de incitação ao estupro. O STF fez isso porque ele virou presidente, e assim determina a lei, mas o tribunal não consegue explicar por que não o julgou em tempo hábil.
Bolsonaro nunca escondeu de ninguém seu pensamento jurássico sobre várias questões, mas ele havia garantido que combateria a corrupção. Já surgiram vários casos como o do ministro do Turismo, Marcelo Álvaro Antônio, que teria usado quatro candidatas-laranja na campanha do PSL em Minas Gerais. O mesmo esquema no qual agora está envolvido Bebianno. Há ainda a fratura exposta das movimentações bancárias de Fabrício Queiroz, ex-assessor de Flávio Bolsonaro e do próprio senador.
O presidente Bolsonaro disse que mandou a Polícia Federal investigar as suspeitas sobre as candidaturas-laranja do PSL que receberam recursos do partido. Imagina-se que a PF investigue, em geral, sem esperar pedidos presidenciais, até para não aceitar vetos presidenciais. Os assuntos que precisam ser investigados que o sejam.
Mas a questão que permanece aberta, independentemente da exoneração de Gustavo Bebianno, é que muito cedo começaram a aparecer sinais da velha política no grupo político mais próximo do presidente. Também muito mais cedo do que se imaginava surgiram turbulências provocadas pelos filhos do presidente. O Brasil não elegeu um clã, até porque a democracia não toleraria isso. Elegeu Jair Bolsonaro. Os três filhos do primeiro dos três casamentos do presidente foram eleitos e exercem seus mandatos. É natural que tudo o que eles façam ganhe muito destaque, mas eles têm exagerado. O vereador Carlos Bolsonaro interferir em assuntos do Planalto é completamente fora de propósito. E o que ele disse foi confirmado pelo pai.
Tudo nesse episódio é esdrúxulo. E disso sabem integrantes do governo. Mesmo que a turma das patentes entre tentando pôr equilíbrio na bagunça, será difícil evitar novos episódios. Carlos, Eduardo e Flávio jamais terão perfil discreto porque nunca tiveram. Aliás, de todos, Flávio é o menos inflamado, mas é o mais encrencado pessoalmente. Jair Bolsonaro criou os filhos assim, eles se espelham no pai. A família jamais se notabilizou pela sensatez e pelo equilíbrio. Só que agora é tempo de governar, e esses poucos dias de exercício do poder têm dado sinais inquietantes.
O desfecho do caso Bebianno já foi dado, sejam quais forem os próximos desdobramentos. A “filhocracia”, na feliz definição do colega Ancelmo Gois na coluna de quinta-feira, está instalada, os métodos da velha política estão presentes no novo governo, e diretoria de empresa pública é moeda de troca e prêmio de consolação. A crise confirmou as piores previsões sobre o governo Bolsonaro.
Nenhum comentário:
Postar um comentário