terça-feira, 10 de dezembro de 2019

Joel Pinheiro da Fonseca* - A injusta (e inevitável) opinião pública

- Folha de S. Paulo

É antiga a crença de que tudo de bom ou ruim é responsabilidade dos poderosos

Dois fiascos: as passeatas pró-governo organizadas aos domingos, com participação sempre decrescente; e os discursos de Lula, que prometiam mobilizar a população para ir às ruas, mas que já caíram no vazio.

A maioria da população não quer brigar por política; quer melhorar de vida. E, goste-se ou não do governo, o fato é que a vida tem melhorado nos campos que mais se fizeram presentes na campanha presidencial: economia (especialmente empregos), segurança e percepção de corrupção (não há escândalos bilionários sendo cobertos pela mídia).

Quando o assunto é economia, não precisamos partilhar do amor apaixonado que o empresariado devota ao presidente. Não vivemos nenhuma arrancada espetacular, mas seguimos sim na recuperação paulatina que vem desde o governo Temer e que dá sinais de estar ganhando tração graças ao juro baixo.

Na segurança pública, a melhora também vem desde 2018, quando os homicídios no país caíram 10%. Neste ano, as quedas expressivas começaram já em janeiro. Assim, a não ser que só de sentar na cadeira —e antes mesmo de qualquer ação concreta— Bolsonaro já tenha reduzido a violência, a queda atual tem outras causas que não o governo.

Nada disso importa, contudo, para o sentimento popular. Desde que temos registros, a humanidade vive em meio à crença supersticiosa de que tudo de bom ou ruim que aconteça é responsabilidade dos poderosos. Isso vale para o bem e para o mal. A alta no preço da carne não é culpa do governo. Mas a insatisfação fatalmente se dirige a ele, e não há argumento econômico que convença a população do contrário.

Segundo o Datafolha, a aprovação de Bolsonaro está em 30%. O número é baixo, mas parece estável. Repete o que vemos em Trump, que tem tido, ao longo de seu mandato, aprovação popular baixa se comparada a presidentes anteriores. Diferentemente do que costuma acontecer, contudo, ela vem se mantendo estável, ao invés de cair conforme o fim do mandato se aproxima. Agora, com três anos de presidência, a aprovação de Trump já não destoa tanto de seus antecessores.

Penso que o mesmo acontecerá com Bolsonaro: os que o aprovam neste momento, ao fim do primeiro ano de primeiro mandato, são poucos (compare seus 30% com os 59% que aprovavam o governo Dilma no mesmo período), mas devem se mostrar resilientes.

É o efeito da polarização em nossa sociedade: em vez de um povo livre, capaz de aprovar ou desaprovar um governo conforme sua vida melhore ou piore, solidificamos nossas adesões em obediência cega. É o povo que passa a servir um grupo político, e não o grupo que precisa provar seu valor continuamente ao povo.

Os 32% que avaliam o governo como regular são o fiel da balança. Se economia, segurança e percepção de corrupção seguirem melhorando, devem recompensar o presidente com seu voto quando a hora chegar. Isso depende tanto de ações do governo quanto de sorte: uma recessão internacional ou um aumento acentuado do preço do petróleo podem colocar tudo a perder.

O perigo é que o sucesso do governo nessa frente sirva de chancela para os retrocessos no meio ambiente, educação, relações exteriores e solidez institucional. Além de combatê-los pelos meios institucionais, a missão dos opositores é tornar essas pautas relevantes para a opinião pública, assim como ocorreu com a corrupção. Só acho difícil que elas superem, no coração do povo, emprego e dinheiro no bolso.

*Joel Pinheiro da Fonseca, economista, mestre em filosofia pela USP.

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