terça-feira, 10 de dezembro de 2019

Pablo Ortellado* - Barreiras de entrada

- Folha de S. Paulo

Proposta de partidos de ampliar fundo eleitoral quer apenas dificultar a entrada de novos atores na política

Uma ampla coalizão de partidos quer aumentar o fundo eleitoral que financiará as próximas eleições municipais. A ampliação do fundo tira recursos da saúde, da educação e da infraestrutura com o intuito de ampliar as barreiras de entrada para novos atores na política.

Reportagem da Folha mostrou que a ampliação do fundo eleitoral de R$ 2 bilhões para R$ 3,8 bilhões proposta pelo deputado Domingos Neto (PSD-CE), relator do projeto de lei orçamentária de 2020, deve retirar recursos da saúde (R$ 500 milhões), da infraestrutura (R$ 380 milhões) e da educação (R$ 280 milhões). O aumento teve o respaldo de PT, PP, PTB, MDB, PSD, PL, PSB, PSDB, PDT, DEM, Solidariedade e Republicanos e oposição do Novo, do PSOL e do Cidadania. O projeto deve ser votado na próxima semana.

O fundo eleitoral foi criado em 2017 para compensar as perdas causadas pelo fim do financiamento de campanhas por pessoas jurídicas determinada pelo Supremo Tribunal Federal em 2015.

Em 2018, primeiro ano de vigência do fundo, parte dos recursos foi compensada por cortes nos valores destinados às emendas parlamentares, o que o Congresso chamou de "cortar na carne". Para 2020, não apenas o fundo eleitoral não será compensado por cortes nas emendas como terá um acréscimo de 120% em relação ao valor de 2018 (R$ 1,7 bilhão).

A elevação do patamar de financiamento público de campanha busca apenas reproduzir o status quo. A regra de distribuição do fundo eleitoral --com base na votação no partido e no número de deputados e senadores eleitos-- favorece os partidos e as lideranças que tiveram sucesso no ciclo eleitoral anterior. Ela premia os que já estão no poder e cria barreiras de entrada para os recém-chegados, sejam eles novos candidatos nos partidos estabelecidos (que não receberão suficientes verbas de campanha das lideranças veteranas), sejam eles novos ou pequenos partidos políticos que recebem uma parcela inexpressiva do fundo.

Com campanhas baratas e simples, atores novos e emergentes poderiam competir com mais igualdade de condições com os veteranos, mas, com campanhas caras e sofisticadas, atores novos sem recursos não conseguem se destacar e se fazer ouvir.

É por esse motivo que todos os grandes partidos, da esquerda e da direita, apoiaram a ampliação do fundo. Os velhos caciques não tiveram pudor em sacrificar centenas de milhões de reais em saúde, educação e infraestrutura para garantir que as mesmas lideranças de sempre permaneçam mais uma vez no poder.

*Pablo Ortellado, professor do curso de gestão de políticas públicas da USP, é doutor em filosofia.

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