- O Globo
A questão básica que está em causa hoje é a autoblindagem dos membros do Parlamento contra decisões judiciais
A crescente preponderância do Congresso no debate político está provocando uma relação conflituosa com os demais poderes. Ao mesmo tempo em que impõe sua pauta ao Executivo, ocupando espaços vazios deixados pela inépcia do governo Bolsonaro, vai também confrontando o Judiciário.
Desta vez há dois casos de suspensão e cassação de mandatos decididos pelo Supremo Tribunal Federal (STF) e pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) que não foram obedecidos pelo Legislativo.
Os deputados entenderam que afastar do mandato o deputado Wilson Santiago, como determinado pelo ministro do STF Celso de Mello, seria abrir caminho para qualquer juiz de primeira instância determinar a perda de mandato de parlamentares.
No Senado, o presidente David Alcolumbre ainda discute se a senadora Selma Arruda perderá o mandato conforme determinação do TSE, e pretende ganhar tempo levando o caso à Mesa Diretora do Senado.
Enquanto isso, tanto Wilson Santiago quanto Selma Arruda continuam atuando no Congresso, recebendo seus salários e desdenhando das decisões judiciais. Em seu relatório, o deputado Marcelo Ramos, colocado como relator em substituição a Fábio Trad (PSD-MS) para dar parecer favorável à manutenção do mandato de Wilson Santiago, disse que o “afastamento de um deputado deve ocorrer, no próprio entendimento do Supremo, em casos excepcionais e singulares”.
Mesmo com um assessor aparecendo num vídeo recebendo propina, os deputados alegam, com razão, que “prerrogativas parlamentares são essenciais em qualquer democracia”. Esquecem, porém, que as prerrogativas só têm validade se vierem acompanhadas de credibilidade, o que atitudes corporativas como essas só fazem desgastar.
Santiago foi um dos alvos da operação Pés de Barro da Polícia Federal, que investiga suspeitas de superfaturamento em obras no interior da Paraíba. O foco das apurações que envolvem Santiago são as obras da "Adutora Capivara", contratadas por R$ 24,8 milhões, em que teria havido distribuição de propinas no valor de R$ 1,2 milhão, segundo delação premiada sigilosa homologada pelo ministro Celso de Mello.
O caso da senadora Selma Arruda, do Mato Grosso, é mais grave. Quase dois meses depois de o Tribunal Superior Eleitoral ter cassado seu mandato devido a abuso do poder econômico e caixa dois, ela continua em atividade. O TSE estabelecera que a decisão deveria ser cumprida pelo Senado imediatamente, independentemente da apresentação de recursos pela senadora.
A alegação do presidente do Senado Davi Alcolumbre é que seguirá o mesmo trâmite já adotado pelo Senado no caso do então senador João Capibaribe. Presidia o Senado o então senador Jose Sarney, que, assim como Alcolumbre hoje, deu todo apoio às manobras regimentais de Capiberibe, até quando não havia mais recurso.
Ministros do Supremo do Tribunal Federal (STF) Gilmar Mendes e Marco Aurélio Mello estranharam a relutância de Alcolumbre em cumprir a decisão do TSE, e o ministro Marco Aurélio Mello tocou no ponto essencial: “Claro que se imagina uma harmonia, e não um descompasso entre o que decide o Tribunal e o Senado”.
Essa é a questão básica que está em causa hoje, a auto-blindagem dos parlamentares contra decisões judiciais, seja as descumprindo pura e simplesmente, seja aprovando medidas sob medida para evitar ações futuras.
O presidente da Câmara, Rodrigo Maia, que deu respaldo à troca do relator e à decisão majoritária de não suspender o mandato do deputado Wilson Santiago, alega que a gravidade do caso exige que a Comissão de Ética se pronuncie.
É uma maneira de ganhar tempo para acompanhar a maioria dos membros do parlamento, mas alertar que a decisão final tem que acatar a decisão do Supremo. Mais do que ninguém, Maia sabe que de nada adianta a Câmara recuperar seu protagonismo se perder a credibilidade diante da opinião pública que é, afinal, o que lhe dá respaldo para dar o rumo político do país.
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