sexta-feira, 7 de fevereiro de 2020

Bernardo Mello Franco - Operação Resgate

- O Globo

No mesmo dia, Câmara e Senado se articularam para derrubar decisões do Supremo e do TSE. A queda de braço entre Poderes tende a desgastar o Legislativo e o Judiciário

A frase merece entrar para os almanaques da corrupção verde-amarela. Em conversa com um deputado, um empreiteiro reclama que o governo demora a liberar pagamentos por uma obra. O parlamentar rebate a queixa com uma pergunta: “Tu acha que resolve essas coisas sem dar nada a ninguém?”.

Um dos personagens do diálogo é George Barbosa, dono de construtora na Paraíba. Preso em abril de 2019, ele negociou uma delação para reduzir sua pena. Sobrou para o deputado Wilson Santiago (PTB-PB), autor da aula prática de pilhagem dos cofres públicos.

Para “resolver essas coisas”, o petebista cobrou R$ 1,2 milhão em propina, segundo denúncia do Ministério Público Federal. Em dezembro, o ministro Celso de Mello determinou seu afastamento do cargo. A Câmara derrubou a decisão na quarta-feira, e Santiago já poderá voltar ao plenário na semana que vem.

A operação para salvar o deputado produziu alianças inusitadas. Divididos pelo impeachment, PT e MDB voltaram a se unir no painel eletrônico. O centrão também votou em bloco contra a decisão do Supremo, sob a regência de Rodrigo Maia.

O presidente da Câmara admitiu a fartura de provas contra o colega. “Ninguém está dizendo que não é grave, ninguém está dizendo que não constrange”, disse à GloboNews. Mesmo assim, Maia alegou que cabe ao Congresso, e não ao Supremo, decidir sobre o afastamento de parlamentares.

Também na quarta, o Senado começou a articular uma votação para salvar o mandato de Selma Arruda (Pode-MT). Eleita com discurso anticorrupção, a ex-juíza escondeu gastos de R$ 1,2 milhão na pré-campanha. O valor envolvido é o mesmo, mas a situação dos dois é diferente. O deputado ainda responde a processo, e a senadora já foi condenada pelo TSE por crime eleitoral.

A queda de braço entre Judiciário e Legislativo tende a desgastar os dois Poderes. Os tribunais saem enfraquecidos, e o Congresso volta a se mostrar corporativista e leniente com a corrupção. A crise só é boa para o Executivo. Enquanto juízes e parlamentares se engalfinham, o governo ganha um refresco no noticiário.

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