- Revista Veja
Sem oposição organizada, Bolsonaro segue alheio a defeitos de sua gestão
Se oposição houvesse, organizada e produtiva, seria agora seu momento de brilhar. Como não há e os possíveis pretendentes à sucessão presidencial estão ocupados exclusivamente com as respectivas estratégias eleitorais, falta quem diga com todos os efes e erres que o barco do governo está fazendo água no tocante à administração do país.
Não é verdade que tudo anda bem, a despeito das exorbitâncias verbais de Jair Bolsonaro. Estas e a excessiva atenção que se dá a elas servem de biombo aos defeitos de gestão e equívocos de visão que vêm se acumulando e, em muitos casos, obscurecem ações em áreas em que há boa condução.
Colecionamos prejuízos concretos à população na educação, na Previdência, na assistência social (Bolsa Família), provocados por falta de planejamento, descaso, incompetência, enfim. Há ministros investigados, ministros inúteis sem função real, ministros cujos interesses privados estão em conflito com as práticas públicas, ministros claramente sem qualificação, mas com eles não parece se incomodar o presidente da República.
Ele segue alheio à óbvia necessidade de mexer na equipe para melhorar o andamento dos trabalhos. O argumento de Bolsonaro é que não age sob pressão. Ora, pois é sob a pressão dos governados que deve atuar o governante, mas nem isso é verdade em relação ao presidente.
Jair Bolsonaro é dos que mais cedem a pressões, mas o faz do jeito e pelos motivos errados. Cede quando algo desagrada aos seguidores nas redes sociais, mas não faz concessão às evidências quando a incompetência rende malefícios à população.
O presidente da Câmara, Rodrigo Maia, é quem mais perto chega de exercer o papel que seria dos líderes de oposição, mas essa não é sua função. Ocupa o espaço deixado vago por personagens outrora ativos na política. Outro dia mesmo o fez com especial propriedade ao resumir em duas palavras o desempenho do ministro da Educação, Abraham Weintraub: “Um desastre”.
Claro que alguém que deixa acontecer o que acontece no Enem, com milhares de estudantes prejudicados por erros na correção das provas, e com as dificuldades para inscrição no Sistema de Seleção Unificada (Sisu), tem um desempenho desastroso, e isso precisa ser dito e repetido, ainda que o presidente considere os prejuízos dos jovens um problema de marca menor.
A oposição poderia brilhar. Se fosse ao ponto que importa: as falhas de gestão do governo
E não é só isso. Devido à falta de qualificação (mínima, pois comete erros de português indignos de um analfabeto funcional), o ministro enfrenta sérias resistências no Congresso, o que impede a tramitação dos assuntos atinentes à área. O mais premente é a renovação do fundo de financiamento da Educação Básica. Ele vai ficando porque o presidente gosta mesmo é de causar alvoroço nas redes, embora não escape do imperativo de demiti-lo cedo ou tarde.
Bolsonaro não vê urgência em resolver o problema do responsável pelas verbas de publicidade oficial, que detém 95% das ações de uma empresa de comunicação (da qual se afastou formalmente, mas para a qual nomeou como chefe o irmão de seu subchefe na Secretaria de Comunicação), cujos clientes têm contratos com o governo.
O presidente tampouco vê impropriedade em seu ministro do Turismo precisar se manter discreto para não ser lembrado como aquele indiciado pelo uso de “laranjas” na distribuição de dinheiro público no PSL em Minas Gerais. O fato de a presença de Ricardo Salles no Meio Ambiente dificultar as coisas para o Brasil no exterior também não lhe fala à alma.
Não nos esqueçamos da Casa Civil, jogada às traças. Já abrigou o gabinete mais importante da República depois do ocupado pelo presidente. Hoje é escritório eleitoral de Onyx Lorenzoni, de quem foram retiradas todas as funções, provavelmente porque Bolsonaro não o considere competente o bastante para o posto já assumido por gente muito importante, embora nem sempre da melhor qualidade moral. Onyx fica (pelo menos por enquanto) porque é leal ao presidente e precisa da vitrine para o projeto de disputar o governo do Rio Grande do Sul em 2022.
Com tantos pratos cheios para o exercício de uma oposição consistente, onde estão os oposicionistas? Cada qual cuidando da vida a seu modo e, no conjunto, perdidos sem projeto nem discurso. O principal contendor de Bolsonaro na eleição, o PT, está preso às conveniências de um Lula que não pode andar na rua sem o risco de ser hostilizado. Os tucanos, atarantados e sem referência; os demais satélites à esquerda e à direita de postos, em sossego, à espera de um milagre no meio do mais completo deserto de ideias.
Publicado em VEJA de 12 de fevereiro de 2020, edição nº 2673
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