segunda-feira, 1 de junho de 2020

Míriam Leitão - A rua não tem dono

- O Globo - 31/05/2020 • 17:21

Não existe o dono da rua. O presidente Jair Bolsonaro se comportava como se a rua fosse dele. O que este domingo mostrou é que o país tem várias vozes. As que o apoiam estão se aproximando perigosamente do que há de pior na extrema direita, o movimento supremacista branco. A manifestação de ontem à noite em frente ao STF, com pessoas de máscara branca, tochas e formação paramilitar, ainda que pequena, trouxe de volta a lembrança do racismo extremo da Ku-Klux-Klan.

Neste domingo Bolsonaro voltou a usar os símbolos das Forças Armadas, de helicóptero da Força Aérea à cavalgada ao lado da Polícia Militar, participou de manifestações, nas quais minutos antes, entoava-se que a “toga vai virar pano de chão”. Nos últimos meses, sempre que foi aconselhado pelos seus ministros a não incentivar nem participar de manifestações, Bolsonaro respondeu: “eu só tenho as ruas”.

As ruas pareciam unânimes porque os que discordam do presidente estão tentando respeitar as normas de segurança de não fazer aglomeração para não espalhar ainda mais o coronavírus. O presidente se aproveitou desse afastamento forçado e estimulou seus apoiadores. A cada domingo, Bolsonaro se apresenta em frente ao Planalto para receber os abraços de manifestantes que gritam palavras de ordem, ou carregam faixas, contra o STF ou o Congresso. Até ontem, nada havia em sentido contrário, exceto o bater de panelas nas janelas das pessoas em quarentena.


O protesto pro-democracia deste domingo nasceu convocado por torcidas de futebol. É como se as panelas estivessem cansadas de ficar apenas nas janelas e fossem para a rua para mostrar que a democracia tem seus defensores também.

É espantoso que em plena pandemia o presidente Jair Bolsonaro tenha acirrado a divisão na sociedade brasileira a ponto de produzir o que não é recomendável para nenhum dos dois lados: aglomerar-se. O vírus não conhece ideologia e vai se espalhar mais, independentemente de qual seja o refrão que a multidão grite. Seja do lado em que o grupo, a maioria sem máscara, gritava “democracia”, seja do outro grupo, em que que pessoas gritam slogans pro-Bolsonaro. Um líder simplesmente não faz o que Bolsonaro tem feito: aumentar as fraturas da sociedade no meio de uma tragédia sanitária, que tem como único remédio o isolamento social. O resultado óbvio dessa presidência insensata foi o confronto de grupos, como o que houve na Paulista.

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