- Folha de S. Paulo
É preciso fazer uma frente contra o autoritarismo de Bolsonaro, e, se ela for feita, ela vai vencer
Os bolsonaristas falaram mais de golpe de estado na semana passada do que esta coluna no último ano e meio, o que é um feito admirável. Do “Acabou, porra” de Bolsonaro ao “não é questão de se, é de quando” de Eduardo Bolsonaro, passando por Olavo de Carvalho pedindo a execução de Alexandre de Moraes, o jogo está cada vez mais aberto.
Bolsonaro nunca teve tantos motivos para dar um golpe. Seja pelos atentados à democracia, pela sabotagem à saúde pública ou pelo aparelhamento da Polícia Federal, é difícil imaginar um cenário em que o Brasil continue tendo lei e Bolsonaro não tenha problemas. Ainda tem ideologia, ainda tem projeto de poder, mas agora o golpe é para fugir da polícia.
As chances de sucesso de um golpe bolsonarista já foram maiores: quando tinham Moro e o lavajatismo na mão, quando tinham o dobro de aprovação popular, quando a reeleição de Trump parecia certa, quando ainda havia quem acreditasse em Paulo Guedes, quando Bolsonaro ainda não havia sido o pior governante do mundo no combate à pandemia.
Mas mesmo um golpe fraco pode ser bem-sucedido se não encontrar resistência.
É preciso fazer uma frente contra o autoritarismo de Bolsonaro, e, se ela for feita, ela vai vencer. Ela será forte o suficiente para intimidar e converter os golpistas prudentes, será forte o suficiente para destruir os imprudentes.
Não é fácil montá-la. Será uma frente de gente que já brigou no limite de suas forças para derrotar outros membros da frente, de gente que já perdeu cargos por causa de outros membros da frente, que já foi sacaneada por outros membros da frente, que acha (em mais de um caso, com razão) que outros membros da frente são responsáveis por estarmos na situação em que estamos.
O ideal é que essa seja, inclusive, uma oportunidade para conversar, para dar uma olhada no que os outros democratas estão pensando, quem sabe dali não sai algo que sirva para sua própria reflexão? Pode ser uma chance de curar ressentimentos e construir novas alianças. Essas polinizações cruzadas não são raras em momentos como esse. O debate sobre a renda básica, por exemplo, parece estar cruzando fronteiras ideológicas.
A pandemia fortaleceu os governadores, e os governadores de esquerda vinham sendo mais moderados e abertos ao diálogo do que vários parlamentares progressistas (o que é normal, governadores precisam conquistar maiorias). Pode ser o momento de se construir um novo programa de centro, que ainda não existe. Quem não quiser dar palpites sobre os termos de sua reconstrução pode passar o resto da vida correndo atrás dele depois.
Mas se não der para fazer nada disso, não importa, vamos em frente, todo mundo com seus ressentimentos, todo mundo com as feridas abertas, cada um defendendo uma coisa diferente, unidos apenas na preservação da democracia constitucional brasileira. Ninguém precisa votar no mesmo candidato, levantar a mesma bandeira, falar com o mesmo vocabulário. Só é necessário que se esteja disposto a defender a liberdade do adversário mais do que o próprio programa.
A única certeza é que a república se lembrará de quem não a tiver defendido quando ela estava sob ataque, quando seus filhos morriam sem socorro. E nenhum trilhão que não veio vai servir de álibi.
*Celso Rocha de Barros, servidor federal, é doutor em sociologia pela Universidade de Oxford (Inglaterra).
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