- Valor Econômico
Quaisquer medidas que enfraqueçam a capacidade do setor bancário de ofertar crédito prolongarão a crise econômica
A severa crise econômica e social desencadeada pela pandemia da covid-19 tem estimulado o surgimento no Congresso Nacional de propostas com medidas cujos resultados podem vir a ser muito mais desastrosos do que o próprio mal que se pretende combater. O setor bancário, em particular, tem sido especialmente visado por iniciativas legislativas que, se levadas adiante, terão efeitos extremamente nocivos na economia, tanto no curto prazo quanto no longo prazos.
Uma principais alavancas para a recuperação da economia brasileira no pós-covid terá que ser necessariamente a expansão do crédito para famílias e empresas. Desse modo, quaisquer medidas que enfraqueçam a capacidade do setor bancário de ofertar crédito terão como consequência inevitável o prolongamento da crise econômica, agravando o desemprego e a crise social.
Os bancos e por consequência o mercado de crédito têm sido vítimas costumeiras de um tripé formado pela ignorância, pelo preconceito e pelo oportunismo. No Brasil, a história demonstra que a prevalência desse tripé - notadamente em situações de crise econômica - trouxe à luz políticas públicas de péssima qualidade que apenas contribuíram para comprometer o desempenho da economia.
No capítulo da ignorância - que frequentemente é deliberada - o equívoco predominante é desconsiderar não apenas as características complexas dos mercados de crédito, mas até mesmo princípios comezinhos que não escapariam à atenção de um primeiranista de Economia. Por exemplo, é absolutamente errada a ideia de que o tabelamento dos juros de um produto de crédito, como pretendido por um projeto ora em exame no Senado Federal, possa trazer algum benefício para empresas e indivíduos necessitados de recursos.
Uma característica fundamental dos mercados de crédito é justamente o risco do credor não receber de volta os recursos emprestados. Esse risco tem que ser corretamente avaliado sob pena de a própria atividade de concessão de crédito se inviabilizar ao longo do tempo. Outro aspecto frequentemente ignorado é que o dinheiro emprestado pelos bancos não lhes pertence, mas sim aos seus depositantes. Desse modo, as instituições bancárias não podem, nem devem, sair emprestando recursos sem se preocuparem com a capacidade de pagamento dos devedores.
Os bancos são empresas altamente reguladas justamente por lidarem com recursos de terceiros e pelo risco de que sua má gestão possa trazer crises sistêmicas que paralisariam a economia e trariam elevados prejuízos para seus depositantes. Nesse sentido, os dirigentes e os acionistas controladores dos bancos estão sujeitos a ter seu patrimônio sequestrado para cobrir prejuízos que eventualmente causem aos credores dessas instituições.
O preconceito em relação aos bancos é outra fonte de ideias amalucadas em relação ao mercado de crédito. A noção de que o dinheiro é coisa do diabo está muita arraigada na cultura judaico-cristã, amplificada aqui no Brasil pelo nosso desprezo pelo lucro e pelo sucesso do outro. O preconceito em relação aos bancos (às vezes ligado a puro oportunismo) é tão enraizado que frequentemente traz à luz situações que beiram o ridículo. Como, por exemplo, a postura de alguns empresários que, no afã de se queixar publicamente dos bancos, se esquecem de que suas poupanças e as de suas empresas estão sob guarda das mesmas instituições contra as quais açulam os políticos a adotarem medidas danosas à higidez do sistema bancário.
Tendo presidido o Banco Central numa época em que o Brasil estava passando por uma séria crise bancária (1995-1997), vivenciei na pele a força desse preconceito. Muito embora o Proer tenha sido um programa muito bem-sucedido em seus propósitos de fortalecer o sistema bancário e evitar prejuízos para os depositantes, tivemos muito pouco apoio da sociedade ao programa; ao contrário, o Proer foi vilipendiado como “ajuda aos banqueiros” e os dirigentes do BC tornaram-se vítimas de diversos processos judiciais oportunistas e de caráter político.
Quanto ao oportunismo, é o que mais se vê na crise atual. Infelizmente muitos querem dela tirar algum proveito, seja político, seja econômico. O próprio ministro do Meio Ambiente patrocinou em reunião ministerial a ideia de “passar a boiada” aproveitando-se da crise. No caso dos bancos, atirar-lhes pedras sempre pode render algum dividendo eleitoral, além de serem convenientes bodes expiatórios. Deve ser lembrado à exaustão que os bancos não são responsáveis pela crise atual e, ao contrário, serão peças fundamentais para sua mitigação e superação.
No romance “A Peste”, de Albert Camus, há uma frase que pode ser muito adequada aos tempos atuais de pandemia e ignorância: “O mal que existe no mundo provém quase sempre da ignorância, e a boa vontade, se não for esclarecida, pode causar tantos danos quanto a maldade”.
*Gustavo Loyola é doutor em Economia pela EPGE/FGV, ex-presidente do BC do Brasil e sócio-diretor da Tendências Consultoria Integrada em São Paulo.
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