segunda-feira, 1 de junho de 2020

Vinicius Mota - Não vai ter golpe, vai ter jogo

- Folha de S. Paulo

Adversários precisam fazer mais política se quiserem barrar projeto autoritário

Não vai ter golpe, mas vai ter jogo. E o time dos brucutus, que decerto preferiria o golpe, começou a jogar faz um tempinho com a enorme vantagem de estar sentado na estrepitosa máquina do Executivo federal. Eis o que parece hoje o teatro de operações da política nacional.

Nesse tabuleiro, ameaçar com as baionetas, mesmo quando elas não passam de peças decorativas que aludem a um passado obtuso, traz benefícios menores para o grupo no poder. Hipnotiza, com aroma artificial de pólvora, a turma da testosterona e talvez intimide algum adversário.

Mas a retórica do arreganho produz seu maior efeito, para o situacionismo, quando leva muitas forças que poderiam estar trabalhando na concretude da política para isolar e enfraquecer o bolsonarismo a preocupar-se mais com a preservação do enquadramento do regime e menos com o que ocorre em seu miolo.

Talvez não haja escapatória para os democratas. No nosso presidencialismo, o chefe eleito do Executivo, mesmo fraco como Jair Bolsonaro, detém o monopólio do megafone nacional, e isso desde sempre.

Se ele aponta para os quartéis, é inescapável preocupar-se com isso. Saibam todos, no entanto, que o governo Bolsonaro mudou quando, há alguns meses, viu que se aproximava a degola do impeachment. Ele agora opera em modo dual. Enquanto grita “fogo!”, compra apoio parlamentar na moeda de sempre. E essa moeda funciona no nosso sistema.

Se sobreviver até novembro, nomeará seu primeiro ministro para o Supremo Tribunal Federal, o mais duro e coeso obstáculo ao desvario bolsonarista até aqui. Em fevereiro, vai entrar com tudo na disputa das presidências da Câmara e do Senado.

Caso o fôlego dure até julho do ano que vem, mais um magistrado no STF. E quem sabe chegar a 2022 em condições de disputar a reeleição.

Esse é o projeto bolsonarista, em que está diluído o risco da deterioração do regime. Para barrá-lo, os adversários precisam fazer política. Manifestos não bastam. É arregaçar a manga, cooptar o centrão e mirar 342 votos.

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