Folha de S. Paulo
Fim de acampamentos golpistas e prisão de
terroristas são apenas o começo
O
fim dos acampamentos golpistas é apenas o começo. O combate ao
extremismo político no Brasil vai exigir uma ação permanente para sufocar a
articulação de grupos organizados para atacar a ordem democrática.
A movimentação desinibida de radicais nos
últimos 70 dias, sob a complacência de diversas autoridades, prova que as
ameaças à democracia brasileira atingiram um grau de sedimentação que não se
restringiu às portas dos quartéis.
Ao longo dos últimos anos, o bolsonarismo consolidou uma linha política que despreza controles institucionais, sobrevaloriza os sentimentos de determinados grupos e reveste de autoridade a vontade de um líder.
Alimentada por informações falsas,
expectativas de uso da força e uma rejeição profunda às regras do jogo, essa
doutrina foi abraçada por um número considerável de eleitores, líderes
religiosos, ocupantes de postos importantes da estrutura do Estado e outros
agentes públicos.
A tolerância concedida a esses grupos os
incentivou a alargar seus princípios de atuação, posicionando a derrubada da
democracia como pilar e admitindo o terrorismo como método.
O enraizamento e a radicalização dessa
linha de pensamento são o sinal elementar de que as ameaças não desaparecerão
de uma hora para outra.
O afastamento de autoridades coniventes com
os ataques de domingo (8), a prisão de terroristas responsáveis pela destruição
de prédios públicos e o desmanche das células montadas diante dos quartéis são
o passo inicial, mas esse combate depende
de uma ação enérgica e duradoura.
Uma investigação ampla vai permitir a
identificação de financiadores diretos dos atos em Brasília e de uma rede
sustentada em diversos estados do país. Nada indica que essa torneira vai se
fechar agora, uma vez que os golpistas permanecem mobilizados.
A responsabilização pelos ataques deve ser
aplicada a agentes públicos que tinham o dever
de proteger a ordem democrática. Policiais e militares que foram lenientes
ou colaboraram com ações extremistas não podem continuar alojados em setores
sensíveis do Estado.
Políticos que usaram o mandato para
propagar teses radicais, escondidos atrás da imunidade parlamentar e de meias
palavras, também precisam responder. A Câmara e o Senado deveriam instaurar
processos contra aqueles que incentivaram os atos, além de instituir uma linha
de tolerância zero para novos episódios dessa natureza.
O país precisa sufocar o extremismo como
plataforma política e decidir se agentes que usam a arena eleitoral para minar
a democracia devem permanecer ali. Isso inclui definir se Jair Bolsonaro, que
explorou a Presidência para inflamar ataques às instituições, deve
manter o direito de ocupar cargos públicos.
A Alemanha, que já vivenciou a derrubada da
democracia por radicais, equipou-se
para enfrentar novos riscos. Determinados grupos políticos são proibidos no
país, e indivíduos que usam seus direitos para atacar a ordem constitucional
podem perdê-los.
As Forças Armadas alemãs fazem um
monitoramento constante de militares que mantêm laços com radicais. Em 2020, um
grupo de elite do Exército alemão foi parcialmente dissolvido depois que foram
identificadas mais de 20 suspeitos de extremismo de direita na tropa.
O governo da Alemanha também tem
um departamento de defesa da Constituição que, nos últimos anos, vem
concentrando suas funções na proteção da democracia no país. A missão
permanente desse escritório é liderar atividades de inteligência para
identificar ameaças internas.
Em dezembro passado, esse departamento
participou de uma operação contraterrorista para desbaratar um grupo que
planejava derrubar o governo. A polícia prendeu 25 extremistas que organizavam
um ataque armado à sede da Câmara e pretendiam levar ao poder um descendente da
família real.
Um comentário:
Artigo certeiro.
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