Decisão do TSE abre caminho à direita civilizada
O Globo
Com Bolsonaro inelegível, rearranjo de
forças políticas traz oportunidade para quem tenta romper polarização
Era previsível a decisão do Tribunal
Superior Eleitoral (TSE)
que condenou, por
cinco votos a dois, o ex-presidente Jair
Bolsonaro por abuso de poder político e uso indevido dos meios
de comunicação, no episódio em que reuniu embaixadores no Palácio da Alvorada,
em 18 de julho do ano passado, para atacar o sistema eleitoral brasileiro e
impulsionar sua candidatura à Presidência. Diante do desprezo pelas
instituições e do vale-tudo para derrotar o petista Luiz Inácio Lula da Silva,
não havia outro desfecho possível. Nem o próprio Bolsonaro, nem seus advogados,
nem seus mais fiéis aliados imaginavam que ele fosse escapar de ficar inelegível
por oito anos.
Nos últimos dias ele vinha tentando minimizar o encontro com os embaixadores, insinuando tratar-se de episódio de rotina, sem caráter eleitoral. Seus argumentos foram desmontados pelos ministros Benedito Gonçalves (relator do processo), Floriano de Azevedo Marques, André Tavares, Cármen Lúcia e Alexandre de Moraes (presidente do TSE). Todos entenderam que a reunião não teve outro propósito além do eleitoral. Sem nenhuma prova para embasar suas acusações, Bolsonaro atacou o sistema eletrônico de votação com o objetivo nítido de semear falsas dúvidas junto ao eleitorado e de preparar o terreno para contestar a vitória provável do adversário.
O julgamento no TSE mostra que o Brasil
segue na direção certa ao exigir dos candidatos — em especial à Presidência —
comportamento compatível com o posto a que almejam. Sobre os ombros de
Bolsonaro, pesam diversas acusações, e a reunião com os embaixadores era apenas
uma. Não faria sentido, depois do festival de ataques à democracia e dos
arroubos golpistas, absolvê-lo e permitir que concorresse na próxima eleição.
Basta comparar o Brasil aos Estados Unidos, onde a inexistência de uma Corte eleitoral
permite que o ex-presidente Donald Trump, mesmo respondendo a 37 acusações na
Justiça e já tendo sido denunciado em uma, concorra novamente à Presidência com
chance real de voltar à Casa Branca. É um absurdo.
Além de fortalecer a democracia brasileira,
a condenação de Bolsonaro pelo TSE abre perspectivas alvissareiras na política
nacional. Sua saída de cena contribui para esvaziar o radicalismo de extrema
direita que o cerca e poderá abrir caminho à emergência de uma direita
civilizada, capaz de defender o ideário conservador dentro das regras do jogo
democrático. Nomes como os governadores de São Paulo, Tarcísio de Freitas
(Republicanos), e Minas Gerais, Romeu Zema (Novo), poderão vir a representá-la.
É provável também que a ausência de Bolsonaro nas urnas dê espaço a candidatos
de centro que hoje não conseguem romper a polarização entre petismo e
bolsonarismo.
Evidentemente não se deve menosprezar a
força política de Bolsonaro, que perdeu a eleição por margem estreita, 1,8% dos
votos. Ainda que não seja candidato, será um cabo eleitoral poderoso, capaz de
influenciar parte relevante do eleitorado. Não se sabe também até que ponto
tirará proveito político do discurso de vitimização. Em qualquer cenário, o
realinhamento das forças políticas será saudável para a democracia brasileira,
por abrir espaço a outras candidaturas. A conflagrada polarização que marcou as
duas últimas eleições divide o eleitorado, degrada a política e não ajuda o
país. O pós-TSE trará oportunidade a candidatos que inspirem mais propostas e
menos ódio.
É incerto efeito da proibição de critério
racial nas universidades americanas
O Globo
Suprema Corte foi criticada por prejudicar
o acesso de minorias desfavorecidas ao ensino superior
A decisão da Suprema Corte dos Estados
Unidos que veda critérios raciais, étnicos ou nacionais na
seleção para universidades despertou reações apaixonadas, num país cindido pela
polarização. Ninguém tinha dúvida de que, na atual configuração conservadora, o
tribunal daria fim às políticas de ação afirmativa. Mas é um erro encarar a
decisão apenas como item de uma agenda política. Na superfície, ela parece
acabar com o sistema que assegurou a integração de grupos discriminados, em
particular negros e latinos. Na realidade, o resultado é mais complexo do que
parece.
Nos Estados Unidos, candidatos são
escolhidos não por uma prova, como vestibular ou Enem, mas pela avaliação de um
dossiê apresentado na inscrição. Conta pontos pertencer a uma minoria
historicamente discriminada. Desde uma decisão de 1978, as universidades estão
proibidas de reservar percentuais de vagas — cotas — a grupos específicos, mas
outra decisão de 2003 referendou o uso de critérios étnicos ou raciais na
avaliação do dossiê. A Suprema Corte agora reviu sua posição de 20 anos atrás e
os proibiu.
É certo que a seleção das vagas mudará, mas
ninguém sabe dizer como. As 237 páginas da nova decisão contêm seis votos,
quando casos da Suprema Corte costumam ter apenas dois (da maioria vencedora e
da minoria vencida). O voto vencedor foi redigido pelo presidente do tribunal,
John Roberts. Embora vede a cor da pele como critério de seleção, Roberts
escreveu que os candidatos ainda poderão usar, ao pleitear a vaga, uma
“discussão de como a raça afetou sua vida”. Com a seguinte ressalva: “O
estudante precisa ser tratado com base em sua experiência como indivíduo — não
com base na raça”.
O significado dessas palavras deverá ser
decifrado pelos tribunais inferiores ao longo dos próximos anos. Universidades
já declararam que manterão como objetivo a diversidade do corpo discente e
encontrarão outras formas de favorecer minorias discriminadas. É preciso
entender, porém, que a queixa responsável pela mudança na opinião da Corte
também foi movida em nome de uma minoria — os asiáticos —, discriminada
negativamente ao se candidatar. De acordo com Roberts, um estudante negro na
quarta faixa (entre dez) de desempenho acadêmico tem mais chance de ser aceito
em Harvard que um asiático na primeira. “Eliminar a discriminação racial
significa eliminar toda ela”, escreveu. Ele também citou a incoerência de
facilitar acesso a filhos de doadores ou ex-alunos.
Defensores das ações afirmativas argumentam
que a decisão reduzirá a participação das minorias desfavorecidas no ensino
superior. Segundo o chefe do departamento de jornalismo da Universidade
Columbia, Jelani Cobb, depois que a Universidade da Califórnia deixou de levar
em conta raça, gênero e etnia na admissão, caiu 40% a proporção de negros e
latinos nas faculdades disputadas. Algo parecido, diz ele, deverá ocorrer nos
próximos anos. Num dos votos divergentes da minoria vencida, a juíza Ketanji
Brown Jackson foi mais enfática: “Tornar a raça irrelevante na lei não a torna
na vida”.
Bolsonaro fora
Folha de S. Paulo
Ex-presidente sai da cédula, mas eleitorado
e quadros à direita continuam fortes
Consumou-se o desfecho esperado do
julgamento de Jair Bolsonaro (PL) no Tribunal Superior Eleitoral. O
ex-presidente foi condenado à inelegibilidade até as vésperas do pleito
nacional de 2030.
Sendo irrisória a probabilidade de reversão
por meio de recurso ao Supremo Tribunal Federal, a política nacional começará
depressa a acomodar-se ao fato de que o candidato preferido por 49% dos
eleitores no segundo turno de 2022 não disputará as próximas eleições.
Não se trata de movimentação banal. Com
Bolsonaro habilitado, haveria pouca dúvida de que seria ele mesmo o principal
desafiante do candidato governista em 2026. Sem ele na cédula, abre-se um leque
de incertezas e possibilidades.
Uma das incógnitas é o cacife político
remanescente de Bolsonaro. Numa situação em alguns aspectos assemelhada,
ocorrida em 2018 com o PT, mesmo
afastado pela Justiça da possibilidade de concorrer, o então
ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva logrou beneficiar com seu apoio a
candidatura de Fernando Haddad a ponto de qualificá-la para o segundo turno.
Naquele caso, no entanto, Lula arrastou a
incerteza sobre a sua habilitação até as portas da votação. A inelegibilidade
de Bolsonaro sacramenta-se a mais de três anos da próxima eleição presidencial,
um período enorme para a dinâmica frenética da política brasileira.
A permanência de uma alargada fatia do
eleitorado disposta a votar na centro-direita parece o fator menos transitório.
Seus temas de preferência —como a liberdade de empreender, a desconfiança das
regulações estatais e o tradicionalismo nos costumes— dificilmente deixarão de
ser encarnados por chapas competitivas em 2026.
A força demonstrada por essa corrente na
eleição de outubro passado não foi suficiente para assegurar a reeleição de
Jair Bolsonaro, mas deixou um legado de quadros políticos em posição
privilegiada seja em governos estaduais, seja no Congresso Nacional. Desse
conjunto, provavelmente, surgirá o sucessor de fato do ex-presidente.
Já a centro-esquerda e o governo Lula
poderão se beneficiar no curto prazo do enfraquecimento da personificação mais
vocal da oposição, mas incorrerão em erro estratégico se tomarem essa situação
momentânea como endosso às suas plataformas mais típicas.
Seria o momento, pelo contrário, de a
gestão Lula aproveitar a fraqueza do adversário para cativar a parcela
centrista do eleitorado que, tudo o mais constante, tende a decidir o vencedor
do certame de 2026, como decidiu o de 2022.
O apagar-se do expoente da radicalização
odiosa e obscurantista que arrebatou a política brasileira nos últimos anos
deveria favorecer as forças da moderação.
Honra não é defesa
Folha de S. Paulo
STF abole recurso anacrônico que absolve
acusados de violência contra a mulher
Segundo o artigo 25 do Código Penal, a
alegação de legítima defesa pode ser usada quando alguém "usando
moderadamente dos meios necessários, repele injusta agressão, atual ou
iminente, a direito seu ou de outrem". Qualquer bem jurídico é passível de
proteção por esse recurso, como a vida, a liberdade, a propriedade e a honra.
Mas desde a instituição do código, em 1940,
a legítima defesa da honra tem sido usada de modo execrável para justificar
crimes passionais, ao atribuir a motivação do delito ao comportamento da
vítima.
Devido ao machismo prevalente na sociedade,
maridos e namorados que agrediram ou até mataram suas companheiras já foram
absolvidos mediante tal recurso. A infidelidade da mulher mancharia a honra do
esposo que, por isso, estaria liberado para atacá-la.
Com as mudanças culturais iniciadas nos
anos 1960, pouco a pouco a mulher deixou de ser vista como propriedade do seu
parceiro, e a defesa da honra foi caindo em desuso, apesar de nunca
desaparecer.
Uma lei aprovada pelo Congresso em 2008 deu
margem para o seu retorno, ao admitir a possibilidade de absolvição baseada em
"quesito genérico" —um pedido de clemência devido a motivações como a
defesa da honra, por exemplo. Na prática, o júri tem o poder de absolver o réu
mesmo que isso vá contra as provas dos autos.
Nesta sexta (30), finalmente o Supremo
Tribunal Federal formou maioria para derrubar esse mecanismo anacrônico
a serviço da impunidade. A defesa da honra é "inconstitucional por
contrariar os princípios da dignidade da pessoa humana, da proteção à vida e da
igualdade de gênero", disse o ministro Dias Toffoli, relator do caso,
durante seu voto.
A promotoria, a autoridade policial e os juízes
ficam impedidos de se valer da tese da honra nas fases pré-processual ou
processual penais. Ademais, se essa ferramenta de defesa for utilizada perante
o tribunal do júri, o julgamento pode vir a ser anulado.
É espantoso que, no século 21, a mais alta
corte do país ainda precise decidir sobre a validade de um recurso jurídico que
desumaniza mulheres e inocenta assassinos.
Que bom que o fez, de todo modo. Desde 2021, parlamentares analisam um projeto que proíbe o uso da defesa da honra como argumento para atenuar pena ou absolver réu acusado de violência doméstica ou feminicídio. Espera-se que o Congresso siga o exemplo do STF.
Bolsonaro, enfim, é punido
O Estado de S. Paulo
O ex-presidente passou décadas desafiando a
democracia impunemente, o que deu ares de legitimidade a seu golpismo; sua
inelegibilidade é só o começo de um processo de saneamento
O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) tornou
Jair Bolsonaro inelegível pelos próximos oito anos. Trata-se de punição
constitucional e necessária. Desde a redemocratização do País, ninguém havia
tido o despautério de fazer o que Bolsonaro irresponsavelmente fez durante o
mandato. De forma reiterada e ignorando seu compromisso de respeitar a
Constituição, ele se valeu do cargo de presidente para tumultuar o processo
eleitoral.
Bolsonaro nunca teve a intenção de
aprimorar o sistema de votação, como alega. Se isso fosse verdade, ele teria,
em primeiro lugar, que respeitar a competência do Congresso sobre o tema, e não
desautorizar as instituições democráticas legitimamente constituídas, caso da
Justiça Eleitoral. Como se sabe, ele fez o oposto, atacando insistentemente o
processo eleitoral. O ápice foi a infame reunião de 18 de julho de 2022 com
embaixadores estrangeiros.
Alega-se que, no limite, se tratou de
genuíno exercício de liberdade de expressão. Ora, como já afirmamos diversas
vezes nesta página, a liberdade de expressão não é um direito absoluto,
sobretudo quando o propósito de quem se expressa não é o de dar uma opinião, e
sim o de violentar a democracia. O leitmotiv evidente de Bolsonaro, coerente
com toda a sua trajetória política, era o de disseminar a desconfiança nas
urnas e gerar instabilidade no País, criando as condições para um eventual
golpe. Felizmente, as instituições reagiram e, dentro da mais rigorosa
legalidade, declararam o óbvio: quem afronta a democracia de tal forma deve ser
impedido de se candidatar a cargo eletivo.
A inelegibilidade de Bolsonaro é medida
justa e necessária, mas é preciso reconhecer: ela deveria ter vindo muitos anos
antes. Há décadas o sr. Bolsonaro viola as regras básicas do regime
democrático. Como deputado federal, ele quebrou várias vezes o decoro
parlamentar e nunca respeitou a diversidade de opinião. Em um de seus arroubos,
chegou a defender o fuzilamento de Fernando Henrique Cardoso, ocasião em que
este jornal exigiu sua cassação (ver o editorial Dejetos da democracia, de
8/1/2000).
A Constituição de 1988 fixou o critério: “É
incompatível com o decoro parlamentar (...) o abuso das prerrogativas
asseguradas a membro do Congresso Nacional”. Sob pretexto da inviolabilidade
civil e penal por opiniões, palavras e votos do art. 53 da Constituição, Bolsonaro
falou durante anos as maiores barbaridades, sem a mínima consideração pelos
limites da lei, o respeito ao outro ou os parâmetros da civilidade.
Infelizmente, o Congresso omitiu-se em seu dever constitucional de retirar seu
mandato. Ante a impunidade, Bolsonaro julgou-se autorizado a abusos cada vez
maiores.
A inelegibilidade de Bolsonaro, portanto,
se presta a proteger o regime democrático, mas as mais de três décadas de
bolsonarismo impune deixaram como sua principal herança maldita a transformação
do golpismo em discurso supostamente legítimo. Antes da ascensão de Bolsonaro
ao poder, eram marginais e inexpressivas as manifestações públicas em defesa da
volta das Forças Armadas ao poder, fantasma autoritário que parecia bem
enterrado pela Constituição de 1988. No entanto, os quatro anos de Bolsonaro na
Presidência deram verniz de legitimidade à hermenêutica golpista da
Constituição, aquela que vê como legal a convocação de militares para intervir
no Estado. A agitação sediciosa na frente dos quartéis e o assalto às sedes dos
Três Poderes no 8 de Janeiro, bem como a eleição de muitos parlamentares
simpáticos a uma ruptura democrática, são a prova incontestável do retrocesso
causado pelo bolsonarismo.
Assim, a inelegibilidade de Bolsonaro,
obviamente tardia, é apenas o começo de um longo processo de saneamento da
política, absolutamente necessário diante da constatação de que o ex-presidente,
malgrado ter sido um mau militar e um mau político, continua a ser considerado
por muita gente como um potente cabo eleitoral. Ou seja, para evitar a recidiva
autoritária, que costuma ser muito pior que a doença, a democracia precisa ter
a capacidade de expurgar quem pretende destruí-la – e para isso nada mais
poderoso do que seguir rigorosamente o que está na lei.
Prevalece a razão
O Estado de S. Paulo
A despeito do desejo de Lula de interferir
na política monetária para seus devaneios populistas, o Conselho Monetário
Nacional, de maioria governista, manteve a meta de inflação
O Conselho Monetário Nacional (CMN) manteve
a meta de inflação para 2024 e 2025 em 3% e definiu o mesmo objetivo para 2026.
O colegiado também decidiu adotar a meta contínua a partir de 2025, em
substituição à apuração pelo ano-calendário. Foi a primeira mudança substancial
em relação ao sistema de metas de inflação, criado há 24 anos, e, felizmente,
foi uma mudança positiva e alinhada a práticas internacionais.
Em termos práticos, o trabalho do Banco
Central (BC) continua o mesmo. Não é de hoje que a autoridade monetária guia
suas decisões pelo horizonte relevante, que considera o período de 18 meses à
frente. Mas o fato de que essa prática foi referendada pelo CMN faz toda a
diferença, especialmente em um governo em que o presidente faz questão de expor
sua hostilidade em relação ao BC.
O CMN é o órgão superior do Sistema
Financeiro Nacional e tem como responsabilidade a formulação da política
monetária e de crédito. Embora o colegiado se reúna com frequência mensal,
raramente seus trabalhos figuram nas manchetes do noticiário, exceto em junho,
quando as metas de inflação são anunciadas.
Neste ano, a reunião era aguardada por
outras razões. Era a primeira vez que uma decisão tão relevante seria tomada
por um CMN de composição mista. Dois dos três membros, os ministros da Fazenda,
Fernando Haddad, e do Planejamento, Simone Tebet, foram escolhidos por Lula da
Silva, enquanto o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, foi
indicado pelo ex-presidente Jair Bolsonaro.
Desde que assumiu o cargo, Lula atacou
Campos Neto, criticou a taxa básica de juros, condenou a autonomia do Banco
Central e insinuou que a meta de inflação era muito rígida. Considerando que os
membros do Copom têm mandato fixo, que a posição de Campos Neto está garantida
até o fim de 2024 e que a autonomia do BC não poderia ser revertida sem o aval
do Congresso, o único campo que Lula poderia explorar agora seria o CMN, por
meio da maioria de votos que tem no colegiado.
Mudar a meta, no contexto atual, não
alteraria a inflação de imediato, mas teria impacto nas expectativas sobre o
comportamento dos preços no futuro e na curva longa de juros. São informações
anódinas para a maioria da população, mas relevantíssimas para o BC, parte
fundamental do horizonte relevante sempre mencionado pelos diretores e pelas
divulgações oficiais do órgão.
Quando as expectativas de inflação superam
a meta, ou seja, estão desancoradas, o BC sobe os juros ou mantém a taxa em um
nível restritivo por mais tempo. Uma vez que as expectativas finalmente estão
mais próximas da meta depois de tantos meses, alterar a meta neste momento
seria contraproducente, e também trágico para um governo que busca obter
credibilidade na condução de sua política econômica.
Ainda assim, Lula poderia facilmente ter
ignorado a realidade e usado a maioria de votos que tem no CMN para alterá-las.
Goste-se ou não, é prerrogativa do governo. Se não o fez, foi por mérito de
Haddad, que, além da habilidade e interlocução que demonstra ter com o
Congresso, investidores e setor produtivo, parece ser o único conselheiro que Lula
ouve em seu terceiro mandato.
Uma vez que as metas foram mantidas, ainda
faltam informações sobre como funcionará o novo sistema de apuração do objetivo
contínuo. Não está claro se a tradicional carta do BC ao Ministério da Fazenda,
enviada em janeiro para explicar por que a meta não foi cumprida, ainda será
necessária. Sem as pressões sazonais que o ano-calendário impõe, o intervalo de
tolerância de 1,5 ponto porcentual pode se tornar exagerado.
São detalhes que, no entanto, não tiram a
relevância de uma decisão que valoriza o trabalho do Banco Central e contribui
para eliminar ruídos que impediam o início do ciclo de queda dos juros.
Ademais, ela devolve parte da institucionalidade perdida nos anos sob Jair
Bolsonaro. Tendo a chance de agir como um instrumento político do governo, o
CMN atuou como um órgão de Estado, algo que deveria ser obrigatório, mas que os
anos recentes provam que deve ser celebrado.
Às favas o interesse nacional
O Estado de S. Paulo
Lula extingue avaliações para definir se
estatais atendem a seus fins constitucionais
O presidente Lula da Silva determinou o fim
de um dos principais instrumentos legais para a União e a sociedade brasileira
examinarem se as estatais federais continuam a atender aos seus imperativos
constitucionais ou se a melhor opção seria privatizá-las. Trata-se das
avaliações periódicas de sustentabilidade econômico-financeira dessas empresas
pelo Conselho Nacional de Desestatização (CND), eliminadas com uma canetada no
Decreto 11.580/2023, publicado na edição do último dia 28 do Diário Oficial da
União.
Ao acabar com uma ferramenta de avaliação
do desempenho dessas empresas que, por definição, são públicas, o governo não
apenas limita a transparência. A medida fere, sobretudo, a capacidade de o CND
examinar, de forma técnica e despolitizada, até que ponto as estatais atendem
ao artigo 173 da Constituição de 1988. O texto é claro: “A exploração direta de
atividade econômica pelo Estado só será permitida quando necessária aos
imperativos de segurança nacional ou a relevante interesse coletivo”.
Sublinhe-se o advérbio “só”.
É certo que as empresas públicas estão
obrigadas aos mesmos requisitos de divulgação de seus resultados contábeis e
financeiros exigidos da iniciativa privada. A Lei das Estatais (13.303/2016)
impõe obrigações adicionais, como as divulgações de demonstrativos financeiros
e dados operacionais e de relatório integrado anual, além de prever o acesso
irrestrito de órgãos de controle a seus dados, inclusive os sigilosos. No
entanto, as duas avaliações periódicas do CND respondiam a uma questão
nevrálgica: o status jurídico de uma empresa como estatal é de interesse
nacional?
A aversão do governo Lula da Silva à
privatização, sobretudo ao programa definido por seu antecessor, Jair
Bolsonaro, não gera estranhamento. Sua defesa à preservação das empresas
públicas nos palanques eleitorais de 2022 segue o mesmo veio estatista de seus
dois mandatos anteriores e da cartilha doutrinária do PT. Surpreendente seria
Lula, em seu terceiro mandato, trilhar um caminho liberal nessa seara.
Em abril passado, por meio de outro decreto
(11.478/2023), o governo excluiu sete estatais do PND, entre as quais os
Correios e a Empresa Brasil de Comunicação (EBC). No mesmo texto, retirou do
Programa de Parcerias de Investimentos (PPI) a Telebras e a Pré-Sal Petróleo
(PPSA), além dos armazéns da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab). Na
ocasião, ao referir-se à retirada dos Correios e da Telebras dessas listas, o governo
alegou que seu objetivo era “reforçar o papel destas empresas na oferta de
cidadania e ampliar ainda mais os investimentos”.
O argumento oficial não poderia ser mais inconsistente diante dos exíguos recursos do Estado para elevar a competitividade e a missão das estatais. Contrasta ainda com a ampliação da cobertura de serviços de energia e telecomunicações aos cidadãos brasileiros verificada a partir das privatizações dos anos 1990. Quem já esperou anos para comprar uma linha telefônica de uma estatal sabe do que se trata. Mas, nos delírios estatólatras do lulopetismo, isso não tem a menor importância.
Hedionda violência contra as crianças
Correio Braziliense
Nos primeiros quatro meses deste ano, as
violências sexuais — abuso, estupro, exploração e psíquica — somaram 17.500
casos, segundo dados do Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania
A violência em todas as faixas etárias está
generalizada, quando não banalizada. Nesse trágico cenário, crianças e
adolescentes não são poupados da monstruosidade humana. Nos primeiros quatro
meses deste ano, foram registradas 397 mil violações de direitos humanos de
crianças e adolescentes. As violências sexuais — abuso, estupro, exploração e
psíquica — somaram 17.500 casos, segundo dados do Ministério dos Direitos
Humanos e da Cidadania.
A internet, por meio das redes sociais,
tornou-se espaço de agressões e veiculação dos atos desprezíveis contra os
menores de idade. Os pedófilos exibem e colecionam violências sexuais, cenas
explícitas de sexo, fotografias e vídeos em que meninas e meninos são
violentados. Entre janeiro e abril, as operações policiais prenderam 94 pessoas
— três vezes mais do que em 2022 —, além de vasto material pornográfico. As
operações policiais, inclusive com apoio internacional, são insuficientes para
banir as violações, lucrativas para os criminosos, traumáticas para as vítimas.
Nesta quinta-feira, o Distrito Federal
ficou consternado com o sequestro de uma menina de 12 anos, a caminho da
escola, no Jardim Ingá, distrito do município de Luziânia (GO). O criminoso
contou com a ajuda de uma mulher grávida. Com um pano imerso em clorofórmio, a
cúmplice sedou a criança e ajudou o pedófilo a colocar a vítima, algemada nos
pés e nas mãos, dentro de uma mala, que foi depositada no porta-malas do
veículo. Graças à ação de um policial, amigo da família da criança, homens da
Polícia Militar do DF prenderam o agressor, no apartamento dele, na Asa Norte.
A menina estava seminua e algemada, na cama do agressor.
Os atos hediondos contra crianças ocorrem
em todo o país. Reportagem do Estado de Minas, em maio último, com base em
dados da Polícia Rodoviária Federal (PRF), revelou que Minas Gerais é a unidade
da Federação com 73 pontos críticos em vulnerabilidade à exploração sexual de
crianças e adolescentes do país — 19 a mais do que na Bahia, que ocupa a
segunda posição no ranking nacional. Em janeiro deste ano, a Secretaria de
Segurança Pública do estado registrou 310 casos de estupro, sendo 229 (74%)
contra crianças menores de 14 anos ou pessoas com deficiência incapazes de
qualquer ato de resistência — uma vítima a cada duas horas.
Os dados oficiais (federal ou estaduais)
sobre os abusos sexuais de crianças e adolescentes são alarmantes — e
subnotificados, reconhecem as autoridades. A maioria dos atos violentos é
praticada por familiares ou amigos próximos das vítimas. A fim de livrar os
agressores da punição, eles não são denunciados à polícia. Assim, os criminosos
escapam da Justiça. Entre os 909.061 presidiários, 4% (36.362) cumprem pena por
"ferir a dignidade sexual", o que inclui o estupro — um número bem
inferior ao de crimes registrados pelas autoridades. O artigo 217 do Código
Penal estabelece pena de 8 a 20 anos de prisão ao autor do crime. A privação de
liberdade pode chegar a 30 anos em caso de morte da vítima.
Além do rigor da lei, fazem-se necessárias
ações preventivas contra os abusos sexuais de crianças e adolescentes por meio
de campanhas de esclarecimento à população, inclusive nas escolas. As famílias,
amigos, vizinhos têm de ser convencidos de que, nesses casos, não podem ser
cúmplices dos criminosos. Precisam denunciar sempre, seja lá quem for, o
agressor. A impunidade é um estímulo para que ele siga atacando mais vítimas. A
gravidade desse quadro contra crianças e adolescentes, com danos irreparáveis,
exige ainda uma ação firme contra as redes sociais que propagam o crime, como
se fossem troféus. O momento demanda uma legislação que regule as redes sociais
e estabeleça punição severa aos que usam os espaços da internet, nos quais
trafegam a pornografia dos pedófilos ainda impunes.
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