quarta-feira, 28 de fevereiro de 2024

Zeina Latif - No inevitável mundo novo, todos querem ser ouvidos

O Globo

As redes não aumentam a polarização da forma imaginada, não se distanciando do que ocorre no mundo off-line

A crise global de 2008-09 e seus desdobramentos produziram inflexões no sentimento das sociedades mundo afora. A insatisfação com governantes, instituições e elites só fez crescer, com a visão de que as classes populares foram deixadas para trás. No Brasil, a inflexão veio nos protestos de 2013. O país que muito prometeu decepcionava os filhos da nova classe média recém surgida.

O segundo capítulo dessa história veio, em um contexto de insegurança econômica, com a ascensão de políticos populistas no mundo ocidental, ocupando o vácuo deixado por líderes que não conseguiram compreender os novos anseios da sociedade.

Barry Eichengreen aponta algumas características próprias dos líderes populistas, como se colocarem como “salvadores”, propondo soluções imediatistas e contraproducentes, com pouco apego a recomendações técnicas.

São “anti” muitas coisas e atacam políticos tradicionais, que são vistos como corruptos ou dominados por grupos que conspiram contra o bem comum. Os populistas de direita atacam as minorias e os de esquerda, segmentos da elite — outra parcela é premiada com favores oficiais.

O uso de novas mídias faz parte do pacote para driblar o establishment. Nas décadas de 1920-30, foi o rádio. Antes disso, na eleição de 1896 nos EUA, foi o telégrafo. O instrumento da vez é a tecnologia digital.

Populistas instigam a polarização política, o que levou ao debate sobre o papel das tecnologias digitais e das mídias sociais em exacerbar a polarização e enfraquecer a democracia, pelas dificuldades de se construir consensos e de buscar o eleitor de centro.

Essa preocupação revela uma inflexão em relação à visão anterior de que um modo desimpedido de comunicação transnacional iria romper governos autoritários e promover a liberdade no mundo.

Os gatilhos para a inflexão foram a eleição presidencial nos Estados Unidos e o referendo do Brexit no Reino Unido, em 2016, cuja culpa pelos resultados inesperados foi colocada nos robôs (bots), na interferência estrangeira, na desinformação on-line e fenômenos relacionados.

No entanto, especialistas têm apontado nuances que levam à conclusão de que a polarização seria menor do que se imagina. O livro Social Media and Democracy, de Nathaniel Persily Joshua Tucker, aponta estudos que desafiam a sabedoria convencional.

Mesmo que a maioria das interações nas redes sociais ocorra entre pessoas com visões políticas parecidas, em parte devido aos algoritmos que filtram temas de interesse e criam bolhas, as trocas transversais seriam mais frequentes do que se acredita.

A exposição a notícias diversas seria até maior do que em outros tipos de mídia — uma explicação possível é que as redes sociais acabam compartilhando informações de pessoas próximas, como colegas de trabalho, que não necessariamente têm as mesmas visões ideológicas. As redes não aumentam a polarização da forma imaginada, não se distanciando do que ocorre no mundo off-line.

Outro ponto é que a percepção de polarização nas redes é influenciada por uma minoria de indivíduos partidários altamente ativos e extremistas, não refletindo a realidade.

Soma-se a isso os próprios benefícios da maior circulação de informações à democracia. A propósito, no contexto atual de guerras no mundo, a tecnologia permite aos indivíduos acompanhar conflitos e denunciar abusos, possivelmente ajudando a conter a mão forte do agressor, algo inimaginável em guerras do passado.

Há muito descontentamento na sociedade, e as tecnologias digitais favorecem sua manifestação em espaço coletivo. Isso em meio a muitos elementos que causam insegurança aos indivíduos quanto à justiça social e às perspectivas de qualidade de vida, em vários aspectos, como a economia, o meio ambiente e a segurança pública.

A aparente elevada polarização não deveria ser justificativa para políticos e instituições democráticas menosprezarem as manifestações da sociedade.

Os protestos, nas ruas e nas redes sociais, estão aí e fazem parte da democracia, o que demanda capacidade de renovação da política. A ascensão da tecnologia digital abala instituições estabelecidas nas democracias do século XX — partidos, mídia convencional, corporações e a própria governança global.

O presidente Lula pode ter errado em declarações recentes, mas acertou ao afirmar que o PT precisa se modernizar e se renovar.

 

Um comentário:

ADEMAR AMANCIO disse...

Errou onde e quando?