O Estado de S. Paulo
Mais grave, no entanto, é que sequer compreendemos as raízes de nossa ingovernabilidade, ou seja, essa difusa maçaroca que mal conseguimos identificar
Francamente, nunca me ocorrera que cedo ou
tarde iria s i mpatizar com um país governado de forma totalitária – a China –,
e me posicionar contra outro que sempre vira como uma “democracia exemplar”, os
Estados Unidos.
Três fatores contribuíram para alterar minha perspectiva. Primeiro, eu me haver convencido de que o atual governo dos Estados Unidos representa um risco muito maior para o mundo do que o destrambelhado sr. Donald Trump. Custa-me acreditar que a maioria dos cidadãos americanos tenha prostituído suas instituições a ponto de eleger e empossar na Presidência um indivíduo duas vezes condenado por tentativa de golpe de Estado e se abalançado a praticar políticas comerciais capazes de desmantelar toda a ordem mundial edificada desde a Segunda Guerra Mundial. Isso sem contar as incontáveis ameaças e violências contra indivíduos, instituições culturais e de governo em seu próprio país. A esperança de superar esse estado de coisas, se houver, será o Congresso americano acionar contra ele, o quanto antes, o instituto constitucional do impeachment.
No Brasil, temos a sorte de não possuirmos
tamanho potencial destrutivo; este, porém, não deve ser subestimado. No curto
prazo, o estrago que há anos vem sendo feito pode ser mitigado, dependendo
principalmente da eleição presidencial de 2026.
Apresso-me a externar meus votos para que o
sr. Jair Bolsonaro se recupere prontamente de seus problemas de saúde. No
momento, todavia, é à política que devo me dedicar e, nesse contexto,
sinceramente, não vejo chance de nosso país se recuperar. Bolsonaro e Lula
reeditarem a malfadada polarização dos últimos anos não seria apenas burrice;
seria empurrar o Brasil ladeira abaixo por muitos anos. O retorno da taxa de
juros de longo prazo ao patamar da sra. Dilma Rousseff é uma indicação mais do
que suficiente deste prognóstico. Aos 80 anos, praticamente nada tendo
aprendido em sua longa trajetória política, movido, ao que tudo faz crer,
apenas por sua notória vaidade, salta aos olhos que Lula já deu o que tinha a
dar. Este segundo problema a que me refiro só pode ser um: candidaturas de
centro, competentes e politicamente amadurecidas.
O terceiro problema é bem mais complexo, e
queira Deus que já não tenhamos passado do ponto em nossa busca por soluções.
Não precisamos nos deter nas mazelas que temos acumulado já há vários anos. Se
não discernimos sequer um estreito sendeiro que possa nos levar a algo útil, de
nada vale martelar mais uma vez a obscena desigualdade de renda e riqueza que
nos divide como povo. O mesmo vale para a insegurança que dia e noite nos bate
à porta. Sem esquecer que as últimas pesquisas de opinião mostram, creio que
pela primeira vez, que os preços dos alimentos passaram ao primeiro lugar nas
preocupações dos entrevistados, acima até da criminalidade.
Mais grave, no entanto, é que sequer
compreendemos as raízes de nossa ingovernabilidade, ou seja, essa difusa
maçaroca que mal conseguimos identificar. Só para não deixar a bola cair, peço
vênia para aqui mencionar três pontos. Entre estes, o primeiro só pode ser a
corrupção. Mas em que, exatamente, consiste ela? Onde começa, onde termina? Seu
ponto de partida são os folclóricos punguistas ou haverá algo mais abaixo
deles? Ouço dizer que a Polícia Federal indiciou um brilhante futebolista,
jogador de seleção brasileira, por ter “forçado” o terceiro cartão amarelo,
facilitando, assim, a vitória do clube adversário. Reparem que me referi a um
ato de indiciamento; não estou prejulgando o jovem atleta. Mas, vejam bem: a
ser verdadeira, faz sentido tal situação? O suposto corruptor teria
desembolsado, num mero jogo de campeonato, uma fortuna superior à qual o rapaz
com certeza teria ou terá a ganhar nos próximos anos?
Outro aspecto que é imperativo mencionar são
os chamados supersalários, cujo epicentro parece ser o Judiciário. Mas aqui
devo tomar cuidado, pois o que pode ser corrupção para mim pode não o ser para
os interessados diretos. Que um número considerável de magistrados aufere
quantia astronômicas, tanto na esfera federal como na estadual, não há dúvida.
Mas há quem afirme que uma coisa é uma coisa e outra coisa é outra coisa.
Corrupção é uma coisa, o restante, segundo essa exegese, seriam penduricalhos,
quer dizer, figuras jurídicas um tanto incompreensíveis, mas com força de lei,
porque assim as entendeu o Judiciário.
A noção de governabilidade sempre nos leva à
questão dos partidos políticos, também assaz complexa. Tomada esta numa acepção
rigorosa, penso que o Brasil nunca teve, não tem e não é certo que venha a ter
uma estrutura de partidos séria e confiável.
Inclino-me, porém, a crer que agora, com essa
curiosa figura do Centrão, chegamos a um ponto sem volta. Hoje, o que chamamos
de partidos são apenas entidades cartoriais, indispensáveis ao registro das
candidaturas e à repartição de certos penduricalhos que o Estado põe à
disposição dos eleitos. Esta, contudo, é uma questão de alta filosofia, a ser
explorada noutra oportunidade.
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