sábado, 19 de abril de 2025

O que a mídia pensa | Editoriais / Opiniões

Nova condenação do Google reúne apoio bipartidário

O Globo

Plataformas digitais bajularam Trump acreditando em reviravolta na Justiça. Por ora, estratégia deu errado

Pela segunda vez em menos de um ano, o Google foi julgado culpado de abuso de monopólio nos Estados Unidos. A primeira sentença dizia respeito ao mercado de buscas na internet. Nesta semana, a juíza Leonie Brinkema, da Virgínia, considerou que a empresa também agiu ilegalmente no mercado de anúncios digitais. Ainda cabem recursos nos processos, que provavelmente chegarão à Suprema Corte. De todo modo, tem sido notável o avanço da Justiça sobre as plataformas digitais, com apoio tanto de democratas quanto de republicanos.

Na mesma semana, a Meta — dona de Facebook, Instagram e WhatsApp — começou a se defender num processo diante da Comissão Federal de Comércio (FTC), autoridade reguladora da concorrência nos Estados Unidos. A mesma FTC processou a Amazon, sob a acusação de sufocar pequenos negócios. E o Departamento de Justiça — autor das ações contra o Google ao lado de estados governados por ambos os partidos — também entrou com ação contra a Apple, argumentando que ela dificulta o acesso de consumidores a produtos e serviços de concorrentes.

Para condenar o Google, a juíza Brinkema apontou práticas ilegais no conjunto de programas oferecidos para veicular publicidade em sites: as ferramentas usadas pelos editores dos sites; as usadas pelos vendedores de anúncios; e os sistemas que permitem associar os dois lados mediante leilões instantâneos. De acordo com a acusação, o Google lança mão de seu monopólio na bolsa que realiza esses leilões para obrigar os editores dos sites a usar também a tecnologia que publica os anúncios e para forçar os anunciantes a aceitar as condições de veiculação e as comissões que cobra. A parte das acusações relativa aos anunciantes foi descartada por falta de provas, mas o resto foi aceito — e levará à imposição de limites à plataforma. “O Google não está aqui porque é grande, mas porque usou seu tamanho para esmagar competidores”, afirmou Julia Tarver Wood, advogada do Departamento de Justiça.

Entre os resultados possíveis em ambos os processos contra o Google, e também no processo contra a Meta, está o desmembramento das empresas, como aconteceu quando a Standard Oil foi condenada em 1911 por abusar do monopólio no mercado de petróleo. No caso da Meta, o próprio Mark Zuckerberg já considerou separar WhatsApp e Instagram em negócios autônomos e concorrentes, como forma de se antecipar a uma sentença desfavorável. No caso do Google, uma das recomendações depois da condenação no ano passado foi desmembrar numa empresa separada o navegador Chrome.

Apenas quando tais casos chegarem à Suprema Corte ficará claro se a divisão das empresas será o remédio adequado para disciplinar o poder das plataformas digitais. Por ora, a necessidade de lhes impor limites tem inspirado um surpreendente consenso bipartidário nos Estados Unidos. Líderes de todas as plataformas compareceram à posse de Donald Trump e fizeram o possível para bajular o novo governo, acreditando que isso resultaria em mudança de atitude nos processos judiciais movidos pelo Departamento de Justiça, pelos estados republicanos ou nas ações da FTC. Pelo que se viu nos últimos dias, a estratégia até agora deu errado.

Conflito no Oriente Médio resulta em avanço do antissemitismo no Brasil

O Globo

Denúncias de manifestações contra judeus saltaram de uma para cinco por dia, revela levantamento

Tem sido alarmante o avanço do antissemitismo no Brasil, constatado no último relatório da Confederação Israelita do Brasil (Conib) e da Federação Israelita de São Paulo (Fisesp). Seguindo a metodologia consagrada de acompanhamento das manifestações antissemitas, o relatório registrou 1.788 denúncias em 2024, ante 1.410 em 2023 e apenas 397 em 2022. O gatilho que disparou a onda atual de antissemitismo foi o ataque do grupo terrorista Hamas a Israel em 7 de outubro de 2023, seguido pela reação militar israelense. Na média, as denúncias saltaram de uma para cinco por dia.

“O Brasil foi o país que apresentou a maior taxa de crescimento do antissemitismo após os ataques de 7 de outubro”, afirmou Claudio Lottenberg, presidente da Conib.É certo que o brasileiro tem percepção predominantemente favorável dos judeus (68%, ante média regional de 49%), segundo levantamento da Anti-Defamation League citado no relatório. Ainda assim, 41,2 milhões de brasileiros têm “crenças antissemitas significativas”. Entre essas crenças, 55% acreditam que judeus têm muito poder no mundo dos negócios, 35% pensam que controlam os assuntos globais e 20% que são responsáveis pela maioria das guerras.

O antissemitismo do brasileiro se estende por um espectro que vai desses estereótipos até o negacionismo do Holocausto (expresso por 11%) ou a versão moderna que disfarça o ódio a judeus na roupagem socialmente aceita do antissionismo, do apoio a Hamas e congêneres (75% acreditam que os judeus brasileiros são mais leais a Israel que ao Brasil, e 24% dos jovens apoiam o boicote a produtos israelenses).

O relatório elenca exemplos: pichações responsabilizando judeus por atos de Israel, com incitação à morte de judeus ou “sionistas”; agressões nas ruas e em salas de aula; cartazes com apologia ao nazismo ou bandeiras com suásticas associadas a Israel; apologia ao Hamas e declarações defendendo o fim de Israel. Com a guerra no Oriente Médio, as redes sociais se tornaram o principal palco para agressões, concentrando 73% dos casos. De 3,6 milhões de menções ao conflito monitoradas pela Conib, quase 85 mil (2,4%) tinham caráter antissemita.

Entre as redes sociais, o X se tornou um refúgio para antissemitas contumazes depois que suspendeu a moderação. É sintomático que o único momento no ano passado em que as menções favoráveis aos judeus superaram as desfavoráveis no meio digital ocorreu em setembro, quando o X ficou fora do ar no Brasil por determinação do Supremo Tribunal Federal (STF).

O brasileiro sempre foi um povo receptivo aos diferentes povos e tolerante às diferentes religiões. Aqui, o convívio entre judeus, cristãos e muçulmanos costuma ser pacífico. Mas, infelizmente, o combate crescente ao racismo, à homofobia e a outros preconceitos tem se revelado ineficaz contra o antissemitismo. E a chaga só tende a se alastrar num ambiente em que o próprio presidente da República faz uma declaração de cunho antissemita, é tratado com leniência e nem sequer esboça um pedido de desculpas.

Anistia é meio errado de rever penas excessivas pelo 8/1

Folha de S. Paulo

Tarefa cabe à Justiça, não ao Legislativo, onde tramita projeto que beneficia condenados por ataque às sedes dos Poderes

No jogo institucional, um desvio de rota pode dar vazão a uma cascata de anomalias. Observe-se, a propósito, a sequência de desajustes que deságua no projeto de anistiar os condenados pelos ataques contra as sedes dos Poderes federais em 8 de janeiro de 2023.

A sua causa fundamental, a incontinência do então presidente Jair Bolsonaro (PL) nas balizas do Estado de Direito, retroage mais de seis anos. Tratou-se de fato inédito na Nova República, período em que dois governantes foram constitucionalmente depostos sem, no entanto, desafiarem o império da lei.

Falhou o procurador-geral da República, Augusto Aras, ao esquivar-se da responsabilidade de denunciar perante o Supremo Tribunal Federal (STF) as delinquências do chefe do governo. Errou o à época presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), ao nem colocar em votação carradas de pedidos de abertura de impeachment.

As Forças Armadas foram lenientes com aglomerações ilegais em frente a quartéis após a derrota eleitoral de Bolsonaro, em outubro de 2022. No 8 de janeiro seguinte, a polícia do Distrito Federal falhou na tarefa simples de evitar que uma pequena multidão de vândalos acessasse os palácios federais.

Desencaminhou-se da conduta ortodoxa o STF, que abriu sem provocação nem sorteio de relator um inquérito atípico em que o tribunal é ao mesmo tempo vítima, investigador e julgador. Ao longo dos anos, atropelou garantias à livre expressão e invadiu competências alheias.

Ao julgar —sob "violenta emoção", segundo o ministro Luiz Fux— os primeiros réus pelos crimes na praça dos Três Poderes, a maioria da corte deixou de lado o rigor na individualização de condutas e, ao fixar as penas, absteve-se de aplicar técnicas que evitam punição redundante para a mesma ação delituosa.

Condenações a até 17 anos de prisão da arraia-miúda do assalto subversivo deram pretexto ao contra-ataque político, e a incapacidade do governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT) de controlar sua coalizão permitiu que um pedido de tramitação urgente do projeto de anistia, assinado pela maioria dos deputados, chegasse ao presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB).

Seria um precedente desastroso para o país perdoar as atrocidades cometidas por vândalos que afrontaram a democracia, mesmo sem terem reunido as mínimas condições de realizar o seu desvario autoritário. O Congresso Nacional, um dos alvos das depredações, estimularia a repetição de desatinos similares.

Que o Judiciário, e apenas ele, proceda à sua tarefa precípua de rever os casos de condenados a penas desproporcionais. Em vez de dedicar-se a exculpar criminosos, o Legislativo tem assuntos mais urgentes e próprios a tratar, a começar do Orçamento federal que caminha para o colapso.

Tudo de que o país não precisa é acumular mais desvio institucional à série dos últimos anos.

Ameaça à Boeing abre nova frente na guerra comercial

Folha de S. Paulo

Possível veto a aviões americanos por Pequim testará limites da escalada de Trump; brasileira Embraer pode obter ganhos

Relatado de forma anônima à agência de notícias Bloomberg, o veto da China a novas encomendas de aeronaves da Boeing por empresas do país asiático leva a nefasta guerra comercial iniciada por Donald Trump a um novo patamar.

Segundo a informação, que não foi desmentida nem confirmada por Pequim, não só os aviões estão na mira, mas também componentes da complexa cadeia de suprimentos do setor aeronáutico.
Trata-se de um dos mais vistosos exemplos da interligação econômica entre países potencialmente rivais, uma das benesses da globalização vistas por Trump como um fardo para as forças produtivas dos Estados Unidos.

Assim, não há propriamente avião americano, chinês, europeu ou brasileiro, e sim capacidade de engenharia, desenho e integração de sistemas de verdadeiros monstros de Frankenstein quanto à origem de suas peças.

A pandemia já havia apresentado uma amostra do que acontece quando a azeitada máquina trava, com reflexos até hoje.

A ameaça chinesa, se concretizada, poderá fechar um mercado dos mais promissores. A mesma Boeing projetou que a frota de aviões do gigante emergente dobrará de tamanho até 2043 e se posicionou para retomar posições, após anos de grave crise.

Nas Bolsas, valorizaram-se imediatamente a europeia Airbus e a brasileira Embraer, esta secundária até aqui na China, enquanto o consórcio baseado na França domina os ares do país de Xi Jinping, com 55% da frota atual.

É fato que ambas tendem a ganhar com um eventual veto à Boeing, mas a escalada retaliatória americana pode não parar no jogo de truco de quem aplica a tarifa de importação mais alta.
Se a fabricante americana emprega peças chinesas em seus aviões, a produção da China igualmente depende de importações.

Sua estrela do setor, a Comac, começou a receber encomendas de seu modelo C919, que compete com os best-sellers da Airbus, o A320, e da Boeing, o 737.

Sem peças americanas, a começar pelo motor, o C919 não voa, e a substituição por componentes europeus ou até mesmo dos aliados russos, isolados no mercado desde a invasão da Ucrânia em 2022, é demorada e custosa.

Nesse cenário mais extremo, eventuais sanções secundárias de Washington a quem fizer negócios com Pequim no setor acertaria em cheio a Airbus e a Embraer, cujos aviões também dependem de peças americanas.

Está-se diante, pois, de um exemplo didático do estrago que a guerra comercial é capaz de promover nas relações globais.

 O busílis da ‘pejotização’

O Estado de S. Paulo

Fez bem o STF ao suspender processos sobre contratação de funcionários como PJ para uniformizar decisões judiciais. Mas é preciso evitar a excessiva precarização das relações de trabalho

O ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF), suspendeu a tramitação de todos os processos sobre a chamada “pejotização”. Trata-se de uma modalidade de contratação de autônomos ou prestadores de serviços na condição de pessoas jurídicas, como médicos, advogados, corretores, profissionais de tecnologia da informação, entre outros, que tem causado conflito entre o Supremo e a Justiça do Trabalho.

Não raro, magistrados trabalhistas afirmam que atrás de um contrato civil ou comercial de prestação de serviço há uma fraude contratual trabalhista. Reconhecem, então, o vínculo de emprego, previsto na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), em razão da subordinação, quando identificam, por exemplo, a exigência de cumprimento de jornada.

A controvérsia sempre existiu, mas ganhou contornos superlativos após o STF declarar, acertadamente, a constitucionalidade da terceirização da atividade-fim, válida desde a reforma trabalhista. O Supremo editou duas teses, de modo a enquadrar a Justiça do Trabalho, que, como se sabe, tende a afrontar as regras trabalhistas aprovadas durante o governo de Michel Temer.

Numa das teses, ficou estabelecido que “é lícita a terceirização de toda e qualquer atividade” e que a contratante se responsabiliza subsidiariamente por violações de normas trabalhistas e previdenciárias. Na outra, o STF afirmou que “é lícita a terceirização ou qualquer outra forma de divisão do trabalho entre pessoas jurídicas distintas”. Com esses dois precedentes, esperava-se que as divergências fossem superadas. Foi quando surgiu a confusão em torno da “pejotização”.

Advogados de empresas condenadas por fraude contratual trabalhista passaram a alegar que a “pejotização” é lícita por causa da terceirização irrestrita. Em reclamações, instrumentos pelos quais se queixa de descumprimento de precedentes, alguns ministros do Supremo aderiram a esse argumento. O STF parece confundir os conceitos. A terceirização exige três requisitos: a empresa contratante, a empresa terceirizada e o empregado dessa empresa, que geralmente tem carteira assinada. Já na “pejotização”, o contrato é entre duas partes: o “pejotizado”, sem qualquer direito assegurado, e a empresa.

Como nunca discutiu a “pejotização” em plenário, o STF decidiu julgar um recurso extraordinário com repercussão geral sobre o tema. No caso concreto, um corretor de seguros contestou uma decisão da Quarta Turma do Tribunal Superior do Trabalho (TST), que negou, com base nos precedentes sobre a terceirização, o seu vínculo de emprego. Relator do caso, Gilmar fez bem ao impedir “a multiplicação de decisões divergentes sobre a matéria” e privilegiar “o princípio da segurança jurídica”.

O STF terá de decidir sobre “a competência e o ônus da prova nos processos que discutem a existência de fraude no contrato civil/comercial de prestação de serviços” e “a licitude da contratação de pessoa jurídica ou trabalhador autônomo para essa finalidade”. Eis o perigo.

O STF poderá declarar a Justiça do Trabalho incompetente para tratar desse tema, transferindo-o à Justiça Comum – menos acessível aos trabalhadores comuns. Em que pese o fato de que a Justiça do Trabalho frequentemente extrapole em suas decisões e abuse do ativismo, não foram revogados os artigos 9.º da CLT, que declara nulo o contrato que frauda a lei trabalhista, nem o 114 da Constituição, que dá a esse ramo especializado do Judiciário a competência para julgar “as ações oriundas da relação do trabalho”.

Se o STF liberar uma “pejotização” irrestrita, ignorando vínculos de trabalho, é possível que muitos celetistas se vejam pressionados a aderir a esse tipo de contrato. O Supremo poderá dessa forma, de maneira generalizada, prejudicar direitos trabalhistas, como férias e décimo terceiro salário, previstos no artigo 7.º da Constituição, e também direitos previdenciários. Sem contar o risco à Previdência Social, já imensamente deficitária, pois haveria diminuição drástica de contribuintes.

A redução dos encargos trabalhistas é uma necessidade para o País, mas isso não pode ser feito à custa da precarização total das relações de trabalho, ao arrepio da Constituição. Diante disso, espera-se que o Supremo tenha juízo com a decisão que venha a tomar.

O fator Trump em 2026

O Estado de S. Paulo

Ainda é cedo para dizer que peso terá o presidente americano na eleição brasileira, mas o fato é que lulopetistas e bolsonaristas usarão o trumpismo como arma política na campanha

O presidente dos EUA, Donald Trump, com seu projeto de destruição do mundo como o conhecemos desde o fim da 2.ª Guerra Mundial, tornou-se personagem de onipresença semidivina. O mundo todo está febrilmente refazendo contas e arranjos para lidar com Trump e com essa nova realidade. Não há cálculo político hoje que não tenha Trump como elemento central. No Canadá, por exemplo, o candidato conservador a premiê, que se criou na onda da agressividade trumpista antissistema, teve de recalibrar seu discurso depois de perder seu favoritismo por se ver vinculado a Trump, hoje um nome tóxico no país. Não é o único caso, e é evidente que esse fenômeno terá reflexos também na eleição presidencial brasileira de 2026.

Recente pesquisa Genial/Quaest mostra que Trump é visto negativamente por 43% dos brasileiros, contra apenas 22% que o veem de forma positiva. Outros 23% o avaliam como regular. Como o levantamento foi realizado entre 27 e 31 de março – antes, portanto, do anúncio do chamado “tarifaço” por parte de Trump –, não é improvável que a maioria crítica se torne ainda maior conforme se conheçam os desdobramentos das medidas americanas, a reação da China e os prognósticos sombrios de maior inflação e recessão na economia dos EUA, com inevitável geração de instabilidades, para dizer o mínimo, mundo afora. Portanto, um risco para quem se abraçou politicamente a Trump.

Desde a posse de Trump, líderes extremistas, como o clã Bolsonaro, e da direita moderada, como o governador Tarcísio de Freitas, não hesitaram em se mostrar entusiastas. Inelegível e réu em um julgamento por tentativa de golpe, Jair Bolsonaro, paródia mequetrefe de Trump, viu ali uma boia de salvação para si e para o bolsonarismo. Aliados mais delirantes chegaram a clamar por uma invasão americana e até sanções contra ministros do Supremo Tribunal Federal, enquanto outros tratam Trump como inspiração nacionalista e como modelo de governança implacável.

Por outro lado, Trump passou a servir de motor para um presidente impopular e sem ideias. Lula da Silva intensificou o artifício a que costuma recorrer para se apresentar como salvador nacional, isto é, a suposta “ameaça à democracia” – na teoria lulocêntrica, o perigo estaria mais agudo com a força do trumpismo e da extrema direita internacional. Como é improvável repetir a disputa de 2022, quando conquistou o apoio de uma frente ampla que viu Lula como uma forma de evitar o pior, ao lulopetismo só resta encontrar um novo inimigo para voltar a unir parte do Brasil.

Trump é hoje esse inimigo. E se, por um lado, Lula e o PT espalham brasas na inflamada retórica contra a união entre o trumpismo e o bolsonarismo, por outro lado o governo segue a tendência de jogar parado na reação ao tarifaço americano. Como costuma falar sem parar, é difícil imaginar que a contenção lulista prossiga por muito tempo, mas não é improvável que recorra à zona de conforto de esperar sentado, assistindo de camarote a uma espécie de autofagia da direita brasileira, extremista ou moderada, que tenta conciliar o inconciliável: o liberalismo econômico não combina com barreiras comerciais.

Ademais, para quem se diz “patriota”, como fazem os bolsonaristas, deveria ser inaceitável adotar a subserviência como prática corrente no relacionamento com Trump e seu projeto de “presidência imperial”, como definiu a revista The Economist – um imperialismo que retoma, sob novas roupagens, o princípio da Doutrina Monroe (a política externa originada no século 19 e sintetizada na frase “América para os americanos”) e do Destino Manifesto (a ideologia que fez os EUA se enxergarem como “nação escolhida”). De Bolsonaro, um liberal de fancaria, não se esperaria algo muito diferente, mas o mesmo não se pode dizer de Tarcísio, que parece ser um liberal genuíno, mas que vestiu o boné de Trump e mantém silêncio obsequioso ante o tarifaço trumpista.

A capacidade de obter dividendos, com Trump ou longe dele, dependerá em grande medida do tamanho do impacto, sobre o Brasil, da política de choque e pavor do presidente americano. Mas isso, por ora, ainda é tão incerto quanto o nome que conquistará os votos da maioria dos brasileiros no ano que vem.

Escolhas racionais

O Estado de S. Paulo

Enquanto Prefeitura duela com aplicativos, mototáxi ilegal se impõe porque há demanda

Há meses, a Prefeitura de São Paulo e aplicativos de transporte travam uma batalha judicial sobre a oferta do serviço de mototáxi para passageiros na capital paulista. Para as empresas de aplicativo, a disponibilidade do serviço de transporte individual por moto não apenas está contemplada na Lei Federal 12.587/2012, como estaria respaldada pelo Supremo Tribunal Federal (STF). Já o prefeito Ricardo Nunes, em pé de guerra com os aplicativos desde que um deles lançou a oferta do mototáxi fora do centro expandido, afirmou por mais de uma vez que permitir tal tipo de serviço na capital equivaleria a uma “carnificina”.

Nas periferias de São Paulo, porém, o serviço de mototáxi é uma realidade muito antes de o confronto entre o prefeito e os aplicativos de transporte ganhar as manchetes.

Reportagem do Estadão mostrou que em regiões como Perus, no limite entre as zonas norte e oeste, e Grajaú, na zona sul, passageiros que desembarcam em terminais de trem e de ônibus logo ouvem os gritos de “mototáxi, mototáxi”.

É a senha para que, após um longo dia de trabalho, por exemplo, o passageiro possa optar pela moto para concluir o trajeto restante até sua residência, em vez de caminhar um pouco mais até um ponto de ônibus, e esperar pelo transporte coletivo, costumeiramente cheio, além de demorado.

Como bem definiu o especialista em mobilidade Sergio Ejzenberg, o cidadão se vê diante de uma difícil escolha entre o mais perigoso (a moto) e o menos confortável (o ônibus). Não raro, opta pela moto, mesmo ciente dos riscos, porque é mais rápida e confortável do que um ônibus lotado.

Décadas de mau planejamento urbano ajudam a explicar os dilemas de quem depende do transporte público na capital paulista. Embora a cidade de São Paulo conte, sim, com bons ônibus e linhas de metrô modernas, esses serviços estão circunscritos a uma área restrita da capital.

Nas periferias, falta oferta de trabalho, o que obriga os moradores a se deslocarem para regiões bem distantes de onde moram. Para chegar a estações de trem ou terminais de ônibus, essas pessoas precisam enfrentar um verdadeiro périplo.

Faltam linhas de ônibus complementares, corredores exclusivos para o transporte coletivo, iluminação e segurança. Não à toa, o mototáxi ilegal tem adeptos, demanda que certamente pesou na decisão dos aplicativos de transporte de partirem para a briga com a Prefeitura.

Trata-se de um caso clássico de demanda reprimida que gera resposta econômica sem mediação do poder público. Como flagrou a reportagem do Estadão, o serviço de mototáxi oferecido em regiões periféricas, que nada tem a ver com os aplicativos de transporte, apela diretamente ao usuário potencial, é organizado e, em alguns casos, oferece até mesmo viagens grátis após cinco corridas, o chamado “cartão fidelidade”.

O que o serviço de mototáxi ilegal escancara é que a realidade se impõe como solução. Para muito além da batalha entre Prefeitura e aplicativos, enquanto o transporte público acessível e de qualidade não for uma realidade para todos os paulistanos, o cidadão seguirá escolhendo o perigo em vez do desconforto.

Os atrasos civilizatórios nas ruas do país

Correio Braziliense

A precariedade das calçadas nas cidades brasileiras, como mostra o IBGE, representa muito mais do que um transtorno: é um ataque direto à cidadania

Um recente estudo do IBGE revelou um dado alarmante, mas infelizmente não surpreendente: a maioria das cidades brasileiras carece de calçadas adequadas e de arborização mínima. Essa questão é muitas vezes tratada como secundária, mas é chave na estruturação de um espaço urbano saudável, inclusivo e seguro. Trata-se de garantir a mobilidade urbana de todos os cidadãos, não importa a condição social e/ou física.

A ausência de calçadas em bom estado de conservação e acessibilidade, comprometendo o deslocamento dos cidadãos, além de sinalização adequada para travessia das vias, é um sintoma de atraso civilizatório. E escancara o fracasso do planejamento urbano no Brasil — um fracasso que não se limita à estética da cidade, mas que revela uma teia de exclusões mais profunda e perigosa.

A precariedade das calçadas representa muito mais do que um transtorno: é um ataque direto à cidadania. Para idosos, crianças e pessoas com deficiência (PcD), circular pelas ruas brasileiras é um desafio cotidiano. Um risco que leva muitas pessoas a não saírem de casa. Sem acessibilidade, o direito de ir e vir é negado. A cidade deixa de ser um espaço de convivência para se tornar uma zona de risco.

Esse cenário não é isolado. A falta de calçadas é frequentemente acompanhada por outra chaga urbana: a ausência de saneamento básico e de galerias pluviais. Onde falta cuidado com a superfície, falta também com o subsolo. O esgoto a céu aberto ou vazamentos na sua rede contaminam o sistema de abastecimento de águas. Sem drenagem eficiente, as chuvas arrastam lixo, contaminam mananciais, provocam enchentes e espalham doenças. Em vez de política pública, o que se vê é a política do improviso e da omissão.

E como tudo isso se conecta com a violência? De forma direta: espaços urbanos degradados, escuros, abandonados pelo poder público tornam-se férteis para o crescimento da criminalidade. A ausência do Estado na forma de infraestrutura abre espaço para outras formas de controle — muitas vezes, armadas, violentas, autoritárias. A territorialização do crime organizado, do tráfico de drogas e da milícia. Sem calçadas e ruas seguras, mas com medo constante e sensação de abandono, a cidade se fecha em si mesma.

O que está em jogo, portanto, não é apenas a urbanização ou o paisagismo, mas a própria democracia urbana. Uma cidade que exclui os mais frágeis de seus espaços é um campo minado. O estudo do IBGE deveria servir como um alerta, mas precisa ser mais do que isso: deve ser o ponto de partida para uma política urbana integrada, que trate mobilidade, saneamento, segurança e meio ambiente como direitos inseparáveis.

Não devemos seguir tropeçando nas calçadas esburacados ou no meio-fio de ruas mal-cuidadas, de cidades feitas para poucos, que deixam muitos à margem, no asfalto quente e invisível da exclusão.

Prefeitura atualiza Orçamento Participativo

O Povo

A iniciativa não pode ser apenas uma peça propagandista, sendo necessário que faça a diferença na vida dos fortalezenses

O chefe do Executivo Municipal, Evandro Leitão (PT), está atualizando o modelo Orçamento Participativo (OP), implementado por Luizianne Lins (PT), no período em que ela foi prefeita de Fortaleza (2015-2027) — e que perdeu centralidade com outros gestores.

A propósito, como conta o próprio PT em sua página na internet, o Orçamento Participativo foi criado pelo partido e implementado pela primeira vez em Porto Alegre (RS), durante a administração de Olívio Dutra, em 1989. Mas, após tornar-se um símbolo do "modo petista de governar" — e ter servido de exemplo para várias cidades no mundo —, o próprio PT passou a secundarizar ou encerrar a prática em suas diversas administrações.

É de muita importância, portanto, a disposição demonstrada pelo prefeito em fortalecer os mecanismos de consulta e decisão populares, implementando, na prática, a democracia direta. Ninguém melhor do que os próprios moradores de Fortaleza para saber quais são as suas necessidades mais urgentes, de modo a incluí-las no orçamento da cidade.

Para iniciar a escuta, a Prefeitura iniciou os primeiros encontros do Ciclo de Fóruns Territoriais que ocorrerão, durante este mês de abril, em 39 locais, abrangendo todas as Regionais.

O objetivo dos encontros é complementar as iniciativas e programas que serão implementados durante a gestão — também considerados para o Plano Plurianual 2026-2029. Participaram das reuniões cerca de 1.300 pessoas, residentes de quatro Regionais.

Artur Bruno, presidente do Instituto de Pesquisa e Planejamento de Fortaleza (Ipplan), disse que o intento é construir um planejamento "efetivamente participativo". Ele diz que está reunido a população e líderes locais para apresentarem suas demandas.

Após esse processo, diz ele, haverá uma "devolutiva" para voltar ao diálogo com os moradores, informado o que poderá ser feito. Esse procedimento corrige um problema detectado no Orçamento Participativo, segundo Bruno: "A população definia suas prioridades, mas não havia retorno da gestão para a comunidade".

Devido à burocratização que normalmente acomete as administrações depois de eleitas, afastando-se do corpo a corpo com a população, é bem-vinda a proposta da Prefeitura em buscar essa aproximação democrática e produtiva. No entanto, a iniciativa não pode ser apenas uma peça propagandista, sendo necessário que faça a diferença na vida dos fortalezenses. Portanto, é preciso acompanhar de perto essa experiência antiga, mas que pode tornar-se novamente inovadora.

 

 

 

 

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