Nova condenação do Google reúne apoio bipartidário
O Globo
Plataformas digitais bajularam Trump
acreditando em reviravolta na Justiça. Por ora, estratégia deu errado
Pela segunda vez em menos de um ano, o Google
foi julgado culpado de abuso de monopólio nos Estados Unidos. A primeira
sentença dizia respeito ao mercado de buscas na internet. Nesta semana, a juíza
Leonie Brinkema, da Virgínia, considerou que a empresa também agiu ilegalmente
no mercado de anúncios digitais. Ainda cabem recursos nos processos, que
provavelmente chegarão à Suprema Corte. De todo modo, tem sido notável o avanço
da Justiça sobre as plataformas digitais, com apoio tanto de democratas quanto
de republicanos.
Na mesma semana, a Meta — dona de Facebook, Instagram e WhatsApp — começou a se defender num processo diante da Comissão Federal de Comércio (FTC), autoridade reguladora da concorrência nos Estados Unidos. A mesma FTC processou a Amazon, sob a acusação de sufocar pequenos negócios. E o Departamento de Justiça — autor das ações contra o Google ao lado de estados governados por ambos os partidos — também entrou com ação contra a Apple, argumentando que ela dificulta o acesso de consumidores a produtos e serviços de concorrentes.
Para condenar o Google, a juíza Brinkema
apontou práticas ilegais no conjunto de programas oferecidos para veicular
publicidade em sites: as ferramentas usadas pelos editores dos sites; as usadas
pelos vendedores de anúncios; e os sistemas que permitem associar os dois lados
mediante leilões instantâneos. De acordo com a acusação, o Google lança mão de
seu monopólio na bolsa que realiza esses leilões para obrigar os editores dos
sites a usar também a tecnologia que publica os anúncios e para forçar os anunciantes
a aceitar as condições de veiculação e as comissões que cobra. A parte das
acusações relativa aos anunciantes foi descartada por falta de provas, mas o
resto foi aceito — e levará à imposição de limites à plataforma. “O Google não
está aqui porque é grande, mas porque usou seu tamanho para esmagar
competidores”, afirmou Julia Tarver Wood, advogada do Departamento de Justiça.
Entre os resultados possíveis em ambos os
processos contra o Google, e também no processo contra a Meta, está o
desmembramento das empresas, como aconteceu quando a Standard Oil foi condenada
em 1911 por abusar do monopólio no mercado de petróleo. No caso da Meta, o
próprio Mark Zuckerberg já considerou separar WhatsApp e Instagram em negócios
autônomos e concorrentes, como forma de se antecipar a uma sentença
desfavorável. No caso do Google, uma das recomendações depois da condenação no
ano passado foi desmembrar numa empresa separada o navegador Chrome.
Apenas quando tais casos chegarem à Suprema
Corte ficará claro se a divisão das empresas será o remédio adequado para
disciplinar o poder das plataformas digitais. Por ora, a necessidade de lhes
impor limites tem inspirado um surpreendente consenso bipartidário nos Estados
Unidos. Líderes de todas as plataformas compareceram à posse de Donald Trump e
fizeram o possível para bajular o novo governo, acreditando que isso resultaria
em mudança de atitude nos processos judiciais movidos pelo Departamento de Justiça,
pelos estados republicanos ou nas ações da FTC. Pelo que se viu nos últimos
dias, a estratégia até agora deu errado.
Conflito no Oriente Médio resulta em avanço
do antissemitismo no Brasil
O Globo
Denúncias de manifestações contra judeus
saltaram de uma para cinco por dia, revela levantamento
Tem sido alarmante o avanço do antissemitismo
no Brasil, constatado no último relatório da Confederação Israelita do Brasil
(Conib) e da Federação Israelita de São Paulo (Fisesp). Seguindo a metodologia
consagrada de acompanhamento das manifestações antissemitas, o relatório
registrou 1.788 denúncias em 2024, ante 1.410 em 2023 e apenas 397 em 2022. O
gatilho que disparou a onda atual de antissemitismo foi o ataque do grupo
terrorista Hamas a Israel em 7 de outubro de 2023, seguido pela reação militar
israelense. Na média, as denúncias saltaram de uma para cinco por dia.
“O Brasil foi o país que apresentou a maior
taxa de crescimento do antissemitismo após os ataques de 7 de outubro”, afirmou
Claudio Lottenberg, presidente da Conib.É certo que o brasileiro tem percepção
predominantemente favorável dos judeus (68%, ante média regional de 49%),
segundo levantamento da Anti-Defamation League citado no relatório. Ainda
assim, 41,2 milhões de brasileiros têm “crenças antissemitas significativas”.
Entre essas crenças, 55% acreditam que judeus têm muito poder no mundo dos negócios,
35% pensam que controlam os assuntos globais e 20% que são responsáveis pela
maioria das guerras.
O antissemitismo do brasileiro se estende por
um espectro que vai desses estereótipos até o negacionismo do Holocausto
(expresso por 11%) ou a versão moderna que disfarça o ódio a judeus na roupagem
socialmente aceita do antissionismo, do apoio a Hamas e congêneres (75%
acreditam que os judeus brasileiros são mais leais a Israel que ao Brasil, e
24% dos jovens apoiam o boicote a produtos israelenses).
O relatório elenca exemplos: pichações
responsabilizando judeus por atos de Israel, com incitação à morte de judeus ou
“sionistas”; agressões nas ruas e em salas de aula; cartazes com apologia ao
nazismo ou bandeiras com suásticas associadas a Israel; apologia ao Hamas e
declarações defendendo o fim de Israel. Com a guerra no Oriente Médio, as redes
sociais se tornaram o principal palco para agressões, concentrando 73% dos
casos. De 3,6 milhões de menções ao conflito monitoradas pela Conib, quase 85
mil (2,4%) tinham caráter antissemita.
Entre as redes sociais, o X se tornou um
refúgio para antissemitas contumazes depois que suspendeu a moderação. É
sintomático que o único momento no ano passado em que as menções favoráveis aos
judeus superaram as desfavoráveis no meio digital ocorreu em setembro, quando o
X ficou fora do ar no Brasil por determinação do Supremo Tribunal Federal
(STF).
O brasileiro sempre foi um povo receptivo aos
diferentes povos e tolerante às diferentes religiões. Aqui, o convívio entre
judeus, cristãos e muçulmanos costuma ser pacífico. Mas, infelizmente, o
combate crescente ao racismo, à homofobia e a outros preconceitos tem se
revelado ineficaz contra o antissemitismo. E a chaga só tende a se alastrar num
ambiente em que o próprio presidente da República faz uma declaração de cunho
antissemita, é tratado com leniência e nem sequer esboça um pedido de
desculpas.
Anistia é meio errado de rever penas
excessivas pelo 8/1
Folha de S. Paulo
Tarefa cabe à Justiça, não ao Legislativo,
onde tramita projeto que beneficia condenados por ataque às sedes dos Poderes
No jogo institucional, um desvio de rota pode
dar vazão a uma cascata de anomalias. Observe-se, a propósito, a sequência de
desajustes que deságua no projeto de anistiar os condenados pelos ataques
contra as sedes dos Poderes federais em 8 de janeiro de 2023.
A sua causa fundamental, a incontinência do
então presidente Jair
Bolsonaro (PL)
nas balizas do Estado de Direito, retroage mais de seis anos. Tratou-se de fato
inédito na Nova República, período em que dois governantes foram
constitucionalmente depostos sem, no entanto, desafiarem o império da lei.
Falhou o procurador-geral da República, Augusto Aras,
ao esquivar-se da responsabilidade de denunciar perante o Supremo Tribunal
Federal (STF) as
delinquências do chefe do governo. Errou o à época presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), ao nem
colocar em votação carradas de pedidos de abertura de impeachment.
As Forças
Armadas foram lenientes com aglomerações ilegais em frente a quartéis
após a derrota eleitoral de Bolsonaro, em outubro de 2022. No 8 de janeiro
seguinte, a polícia do Distrito Federal falhou na tarefa simples de evitar que
uma pequena multidão de vândalos acessasse os palácios federais.
Desencaminhou-se da conduta ortodoxa o STF,
que abriu
sem provocação nem sorteio de relator um inquérito atípico em que o
tribunal é ao mesmo tempo vítima, investigador e julgador. Ao longo dos anos,
atropelou garantias à livre expressão e invadiu competências alheias.
Ao julgar —sob "violenta emoção",
segundo o ministro Luiz Fux— os
primeiros réus pelos crimes na praça dos Três Poderes, a maioria da corte deixou
de lado o rigor na individualização de condutas e, ao fixar as penas,
absteve-se de aplicar técnicas que evitam punição redundante para a mesma ação
delituosa.
Condenações a até 17 anos de prisão da
arraia-miúda do assalto subversivo deram pretexto ao contra-ataque político, e
a incapacidade do governo Luiz Inácio Lula da Silva
(PT) de controlar
sua coalizão permitiu que um pedido
de tramitação urgente do projeto de anistia, assinado pela maioria dos
deputados, chegasse ao presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB).
Seria um precedente desastroso para o país
perdoar as atrocidades cometidas por vândalos que afrontaram a democracia,
mesmo sem terem reunido as mínimas condições de realizar o seu desvario
autoritário. O Congresso
Nacional, um dos alvos das depredações, estimularia a repetição de
desatinos similares.
Que o Judiciário, e apenas ele, proceda à sua
tarefa precípua de rever os casos de condenados a penas desproporcionais. Em
vez de dedicar-se a exculpar criminosos, o Legislativo tem assuntos mais
urgentes e próprios a tratar, a começar do Orçamento federal que caminha para o
colapso.
Tudo de que o país não precisa é acumular
mais desvio institucional à série dos últimos anos.
Ameaça à Boeing abre nova frente na guerra
comercial
Folha de S. Paulo
Possível veto a aviões americanos por Pequim
testará limites da escalada de Trump; brasileira Embraer pode obter ganhos
Relatado de forma anônima à agência de
notícias Bloomberg, o
veto da China a novas encomendas de aeronaves da Boeing por
empresas do país asiático leva a nefasta guerra comercial iniciada por Donald Trump a
um novo patamar.
Segundo a informação, que
não foi desmentida nem confirmada por Pequim, não só os aviões estão na
mira, mas também componentes da complexa cadeia de suprimentos do setor
aeronáutico.
Trata-se de um dos mais vistosos exemplos da interligação econômica entre
países potencialmente rivais, uma das benesses da globalização vistas por Trump
como um fardo para as forças produtivas dos Estados
Unidos.
Assim, não há propriamente avião americano,
chinês, europeu ou brasileiro, e sim capacidade de engenharia, desenho e
integração de sistemas de verdadeiros monstros de Frankenstein quanto à origem
de suas peças.
A pandemia já havia apresentado uma amostra
do que acontece quando a azeitada máquina trava, com reflexos até hoje.
A ameaça chinesa, se concretizada, poderá
fechar um mercado dos mais promissores. A mesma Boeing projetou que a frota de
aviões do gigante emergente dobrará de tamanho até 2043 e se posicionou para
retomar posições, após anos de grave crise.
Nas Bolsas, valorizaram-se imediatamente a
europeia Airbus e
a brasileira Embraer,
esta secundária até aqui na China, enquanto o consórcio baseado na França
domina os ares do país de Xi Jinping,
com 55% da frota atual.
É fato que ambas tendem a ganhar com um
eventual veto à Boeing, mas a escalada retaliatória americana pode não parar no
jogo de truco de quem aplica a tarifa de importação mais alta.
Se a fabricante americana emprega peças chinesas em seus aviões, a produção da
China igualmente depende de importações.
Sua estrela do setor, a Comac, começou a
receber encomendas de seu modelo C919, que compete com os best-sellers da
Airbus, o A320, e da Boeing, o 737.
Sem peças americanas, a começar pelo motor, o
C919 não voa, e a substituição por componentes europeus ou até mesmo dos
aliados russos, isolados no mercado desde a invasão da Ucrânia em 2022, é
demorada e custosa.
Nesse cenário mais extremo, eventuais sanções
secundárias de Washington a quem fizer negócios com Pequim no setor acertaria
em cheio a Airbus e a Embraer, cujos aviões também dependem de peças
americanas.
Está-se diante, pois, de um exemplo didático do estrago que a guerra comercial é capaz de promover nas relações globais.
O Estado de S. Paulo
Fez bem o STF ao suspender processos sobre
contratação de funcionários como PJ para uniformizar decisões judiciais. Mas é
preciso evitar a excessiva precarização das relações de trabalho
O ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal
Federal (STF), suspendeu a tramitação de todos os processos sobre a chamada
“pejotização”. Trata-se de uma modalidade de contratação de autônomos ou
prestadores de serviços na condição de pessoas jurídicas, como médicos,
advogados, corretores, profissionais de tecnologia da informação, entre outros,
que tem causado conflito entre o Supremo e a Justiça do Trabalho.
Não raro, magistrados trabalhistas afirmam
que atrás de um contrato civil ou comercial de prestação de serviço há uma
fraude contratual trabalhista. Reconhecem, então, o vínculo de emprego,
previsto na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), em razão da subordinação,
quando identificam, por exemplo, a exigência de cumprimento de jornada.
A controvérsia sempre existiu, mas ganhou
contornos superlativos após o STF declarar, acertadamente, a
constitucionalidade da terceirização da atividade-fim, válida desde a reforma
trabalhista. O Supremo editou duas teses, de modo a enquadrar a Justiça do
Trabalho, que, como se sabe, tende a afrontar as regras trabalhistas aprovadas
durante o governo de Michel Temer.
Numa das teses, ficou estabelecido que “é
lícita a terceirização de toda e qualquer atividade” e que a contratante se
responsabiliza subsidiariamente por violações de normas trabalhistas e
previdenciárias. Na outra, o STF afirmou que “é lícita a terceirização ou
qualquer outra forma de divisão do trabalho entre pessoas jurídicas distintas”.
Com esses dois precedentes, esperava-se que as divergências fossem superadas.
Foi quando surgiu a confusão em torno da “pejotização”.
Advogados de empresas condenadas por fraude
contratual trabalhista passaram a alegar que a “pejotização” é lícita por causa
da terceirização irrestrita. Em reclamações, instrumentos pelos quais se queixa
de descumprimento de precedentes, alguns ministros do Supremo aderiram a esse
argumento. O STF parece confundir os conceitos. A terceirização exige três
requisitos: a empresa contratante, a empresa terceirizada e o empregado dessa
empresa, que geralmente tem carteira assinada. Já na “pejotização”, o contrato
é entre duas partes: o “pejotizado”, sem qualquer direito assegurado, e a
empresa.
Como nunca discutiu a “pejotização” em
plenário, o STF decidiu julgar um recurso extraordinário com repercussão geral
sobre o tema. No caso concreto, um corretor de seguros contestou uma decisão da
Quarta Turma do Tribunal Superior do Trabalho (TST), que negou, com base nos
precedentes sobre a terceirização, o seu vínculo de emprego. Relator do caso,
Gilmar fez bem ao impedir “a multiplicação de decisões divergentes sobre a
matéria” e privilegiar “o princípio da segurança jurídica”.
O STF terá de decidir sobre “a competência e
o ônus da prova nos processos que discutem a existência de fraude no contrato
civil/comercial de prestação de serviços” e “a licitude da contratação de
pessoa jurídica ou trabalhador autônomo para essa finalidade”. Eis o perigo.
O STF poderá declarar a Justiça do Trabalho
incompetente para tratar desse tema, transferindo-o à Justiça Comum – menos
acessível aos trabalhadores comuns. Em que pese o fato de que a Justiça do
Trabalho frequentemente extrapole em suas decisões e abuse do ativismo, não
foram revogados os artigos 9.º da CLT, que declara nulo o contrato que frauda a
lei trabalhista, nem o 114 da Constituição, que dá a esse ramo especializado do
Judiciário a competência para julgar “as ações oriundas da relação do trabalho”.
Se o STF liberar uma “pejotização”
irrestrita, ignorando vínculos de trabalho, é possível que muitos celetistas se
vejam pressionados a aderir a esse tipo de contrato. O Supremo poderá dessa
forma, de maneira generalizada, prejudicar direitos trabalhistas, como férias e
décimo terceiro salário, previstos no artigo 7.º da Constituição, e também
direitos previdenciários. Sem contar o risco à Previdência Social, já
imensamente deficitária, pois haveria diminuição drástica de contribuintes.
A redução dos encargos trabalhistas é uma
necessidade para o País, mas isso não pode ser feito à custa da precarização
total das relações de trabalho, ao arrepio da Constituição. Diante disso,
espera-se que o Supremo tenha juízo com a decisão que venha a tomar.
O fator Trump em 2026
O Estado de S. Paulo
Ainda é cedo para dizer que peso terá o
presidente americano na eleição brasileira, mas o fato é que lulopetistas e
bolsonaristas usarão o trumpismo como arma política na campanha
O presidente dos EUA, Donald Trump, com seu
projeto de destruição do mundo como o conhecemos desde o fim da 2.ª Guerra
Mundial, tornou-se personagem de onipresença semidivina. O mundo todo está
febrilmente refazendo contas e arranjos para lidar com Trump e com essa nova
realidade. Não há cálculo político hoje que não tenha Trump como elemento
central. No Canadá, por exemplo, o candidato conservador a premiê, que se criou
na onda da agressividade trumpista antissistema, teve de recalibrar seu
discurso depois de perder seu favoritismo por se ver vinculado a Trump, hoje um
nome tóxico no país. Não é o único caso, e é evidente que esse fenômeno terá
reflexos também na eleição presidencial brasileira de 2026.
Recente pesquisa Genial/Quaest mostra que
Trump é visto negativamente por 43% dos brasileiros, contra apenas 22% que o
veem de forma positiva. Outros 23% o avaliam como regular. Como o levantamento
foi realizado entre 27 e 31 de março – antes, portanto, do anúncio do chamado
“tarifaço” por parte de Trump –, não é improvável que a maioria crítica se
torne ainda maior conforme se conheçam os desdobramentos das medidas
americanas, a reação da China e os prognósticos sombrios de maior inflação e
recessão na economia dos EUA, com inevitável geração de instabilidades, para
dizer o mínimo, mundo afora. Portanto, um risco para quem se abraçou
politicamente a Trump.
Desde a posse de Trump, líderes extremistas,
como o clã Bolsonaro, e da direita moderada, como o governador Tarcísio de
Freitas, não hesitaram em se mostrar entusiastas. Inelegível e réu em um
julgamento por tentativa de golpe, Jair Bolsonaro, paródia mequetrefe de Trump,
viu ali uma boia de salvação para si e para o bolsonarismo. Aliados mais
delirantes chegaram a clamar por uma invasão americana e até sanções contra
ministros do Supremo Tribunal Federal, enquanto outros tratam Trump como
inspiração nacionalista e como modelo de governança implacável.
Por outro lado, Trump passou a servir de
motor para um presidente impopular e sem ideias. Lula da Silva intensificou o
artifício a que costuma recorrer para se apresentar como salvador nacional,
isto é, a suposta “ameaça à democracia” – na teoria lulocêntrica, o perigo
estaria mais agudo com a força do trumpismo e da extrema direita internacional.
Como é improvável repetir a disputa de 2022, quando conquistou o apoio de uma
frente ampla que viu Lula como uma forma de evitar o pior, ao lulopetismo só
resta encontrar um novo inimigo para voltar a unir parte do Brasil.
Trump é hoje esse inimigo. E se, por um lado,
Lula e o PT espalham brasas na inflamada retórica contra a união entre o
trumpismo e o bolsonarismo, por outro lado o governo segue a tendência de jogar
parado na reação ao tarifaço americano. Como costuma falar sem parar, é difícil
imaginar que a contenção lulista prossiga por muito tempo, mas não é improvável
que recorra à zona de conforto de esperar sentado, assistindo de camarote a uma
espécie de autofagia da direita brasileira, extremista ou moderada, que tenta
conciliar o inconciliável: o liberalismo econômico não combina com barreiras
comerciais.
Ademais, para quem se diz “patriota”, como
fazem os bolsonaristas, deveria ser inaceitável adotar a subserviência como
prática corrente no relacionamento com Trump e seu projeto de “presidência
imperial”, como definiu a revista The Economist – um imperialismo que
retoma, sob novas roupagens, o princípio da Doutrina Monroe (a política externa
originada no século 19 e sintetizada na frase “América para os americanos”) e
do Destino Manifesto (a ideologia que fez os EUA se enxergarem como “nação
escolhida”). De Bolsonaro, um liberal de fancaria, não se esperaria algo muito
diferente, mas o mesmo não se pode dizer de Tarcísio, que parece ser um liberal
genuíno, mas que vestiu o boné de Trump e mantém silêncio obsequioso ante o
tarifaço trumpista.
A capacidade de obter dividendos, com Trump
ou longe dele, dependerá em grande medida do tamanho do impacto, sobre o
Brasil, da política de choque e pavor do presidente americano. Mas isso, por
ora, ainda é tão incerto quanto o nome que conquistará os votos da maioria dos
brasileiros no ano que vem.
Escolhas racionais
O Estado de S. Paulo
Enquanto Prefeitura duela com aplicativos,
mototáxi ilegal se impõe porque há demanda
Há meses, a Prefeitura de São Paulo e
aplicativos de transporte travam uma batalha judicial sobre a oferta do serviço
de mototáxi para passageiros na capital paulista. Para as empresas de
aplicativo, a disponibilidade do serviço de transporte individual por moto não
apenas está contemplada na Lei Federal 12.587/2012, como estaria respaldada
pelo Supremo Tribunal Federal (STF). Já o prefeito Ricardo Nunes, em pé de
guerra com os aplicativos desde que um deles lançou a oferta do mototáxi fora
do centro expandido, afirmou por mais de uma vez que permitir tal tipo de
serviço na capital equivaleria a uma “carnificina”.
Nas periferias de São Paulo, porém, o serviço
de mototáxi é uma realidade muito antes de o confronto entre o prefeito e os
aplicativos de transporte ganhar as manchetes.
Reportagem do Estadão mostrou que
em regiões como Perus, no limite entre as zonas norte e oeste, e Grajaú, na
zona sul, passageiros que desembarcam em terminais de trem e de ônibus logo
ouvem os gritos de “mototáxi, mototáxi”.
É a senha para que, após um longo dia de
trabalho, por exemplo, o passageiro possa optar pela moto para concluir o
trajeto restante até sua residência, em vez de caminhar um pouco mais até um
ponto de ônibus, e esperar pelo transporte coletivo, costumeiramente cheio,
além de demorado.
Como bem definiu o especialista em mobilidade
Sergio Ejzenberg, o cidadão se vê diante de uma difícil escolha entre o mais
perigoso (a moto) e o menos confortável (o ônibus). Não raro, opta pela moto,
mesmo ciente dos riscos, porque é mais rápida e confortável do que um ônibus
lotado.
Décadas de mau planejamento urbano ajudam a
explicar os dilemas de quem depende do transporte público na capital paulista.
Embora a cidade de São Paulo conte, sim, com bons ônibus e linhas de metrô
modernas, esses serviços estão circunscritos a uma área restrita da capital.
Nas periferias, falta oferta de trabalho, o
que obriga os moradores a se deslocarem para regiões bem distantes de onde
moram. Para chegar a estações de trem ou terminais de ônibus, essas pessoas
precisam enfrentar um verdadeiro périplo.
Faltam linhas de ônibus complementares,
corredores exclusivos para o transporte coletivo, iluminação e segurança. Não à
toa, o mototáxi ilegal tem adeptos, demanda que certamente pesou na decisão dos
aplicativos de transporte de partirem para a briga com a Prefeitura.
Trata-se de um caso clássico de demanda
reprimida que gera resposta econômica sem mediação do poder público. Como
flagrou a reportagem do Estadão, o serviço de mototáxi oferecido em
regiões periféricas, que nada tem a ver com os aplicativos de transporte, apela
diretamente ao usuário potencial, é organizado e, em alguns casos, oferece até
mesmo viagens grátis após cinco corridas, o chamado “cartão fidelidade”.
O que o serviço de mototáxi ilegal escancara
é que a realidade se impõe como solução. Para muito além da batalha entre
Prefeitura e aplicativos, enquanto o transporte público acessível e de
qualidade não for uma realidade para todos os paulistanos, o cidadão seguirá
escolhendo o perigo em vez do desconforto.
Os atrasos civilizatórios nas ruas do país
Correio Braziliense
A precariedade das calçadas nas cidades
brasileiras, como mostra o IBGE, representa muito mais do que um transtorno: é
um ataque direto à cidadania
Um recente estudo do IBGE revelou um dado
alarmante, mas infelizmente não surpreendente: a maioria das cidades
brasileiras carece de calçadas adequadas e de arborização mínima. Essa questão
é muitas vezes tratada como secundária, mas é chave na estruturação de um
espaço urbano saudável, inclusivo e seguro. Trata-se de garantir a mobilidade
urbana de todos os cidadãos, não importa a condição social e/ou física.
A ausência de calçadas em bom estado de
conservação e acessibilidade, comprometendo o deslocamento dos cidadãos, além
de sinalização adequada para travessia das vias, é um sintoma de atraso
civilizatório. E escancara o fracasso do planejamento urbano no Brasil — um
fracasso que não se limita à estética da cidade, mas que revela uma teia de
exclusões mais profunda e perigosa.
A precariedade das calçadas representa muito
mais do que um transtorno: é um ataque direto à cidadania. Para idosos,
crianças e pessoas com deficiência (PcD), circular pelas ruas brasileiras é um
desafio cotidiano. Um risco que leva muitas pessoas a não saírem de casa. Sem
acessibilidade, o direito de ir e vir é negado. A cidade deixa de ser um espaço
de convivência para se tornar uma zona de risco.
Esse cenário não é isolado. A falta de
calçadas é frequentemente acompanhada por outra chaga urbana: a ausência de
saneamento básico e de galerias pluviais. Onde falta cuidado com a superfície,
falta também com o subsolo. O esgoto a céu aberto ou vazamentos na sua rede
contaminam o sistema de abastecimento de águas. Sem drenagem eficiente, as
chuvas arrastam lixo, contaminam mananciais, provocam enchentes e espalham
doenças. Em vez de política pública, o que se vê é a política do improviso e da
omissão.
E como tudo isso se conecta com a violência?
De forma direta: espaços urbanos degradados, escuros, abandonados pelo poder
público tornam-se férteis para o crescimento da criminalidade. A ausência do
Estado na forma de infraestrutura abre espaço para outras formas de controle —
muitas vezes, armadas, violentas, autoritárias. A territorialização do crime
organizado, do tráfico de drogas e da milícia. Sem calçadas e ruas seguras, mas
com medo constante e sensação de abandono, a cidade se fecha em si mesma.
O que está em jogo, portanto, não é apenas a
urbanização ou o paisagismo, mas a própria democracia urbana. Uma cidade que
exclui os mais frágeis de seus espaços é um campo minado. O estudo do IBGE
deveria servir como um alerta, mas precisa ser mais do que isso: deve ser o
ponto de partida para uma política urbana integrada, que trate mobilidade,
saneamento, segurança e meio ambiente como direitos inseparáveis.
Não devemos seguir tropeçando nas calçadas
esburacados ou no meio-fio de ruas mal-cuidadas, de cidades feitas para poucos,
que deixam muitos à margem, no asfalto quente e invisível da exclusão.
Prefeitura atualiza Orçamento Participativo
O Povo
A iniciativa não pode ser apenas uma peça
propagandista, sendo necessário que faça a diferença na vida dos fortalezenses
O chefe do Executivo Municipal, Evandro
Leitão (PT), está atualizando o modelo Orçamento Participativo (OP),
implementado por Luizianne Lins (PT), no período em que ela foi prefeita de
Fortaleza (2015-2027) — e que perdeu centralidade com outros gestores.
A propósito, como conta o próprio PT em sua
página na internet, o Orçamento Participativo foi criado pelo partido e
implementado pela primeira vez em Porto Alegre (RS), durante a administração de
Olívio Dutra, em 1989. Mas, após tornar-se um símbolo do "modo petista de
governar" — e ter servido de exemplo para várias cidades no mundo —, o
próprio PT passou a secundarizar ou encerrar a prática em suas diversas
administrações.
É de muita importância, portanto, a
disposição demonstrada pelo prefeito em fortalecer os mecanismos de consulta e
decisão populares, implementando, na prática, a democracia direta. Ninguém
melhor do que os próprios moradores de Fortaleza para saber quais são as suas
necessidades mais urgentes, de modo a incluí-las no orçamento da cidade.
Para iniciar a escuta, a Prefeitura iniciou
os primeiros encontros do Ciclo de Fóruns Territoriais que ocorrerão, durante
este mês de abril, em 39 locais, abrangendo todas as Regionais.
O objetivo dos encontros é complementar as
iniciativas e programas que serão implementados durante a gestão — também
considerados para o Plano Plurianual 2026-2029. Participaram das reuniões cerca
de 1.300 pessoas, residentes de quatro Regionais.
Artur Bruno, presidente do Instituto de
Pesquisa e Planejamento de Fortaleza (Ipplan), disse que o intento é construir
um planejamento "efetivamente participativo". Ele diz que está
reunido a população e líderes locais para apresentarem suas demandas.
Após esse processo, diz ele, haverá uma
"devolutiva" para voltar ao diálogo com os moradores, informado o que
poderá ser feito. Esse procedimento corrige um problema detectado no Orçamento
Participativo, segundo Bruno: "A população definia suas prioridades, mas
não havia retorno da gestão para a comunidade".
Devido à burocratização que normalmente
acomete as administrações depois de eleitas, afastando-se do corpo a corpo com
a população, é bem-vinda a proposta da Prefeitura em buscar essa aproximação
democrática e produtiva. No entanto, a iniciativa não pode ser apenas uma peça
propagandista, sendo necessário que faça a diferença na vida dos fortalezenses.
Portanto, é preciso acompanhar de perto essa experiência antiga, mas que pode
tornar-se novamente inovadora.
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