Folha de S. Paulo
A venda racialista tem tecido espesso, como
mostra a divulgação de pesquisa
Estudantes brancos apresentam desempenho
escolar superior ao dos pretos, pardos e indígenas (PPI). A diferença de
desempenho ampliou-se entre 2013 e 2023 em todas as etapas do ensino
fundamental e médio. Os diagnósticos aparecem em análise de microdados do Saeb
pelo Iede e o Todos pela Educação. Esse capítulo da pesquisa apresenta-se como
um registro sobre desigualdades raciais –mas é outra coisa.
Em língua portuguesa, em 2023, 45,6% dos
alunos brancos do 9º ano atingiram nível adequado de aprendizagem, contra 31,5%
dos PPI. A diferença aumentou de 9,6 para 14,1 pontos percentuais entre 2013 e
2023. Algo similar ocorreu em matemática, área na qual a diferença aumentou 2,4
pontos.
Na década sob exame, as políticas de raça universalizaram-se. Um crítico de tais políticas poderia cair na tentação de enxergar na pesquisa uma evidência de seu fracasso. Seria um equívoco: a ampliação das desigualdades educacionais é um perverso sintoma de seu sucesso.
A obsessão pela raça conduziu a pesquisa a
batizar o fenômeno investigado com o nome errado. Só estaríamos diante de
desigualdades raciais na educação caso a comparação fosse entre alunos brancos
e alunos PPI das mesmas escolas. Nessa hipótese, precisaríamos acreditar que,
praticando a mais ignóbil discriminação racial, professores, coordenadores e
diretores escolares espalhados pelo Brasil inteiro acharam um jeito de educar
melhor os alunos brancos que seus colegas de classe não-brancos.
De fato, porém, a pesquisa compara a média
geral dos estudantes brancos com a dos estudantes PPI. Dito de outro modo,
coteja escolas diferentes pois, na média, os alunos não-brancos formam maiorias
nas escolas situadas nas áreas mais pobres. O fenômeno precisa ser batizado
corretamente: desigualdades socioeconômicas.
O adequado uso dos conceitos desvenda os
diagnósticos relevantes: 1) nosso sistema educacional não consegue ensinar
língua portuguesa ou matemática para a maior parte das crianças e jovens; 2) o
desastre aumenta na razão inversa da renda familiar dos alunos –e a disparidade
acentua-se ao longo do tempo.
Quinze anos atrás, quando se consolidavam as
políticas de raça, ouviu-se o alerta. Os críticos dissemos que as iniquidades
sociais passariam a ser interpretadas como função do racismo, não das
estruturas de poder político –e as cotas raciais desviariam a atenção para
longe da nossa tragédia educacional. Nisso, o identitarismo racial obteve
triunfo absoluto.
As cotas raciais nasceram no ingresso às
universidades, sob a alegação de compensar as desigualdades no ponto de
partida. A alegação original foi logo esquecida, enquanto as cotas expandiam-se
à pós-graduação, à contratação de docentes universitários e à burocracia
estatal. Nesse percurso, o cenário educacional piorou: a maioria dos pobres, de
todas as cores, segue incapaz de operar com as palavras e os números.
A venda racialista é feita de tecido espesso,
como prova a pesquisa Iede/Todos pela Educação. Ela poderia usar
consistentemente a linguagem da desigualdade econômica, envergonhando os
poderes constituídos e provocando-os a encarar o tema da reforma educacional.
Prefere, contudo, envelopar seu diagnóstico na linguagem da raça, promovendo
apenas pregações melífluas sobre o "racismo estrutural". Sorte dos
poderes constituídos.
Nenhum comentário:
Postar um comentário