sábado, 3 de maio de 2025

De olhos vendados - Demétrio Magnoli

Folha de S. Paulo

A venda racialista tem tecido espesso, como mostra a divulgação de pesquisa

Estudantes brancos apresentam desempenho escolar superior ao dos pretos, pardos e indígenas (PPI). A diferença de desempenho ampliou-se entre 2013 e 2023 em todas as etapas do ensino fundamental e médio. Os diagnósticos aparecem em análise de microdados do Saeb pelo Iede e o Todos pela Educação. Esse capítulo da pesquisa apresenta-se como um registro sobre desigualdades raciais –mas é outra coisa.

Em língua portuguesa, em 2023, 45,6% dos alunos brancos do 9º ano atingiram nível adequado de aprendizagem, contra 31,5% dos PPI. A diferença aumentou de 9,6 para 14,1 pontos percentuais entre 2013 e 2023. Algo similar ocorreu em matemática, área na qual a diferença aumentou 2,4 pontos.

Na década sob exame, as políticas de raça universalizaram-se. Um crítico de tais políticas poderia cair na tentação de enxergar na pesquisa uma evidência de seu fracasso. Seria um equívoco: a ampliação das desigualdades educacionais é um perverso sintoma de seu sucesso.

A obsessão pela raça conduziu a pesquisa a batizar o fenômeno investigado com o nome errado. Só estaríamos diante de desigualdades raciais na educação caso a comparação fosse entre alunos brancos e alunos PPI das mesmas escolas. Nessa hipótese, precisaríamos acreditar que, praticando a mais ignóbil discriminação racial, professores, coordenadores e diretores escolares espalhados pelo Brasil inteiro acharam um jeito de educar melhor os alunos brancos que seus colegas de classe não-brancos.

De fato, porém, a pesquisa compara a média geral dos estudantes brancos com a dos estudantes PPI. Dito de outro modo, coteja escolas diferentes pois, na média, os alunos não-brancos formam maiorias nas escolas situadas nas áreas mais pobres. O fenômeno precisa ser batizado corretamente: desigualdades socioeconômicas.

O adequado uso dos conceitos desvenda os diagnósticos relevantes: 1) nosso sistema educacional não consegue ensinar língua portuguesa ou matemática para a maior parte das crianças e jovens; 2) o desastre aumenta na razão inversa da renda familiar dos alunos –e a disparidade acentua-se ao longo do tempo.

Quinze anos atrás, quando se consolidavam as políticas de raça, ouviu-se o alerta. Os críticos dissemos que as iniquidades sociais passariam a ser interpretadas como função do racismo, não das estruturas de poder político –e as cotas raciais desviariam a atenção para longe da nossa tragédia educacional. Nisso, o identitarismo racial obteve triunfo absoluto.

As cotas raciais nasceram no ingresso às universidades, sob a alegação de compensar as desigualdades no ponto de partida. A alegação original foi logo esquecida, enquanto as cotas expandiam-se à pós-graduação, à contratação de docentes universitários e à burocracia estatal. Nesse percurso, o cenário educacional piorou: a maioria dos pobres, de todas as cores, segue incapaz de operar com as palavras e os números.

A venda racialista é feita de tecido espesso, como prova a pesquisa Iede/Todos pela Educação. Ela poderia usar consistentemente a linguagem da desigualdade econômica, envergonhando os poderes constituídos e provocando-os a encarar o tema da reforma educacional. Prefere, contudo, envelopar seu diagnóstico na linguagem da raça, promovendo apenas pregações melífluas sobre o "racismo estrutural". Sorte dos poderes constituídos.

 

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