quarta-feira, 17 de dezembro de 2025

Lições a tirar da vitória de Kast no Chile. Por Sergio Fausto

O Estado de S. Paulo

O fato de que seja um político de extrema direita não significa que Kast fará necessariamente um governo de extrema direita

Trinta e cinco anos depois do fim da ditadura militar de Augusto Pinochet, a direita pura e dura volta ao poder no Chile. José Antonio Kast, presidente eleito, jamais negou sua admiração pelo general que governou o país de maneira brutal por 17 anos. Não hesitou sequer em visitar na prisão notórios torturadores e assassinos, condenados por violações aos direitos humanos.

Kast é um ultradireitista católico que até recentemente presidiu a Red Política de Valores, uma associação internacional que promove a agenda em favor da “família natural” e contra a “ideologia de gênero” e a homossexualidade.

Defensor da proibição total do aborto, mesmo em caso de estupro, evitou o tema durante a campanha. Fez do combate ao crime e à imigração ilegal as suas principais bandeiras e da política de “mano dura”, inspirada em Nayib Bukele, a sua principal proposta.

O fato de que seja um político de extrema direita não significa que Kast fará necessariamente um governo de extrema direita. Sem maioria no Congresso, terá de negociar com a direita moderada – por ele chamada de “direitinha covarde” – e com os parlamentares do “Partido de la Gente”, um aglomerado heterogêneo cujo candidato à presidência, Franco Parisi, obteve 20% dos votos, sob o lema “ni fachos ni comunachos”. Embora pertença à mesma família política de Trump, Milei e Bolsonaro, Kast é tido como um político mais respeitoso das instituições democráticas. O tempo e as circunstâncias dirão se a diferença é de aparência – ele se traja com sobriedade e fala com apuro – ou é real. Seja como for, o Chile deu uma guinada forte à direita, apenas quatro anos depois de eleger o presidente mais à esquerda desde o fim da ditadura de Pinochet.

Que aprendizados se podem extrair da eleição de Kast? O primeiro é que as forças de centrodireita e centro-esquerda que, em alternância, deram estabilidade política ao Chile por mais de duas décadas estão em crise profunda. Na América do Sul, o Uruguai tornou-se a única e pequena exceção à tendência de polarização política.

O segundo aprendizado diz respeito à crescente i mportância eleitoral da (in)segurança pública. E da percepção do eleitorado a seu respeito. O Chile continua a ser um dos países mais seguros da região, com seis homicídios por 100 mil habitantes, mas o sentimento de insegurança explodiu, a ponto de colocá-lo em sexto lugar entre 155 países no quesito “medo de andar à noite”, segundo a revista The Economist. A explicação está provavelmente no ritmo de crescimento da criminalidade violenta – a taxa era de 4,5 homicídios por 100 mil habitantes em 2018 – e na capacidade das forças de direita de politizar o assunto.

É fato que, em seus dois primeiros anos, o governo Boric não encontrou resposta efetiva ao aumento da imigração ilegal pela fronteira norte com o Peru e à contestação da ordem pública por grupos indígenas radicalizados no sul do país. O aumento da imigração ilegal se deu ao mesmo tempo que o crescimento da criminalidade associada ao narcotráfico. Uma pequena parte dos imigrantes ilegais pertence a organizações criminosas de outros países, em particular da Venezuela. Embora na segunda metade do seu mandato Boric tenha retomado o controle da ordem pública no sul do país, com redução de 70% dos casos de violência, e da imigração pela fronteira norte, já se havia instalado na população a ideia de um “governo fraco”.

A terceira lição é sobre os riscos que o aumento da insegurança real (medida por indicadores) e percebida pela população acarreta para a democracia. Pesquisa do Centro de Estudios Políticos (CEP), respeitado think tank chileno, publicada em outubro, mostra que 45% das pessoas, quando solicitadas a opinar sobre o que pensam sobre suprimir as liberdades públicas e privadas para combater a delinquência, dizem concordar ou concordar muito com essa afirmação.

Por fim, não se devem tirar conclusões precipitadas, muito menos fatalistas, sobre o futuro político do Chile e da região. Parte da guinada à direita explicase por um sentimento contra o governo de turno. Nos últimos 19 anos, a oposição venceu todas as eleições presidenciais no Chile. Além disso, a moderação política não deixou de ser um valor. A mesma pesquisa do CEP revela que 62% dos chilenos dizem preferir líderes que negociam acordos com os adversários. Apenas 18% dizem ser contrários ao aborto em quaisquer condições.

Também não esmoreceu a demanda por mais investimento público em saúde, educação, previdência social e, agora, segurança pública, que levou Boric à vitória quatro anos atrás. A unanimidade dos analistas descrê da viabilidade política de Kast cumprir a promessa de fazer um corte profundo dos gastos públicos sem atingir programas sociais aprovados por governos de centroesquerda e centro-direita anteriores, como o Pensión Universal Garantizada, que assegura uma aposentadoria mínima a todos os chilenos. Trata-se de um programa indispensável para complementar aposentadorias miseráveis geradas pelos antes endeusados fundos de previdência privada criados na ditadura de Pinochet.

Nenhum comentário: