As chances de 2009

Miriam Leitão
DEU EM O GLOBO

Dos riscos de 2009 você já sabe, e eu não quero estragar seu primeiro dia do ano falando deles. Tempo haverá. Vamos pensar nas chances. O governo Bush está por apenas mais 19 dias e isso é um alívio! Portanto, a primeira chance vem de lá, fonte dos nossos problemas atuais: os Estados Unidos. Não há milagres, mas o mundo pode esperar um novo estilo de liderança.

Há uma chance razoável de que uma mudança decisiva ocorra na política climática. Tudo o que Obama fez e falou até agora, todas as pessoas que nomeou, permite que o mundo aposte realisticamente que a primeira potência vai fazer parte da solução da questão climática. Fica para trás a política de negação das evidências visíveis e das provas científicas de que o excesso de emissão de carbono provocada pelos seres humanos está pondo o planeta em risco, e o maior emissor é exatamente o país que lidera o mundo. As equipes de energia e meio ambiente do novo governo trazem a vantagem da coerência: todos se comprometeram, ao longo de suas vidas profissionais, com a proteção ao meio ambiente, a busca de fontes de energia sustentável e a condenação à economia do carbono.

Mais do que isso, Obama tem apostado na onda verde como parte do processo de reconstrução da economia. A reunião de Copenhague pode não ser a do acordo global, mas terá sentado à mesa de negociação um representante americano com o qual se poderá conversar. Grande chance de a Humanidade começar a salvar o único planeta que nos acolhe, protege e alimenta.

O ano de 2009, que começa sob tanto medo econômico, pode ficar na História como aquele em que se evitou a repetição da crise de 29. Se evitar, acabará com saldo positivo. O ectoplasma daquele ano terrível continua entre nós, as bolsas estão em frangalhos, depois da enorme perda de valor de 2008, a indústria automobilística americana está por um fio, mas a grande vantagem é que o mundo já conhece 1929. Por que teria de repetir, 80 anos depois, a mesma tragédia? Os economistas sabem o que aprofundou a crise e o que funcionou no combate a ela. Se as decisões forem tomadas de maneira coordenada e sábia, pode-se evitar o pior.

Em 1929 havia um problema: o mesmo Herbert Hoover - o Bush da época - permaneceu no poder em 30, 31 e 32. Agora, o governo americano será inteiramente renovado. Há, primeiro, o efeito psicológico. A economia precisa da confiança das pessoas, e um novo governo é sempre uma injeção de ânimo. Que bom que as democracias acreditam em alternância no poder! Há também o efeito das medidas concretas que a equipe de Obama está preparando.

Se você estiver com um pouco de ressaca de 2008, pode pensar: que diferença fará um novo pacote de US$800 bilhões numa economia que já recebeu US$1 trilhão e não reagiu? A diferença é que o que foi gasto no fim do governo Bush foi de forma defensiva, para evitar a quebra dos bancos. Agora, o governo americano jogará no ataque, tentando criar empregos, aumentando os investimentos públicos.

O terceiro fator favorável é o preço da energia. Em 2008, parte da descapitalização das famílias americanas foi o preço do petróleo, que atingiu um pico inimaginável e sangrou o orçamento familiar. O que eles compravam por US$4 dólares, o galão de gasolina, agora está por um terço disso e caindo. Sobrará mais para outros gastos.

Alguns países perderam poder de fogo com a queda do preço do petróleo, e isso poderá trazer bons resultados. A Venezuela chavista terá que conter sua política expansionista na região, que tem sido um fator de perturbação na área onde está o Brasil. Temos recebido respingos dos governos financiados e insuflados por Chávez. Agora, o caixa do grotesco caudilho está bem mais magro. Do outro lado do planeta, a Rússia também foi abatida pela queda dos preços do petróleo. A disparada do produto havia turbinado as pretensões militares do país, que começaram na Geórgia e iriam adiante. A idéia era recriar a Grande Rússia.

A crise do fim de 2008 encerrou o período dos delírios. No Brasil, a disparada irracional dos preços dos ativos em bolsa criou uma falsa impressão de empresas inatingíveis, fez surgir milionários que nada produziam, permitiu que empresas sem ativos se alavancassem no mercado de capitais. O aumento da arrecadação permitiu ao governo aprovar gastos irracionais.

As descobertas do pré-sal, com o petróleo a US$143, levaram a arrogância petrolífera ao ponto do ridículo. As reservas cambiais recordes fizeram o governo apostar numa improvável blindagem contra a crise mundial. Prefiro o pé no chão, o preço real dos ativos, a consciência de que o futuro se constrói com muito trabalho e não golpes de sorte. O fim do ano foi um banho de realidade para um governo que estava sendo atacado por um perigoso surto de grandeza. O país entra em 2009 consciente das suas forças e fraquezas na dimensão exata que elas têm.

Como sempre na vida, o ano terá momentos difíceis e boas surpresas. Mas um ano em que os economistas apelidaram de "perdido", antes de ele começar, tem a vantagem de um nível de expectativa tão baixo que qualquer ganho será valorizado. Não há dúvida que será um ano em que o mundo crescerá menos. Mas pode ser, também, o ano que lançará pontes para o futuro.