Estava na sexta-feira no Aeroporto de Confins, em Belo Horizonte, esperando a hora de embarcar de volta para o Rio, quando minha atenção foi atraída por uma máquina de fazer suco de laranja. A fruta entra por um tubo, é espremida e seu bagaço é jogado numa lata de lixo pelo mesmo tubo que sobe para pegar outra laranja. De vez em quando uma laranja sai do lugar e um balconista tem que abrir a máquina e colocar a laranja no tubo certo com a mão
Enquanto admirava essa maravilha da modernidade, o celular tocou. Era o senador Aloizio Mercadante que, naquela mesma tarde, havia feito um patético discurso no Senado revogando sua decisão irrevogável de sair da liderança do PT no Senado, em protesto contra o acochambramento que livrou o presidente do Senado José Sarney dos processos no Conselho de Ética.
Enquanto ouvia as explicações de Mercadante, não me saía da cabeça aquela laranja que não entrara no fluxo normal de produção de suco e que a mão do balconista teve que recolocar no devido lugar.
O balconista tinha a cara do Lula, e a laranja era o próprio Mercadante, que acabou virando suco. Essa não é lá uma grande metáfora, mas foi assim mesmo que me ocorreu.
O senador petista tem 54 anos, mas mantém uma relação infantilizada com o presidente Lula, a quem não consegue dizer não.
Como se todos os seus eleitores, e os que acompanham sua vida pública, fossem obrigados a entender seu drama pessoal.
Até entendo, mas não compreendo que com seus avanços e recuos Mercadante tenha jogado fora uma carreira política que, embora também marcada por avanços e recuos, tinha lá sua importância dentro do PT.
Ele me diz que está convencido de que a tarefa que tem pela frente é lutar, dentro do PT, para retomar as origens do partido que ele considera abandonadas pelo pragmatismo político que domina as relações partidárias no Congresso.
A versão de Mercadante para a conversa de cinco horas com o presidente Lula não coincide com relatos muito mais cruéis vazados pelo Palácio do Planalto e por setores petistas, que dão conta de que a conversa “amiga e franca, relembrando momentos históricos dos últimos 30 anos” foi, na verdade, um “puxão de orelhas” do presidente Lula em seu pupilo, a quem teria dito: “Não dá para vacilar diante do primeiro embate. As alianças têm duas mãos”.
Ora, o presidente Lula assume nessa frase todo o pragmatismo que levou o PT a apoiar primeiro Renan Calheiros, e agora José Sarney, episódios em que o senador Aloizio Mercadante vacilou, ficando sem apoio de nenhum lado.
Na votação para salvar Renan Calheiros da cassação no plenário do Senado, ele se absteve e deu o sinal para que sua bancada seguisse o caminho que aparentemente era o mais fácil para cumprir as determinações do Palácio do Planalto e não sujar as mãos publicamente.
Não ganhou o reconhecimento de Renan Calheiros e perdeu credibilidade diante dos seus eleitores. Desta vez, tentou uma manobra mais coerente com seu discurso e a direção nacional de seu partido passou por cima dele como um trator, desautorizando-o publicamente, seguindo orientação pessoal do presidente Lula.
Ao anunciar que renunciaria à liderança do partido, Mercadante estava fazendo o gesto político que o reconciliaria com a opinião pública, mas o colocava em choque com todo o aparato partidário e com o Palácio do Planalto.
O senador Eduardo Suplicy passou por esse mesmo problema em 2006, e só não foi boicotado pela cúpula do PT porque ela não tinha, àquela altura, força política para retalia-lo, ferida de morte pelo mensalão, a gota d’água que transbordou o copo de mágoas do establishment petista contra Suplicy, que defendeu as investigações.
Mas Suplicy por pouco não se elegeu, quase sendo atropelado pelo candidato do DEM Afif Domingues.
A revogação da palavra por parte de Mercadante pode significar seu suicídio político na reeleição de 2010, mas ele não tinha opção, pois o partido já o avisara que poderia não ter a legenda para disputar uma das vagas para o Senado se persistisse nessa posição de dissidente.
Concomitantemente, a exprefeita Marta Suplicy lançou sua candidatura ao Senado, e dificilmente Mercadante terá força política para demovê-la do intento.
Mas para um político que pretende representar a ala moderna do partido — tem twitter, Orkut, myspace, facebook, blog — e que defende a retomada dos princípios éticos que teriam fundamentado o Partido dos Trabalhadores em outras épocas, Mercadante, que queria passar a ideia de ser um peixe fora d’água nesse novo petismo, agora parece uma caricatura de si mesmo — na feliz percepção do Chico Caruso — pendurado num cargo que sabe que não tem condições políticas de exercer.
O episódio dos “aloprados” na eleição de 2006, em que um grupo de petistas comprou dossiês contra José Serra, então seu adversário ao governo de São Paulo, e Geraldo Alckmin, candidato tucano à Presidência da República, já marcara sua vida política, pois seu principal assessor de campanha eleitoral era o comandante da operação ilegal que ele alega até hoje ter sido montada à sua revelia.
Mas Mercadante tem uma utopia: a aliança política entre PT e PSDB para garantir a governabilidade, sem a necessidade de negociar com o PMDB a cada passo, como aconteceu agora no episódio Sarney.
A julgar pela reação irada dos petistas diante da revelação de que acatara também pedidos do presidente do PSDB, Sérgio Guerra, e do líder tucano, Arthur Virgilio, essa será mais uma utopia a ser arquivada.
E, do lado dos tucanos, se depender de José Serra, o “mitômano” Mercadante também não terá vez nessa eventual coligação. Se é que ele terá um mandato para defende-lo no próximo Congresso.
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