domingo, 13 de junho de 2010

O pragmatismo do voto:: Merval Pereira

DEU EM O GLOBO

Cresce entre os estudiosos a sensação de que a distribuição geográfica do voto nas últimas eleições tem se dado mais por motivos pragmáticos do que ideológicos.

Mesmo com o presidente Lula sendo o mais popular dos presidentes a tentar eleger sua sucessora, o país continua praticamente dividido, como demonstram as pesquisas de opinião, que, sem exceção, colocam os dois candidatos em um empate literal, como foi o caso de Ibope e Datafolha — Dilma e Serra com 37% — ou técnico, como apontam Vox Populi e Sensus, dando ligeira vantagem a Dilma, na margem de erro.

O país tem se dividido desde 2006, quando no primeiro turno o candidato tucano, Geraldo Alckmin, recebeu surpreendentes 42% dos votos, enquanto Lula foi para o segundo turno com 48%.

Como apontam dois estudos recentes, um do cientista político Cesar Romero Jacob, da PUC do Rio, já abordado aqui na coluna, e outro do próprio Ibope, os programas assistenciais do governo não justificam por si só a votação na candidata da situação.

Romero Jacob costuma dizer que os eleitores têm votado “com a bolsa e com o bolso”, chamando a atenção para o fato de que as questões econômicas têm influenciado o voto também contra o governo.

Um exemplo clássico é a votação no Sul do país, que tem sido recorrentemente contra o governo, muito devido a questões ligadas à safra agrícola e aos prejuízos que a valorização do real vem causando às exportações.

Mesmo os pequenos agricultores, acostumados a votar com a esquerda desde os tempos de Leonel Brizola, estariam agora ligados à cadeia produtiva do agronegócio, sofrendo os danos da valorização do real.

É claro que características políticas regionais também influenciam o voto, como a disputa entre o PMDB e o PT no Rio Grande do Sul, impossível de ser superada por acordos de cúpula nacional.

Embora existam estudos, como o de Jairo Nicolau, do Iuperj, demonstrando que Lula vence as eleições em todas as regiões mais atingidas pelos programas assistencialistas, especialmente o Bolsa Família, está claro que por si só esses programas não são suficientes para definir a vitória.

O candidato tucano, José Serra, por exemplo, vence a candidata oficial mesmo entre os eleitores beneficiados pelos programas assistenciais do governo nas regiões Sul e Sudeste.

A vantagem dos tucanos nessas duas regiões se sobrepõe aos efeitos do assistencialismo do governo.

Já nas regiões Norte/Nordeste/ Centro-Oeste, a candidata Dilma Rousseff tem praticamente a metade dos votos dos beneficiados pelo Bolsa Família, e vence com larga margem a disputa presidencial, mesmo nos setores não atingidos pelo assistencialismo governamental.

Nessas três regiões somadas, ela vence Serra por 45% a 28%, sendo a preferida em todas as camadas de renda e escolaridade, o que indica que não são apenas os programas assistencialistas que levam o eleitorado dessas regiões a apoiar o governo.

Da mesma maneira, no Sul e no Sudeste, é Serra quem vence em todos os estratos eleitorais.

Essa divisão regional, e a polarização entre PT e PSDB que está ficando clara nesta eleição, faz com que os coordenadores das candidaturas comecem a traçar um quadro levando em conta que existem estados “tucanos” e estados “petistas”.

O ex-deputado Ronaldo Cesar Coelho, da coordenação da candidatura tucana, trabalha com a ideia de que o Brasil está se dividindo como os Estados Unidos, que tem estados republicanos e estados que votam nos democratas.

É por isso, por exemplo, que o ex-prefeito Cesar Maia, candidato ao Senado pelo DEM e um estudioso de pesquisas, acredita que a eleição será decidida nos estados de Minas e Rio.

Segundo seu cálculo, Serra vencerá em São Paulo e nos estados do Sul, que representam 37% do eleitorado.

Dilma vencerá no Nordeste e no Norte, que representam 35% do eleitorado. Como no Centro-Oeste o equilíbrio é grande, a decisão ficaria para os 20% do eleitorado representado por Rio e Minas.

Esses dois estados, por sinal, são difíceis de serem definidos como estados “petistas” ou “tucanos”. Minas é governado por Aécio Neves há oito anos, mas Lula ganhou a eleição presidencial de 2002 e de 2006 por uma diferença de um milhão de votos.

O Rio de Janeiro tem no governador Sérgio Cabral, do PMDB, o favorito para o governo, e ele apoia a candidatura de Dilma devido à sua ligação com o presidente Lula.

Mas a disputa pelos royalties do petróleo pode afastá-lo da candidatura oficial. Ele e o governador do Espírito Santo, Paulo Hartung, decidiram não ir à convenção do PMDB que oficializará o apoio à candidata do PT. Decisão que não deve interferir no resultado final, mas indica uma situação de desconforto na relação.

Se Minas se transformar em um estado realmente tucano, dando a vitória a José Serra, terá papel decisivo no resultado final. Mas há uma desconfiança de que a prioridade de Aécio Neves seja eleger Antonio Anastasia para o governo, e com isso a chapa “Dilmasia” ganharia vida própria.

Há também aparente resistência de Alckmin a se empenhar na campanha presidencial.

Apenas em uma ocasião, em 2002, o candidato petista venceu a eleição presidencial em São Paulo. Na eleição de 2006, mesmo perdendo para Lula, Alckmim venceu a eleição por quase 4 milhões de votos de diferença.

Nas eleições de 1994 e 1998, FH derrotou Lula em São Paulo por diferenças que chegaram a 5 milhões de votos. Por isso, Serra fazia planos de vencer este ano em São Paulo por um vantagem de 6 milhões de votos para, juntamente com Minas, garantir uma diferença que lhe assegurasse a vitória. Mas precisará primeiro conseguir a unidade partidária.

Há ainda o fator Marina Silva, que aparece nas pesquisas com cerca de 10% dos votos.

Se conseguir chegar a 15% mobilizando os jovens, provavelmente impedirá que a eleição se decida no primeiro turno e ganhará um cacife eleitoral para fazer um acordo programático com um dos dois candidatos finalistas.

No entanto, a candidata do PV pode ficar emparedada com a polarização entre PT e PSDB, e o fato de que há nesta eleição uma leva de eleitores especiais — as cerca de 100 milhões de pessoas de uma classe média conservadora, milhões delas incorporadas recentemente ao mercado de consumo, sem grandes preocupações com o meio ambiente — que pode decidir o resultado.

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