domingo, 13 de junho de 2010

Homem biombo:: Miriam Leitão

DEU EM O GLOBO

O deputado e ex-ministro Antonio Palocci virou o homem-biombo da candidatura Dilma Rousseff. Ele vai na frente, fala com os empresários e os dirigentes do mercado financeiro. Promete que com ela não será diferente na área econômica. Com a garantia do ex-ministro que foi considerado “um achado” na época da transição para o governo Lula, está crescendo o apoio a Dilma nesse grupo.

O enviado especial à elite financeira e econômica repete o discurso que ele aprendeu, e que é música para os ouvidos do empresário e do mercado financeiro.

O problema é que o risco Dilma é diferente do que era visto como o risco Lula. A natureza da ameaça agora é fiscal e de fortalecimento do intervencionismo estatista, que já apareceu no segundo mandato.

Esse modelo é frontalmente contraditório com a estabilização econômica. Ele não provoca uma ruptura imediata, mas mina a médio e longo prazo o que foi construído durante duas décadas.

É um risco implícito.

O risco José Serra está mais explícito. Ele deixou no ar os temores de uma intervenção indevida no Banco Central que poderia abalar um dos pilares da política econômica que estabilizou o Brasil derrotando as altas taxas de inflação.

Não se sabe o que ele fará com o Banco Central porque ele não explicou direito. Sua reação à questão só levantou mais suspeitas e dúvidas.

E elas só acontecem porque Serra tem a imagem de voluntarismo na área da política monetária e cambial construída em declarações e atitudes anteriores. Tem um trabalho a fazer em exorcizar esses fantasmas que só reapareceram porque sempre estiveram de alguma forma relacionados ao candidato do PSDB.

A oportunidade de aproveitamento da fraqueza do adversário foi vista pelo exministro Palocci. Ele foi o calmante dado ao mercado e às empresas em 2002.

Com o discurso aprendido com economistas estrangeiros ao partido, Palocci na época disse que seriam mantidos as metas de inflação, o câmbio flutuante, os contratos, a autonomia do Banco Central, a Lei de Responsabilidade Fiscal, a normalidade da relação com credores da dívida interna e externa. Isso era o avesso de um programa de governo que na época propunha intervenção no sistema de preços, auditoria da dívida externa, plebiscito sobre pagamento de dívida, centralização cambial, fim do superávit primário.

A nomeação de Palocci para o Ministério da Fazenda, e não de qualquer um dos autores do programa econômico, foi o tranquilizante distribuído ao mercado pelo presidente Lula.

A equipe da Fazenda, toda montada com integrantes da máquina ou economistas de fora do PT, foi a segunda dose do calmante. Seu anúncio de elevar o superávit primário, a terceira. A nomeação de Henrique Meirelles encerrou o ciclo do medo de mudança naqueles pilares mais imediatos da estabilidade. Como resultado, as linhas de comércio voltaram, o risco Brasil caiu, o dólar caiu, a inflação foi baixando.

Hoje, o mercado e os empresários estão renovando sua confiança diante das garantias dadas por Palocci de que tudo será como antes.

Mas os riscos reais são outros. Palocci é o mesmo cuja proposta de déficit zero foi escorraçada pela então ministra-chefe da Casa Civil com a afirmação de que ela era “rudimentar” e que antes era preciso “combinar com os russos”. A proposta não tinha nada de rudimentar, era apenas fazer a boa política de aproveitar a época do boom e de crescimento da arrecadação para conter os gastos e dobrar a aposta fiscal. Isso teria derrubado mais os juros, evitaria a elevação da carga tributária, e criaria um círculo virtuoso.

Dilma por tudo o que disse, fez, decidiu é a favor do aumento extravagante do gasto público e tem uma visão da presença do Estado na economia que é muito semelhante à do período militar, cuja política econômica, ela e Lula citam com indisfarçável saudosismo.

Isso tem um preço alto como já se viu no passado.

Um empresário com conhecimento do assunto garantiu que o final da história de Belo Monte já está escrito: ela custará muito mais do que o orçado — R$ 30 bilhões em vez dos R$ 19 bilhões previstos — e acabará sendo um empreendimento total, inequivocamente, estatal. Hoje, já está claro que os riscos foram estatizados e os lucros serão apropriados em grande parte pelos sócios privados financiados a prazos longos e com juros baixos.

Belo Monte é apenas um dos exemplos, existem vários.

Ninguém que tenha informação sobre o assunto acha que o trem bala Rio-SP terá o preço que o governo calcula. É uma obra de engenharia de complexidade por trafegar entre o nível do mar e 800 metros, entre vários outros desafios tecnológicos.

Seu custo real está sendo calculado como muito mais do que os R$ 36 bilhões. Pode chegar a R$ 50 bilhões, pelo menos com vantagens e retorno não claramente dimensionados.

Essa visão de Estado de tocar projetos de impacto, a qualquer custo, iniciando as obras quando ainda não foram dimensionados os custos fiscais da opção, embute um risco enorme de elevação de carga tributária e de abalo das bases do edifício da estabilização tão duramente conquistadas.

Hoje não basta ouvir as palavras de garantia de apoio a determinadas políticas, é preciso entender o resultado das opções feitas.

Os riscos hoje são mais sutis do que na época do “vou mudar tudo isso que está aí”. Eles não são sequer percebidos em sua totalidade.

Ou são, e poucos gostam de admitir. A maioria das empresas brasileiras hoje é sócia do governo ou dependente químico do dinheiro subsidiado do BNDES.

Mesmo quem acha que há riscos no cenário Dilma prefere não falar. Por outro lado, o risco Serra também não foi exorcizado. Assim vamos para as eleições.

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