É incontestável: não tives¬sem acontecido as CPIs do PC e dos Correios não teria havido a destituição de Fer¬nando Collor nem hoje estaria em julgamento o processo do mensalão.
As denúncias de Pedro Collor so¬bre as negociatas do tesoureiro Pau¬lo César Farias no governo do irmão teriam caído no vazio, bem como va¬leriam os desmentidos às revelações de Roberto Jefferson sobre um esque¬ma de formação de maioria congressual em troca de vantagens financei¬ras e a vida seguiria.
Sem o trabalho das comissões de inquérito, o levantamento de provas e tomada de depoimentos à vista do País, nenhum dos casos teria adquiri¬do materialidade e hoje provavelmente ambos seriam enquadrados na catego¬ria das meras suposições.
O escrutínio público tornou irreversí¬veis as consequências.
Natural, portanto, que o Brasil cele¬brasse o papel das CPIs, as reconheces¬se como instrumentos essenciais no aperfeiçoamento institucional e refor¬çasse suas funções.
Mas, ao que parece justamente pelas qualidades do instituto, vem ocorrendo o contrário: nos últimos anos houve es¬vaziamento na função das comissões de inquérito que têm a validade do produ¬to de suas investigações contestada e praticamente perderam a condição de interrogar testemunhas e investigados.
Hoje, na prática há uma inversão de ofício, com as CPIs curvando-se às conveniências dos convocados que teriam a obrigação de prestar os esclarecimen¬tos devidos às comissões.
Chegou-se ao clímax dessa distor¬ção agora na CPI do Cachoeira, cujo procedimento aprovado pela maioria é o de simplesmente dispensar a pes¬soa que invoca o direito constitucio¬nal ao silêncio.
Em 1992, quando da CPI do PC, e em 2005, por ocasião das investigações que resultaram no processo do mensalão, os depoentes depunham a despeito de a Constituição ser a mesma.
O que mudou de lá para cá?
Basicamente o aprendizado do cami¬nho das pedras e o uso deformado de uma garantia individual que, entretan¬to, não se sobrepõe à prerrogativa da comissão de tocar seu inquérito.
Os convocados "descobriram" a via do habeas corpus concedido pelo Supremo. A Justiça não tem opção a não ser curvar-se ao ditame legal do direi¬to do cidadão de não produzir provas contra si.
Mas o Legislativo tem meios de res¬peitar o silêncio sem precisar que o Judi¬ciário lhe diga como cumprir a Consti¬tuição. Não precisa, como é a regra na CPI do Cachoeira, liminarmente abrir mão do interrogatório.
A comissão poderia, sim, questionar testemunhas e investigados para explicitar as acusações preservando a deci¬são de cada um de não se defender. Se o caso for de conhecimento notório, o silêncio pode ser tomado como falso testemunho.
Ademais, nem todas as questões im¬plicam necessariamente a produção de provas contra o depoente.
Quando a CPI assim decide trabalha deliberadamente contra si, escorando-se numa decisão judicial para não as¬sumir sua vontade de não ouvir. Co¬mo o que alguns teriam a dizer não interessa a esse ou àquele partido, se ninguém falar atendem-se aos inte¬resses da maioria.
Memória. Ontem fez sete anos que o publicitário Duda Mendonça foi à CPI dos Correios dizer que recebera dinheiro de caixa 2 pelos serviços prestados à campanha presidencial de 2002, fornecendo o que o próprio governo à época considerou como a prova material que poderia sustentar a abertura de impeachment contra o então presidente Lula.
Foi o momento crucial da histó¬ria e também definidor da volta por cima.
A oposição calculou que poderia até ter razão, mas não teria a força necessária para levar adiante o pro¬cesso. O governo desistiu definitiva¬mente das reformas da trabalhista, sindical e da Previdência, renovan¬do os termos de aliança com o fun¬cionalismo público e o movimento sindical.
Um definitivo reforço no exército de defesa que a oposição pesou, me¬diu e julgoú4mpossível de enfrentar.
FONTE: O ESTADO DE S. PAULO
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