Em mais um capítulo da troca de farpas entre Dilma e FHC, adversários partidários avaliam que as divergências estão ligadas ao mensalão e às eleições municipais
Paulo de Tarso Lyra, João Valadares
A presidente Dilma Rousseff e o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso estão amuados e o relacionamento político entre os dois não é mais como era antigamente. O julgamento do mensalão, as disputas municipais — com ênfase na batalha pela prefeitura de São Paulo — e o debate conceitual entre concessões e privatizações marcaram uma semana que se iniciou com um artigo de Fernando Henrique Cardoso, prosseguiu com uma nota da presidente e terminou com um pronunciamento em cadeia de rádio e televisão. Em todos eles, farpas, divergências e um rompimento que não se sabe se será eterno.
Na noite de quinta-feira, em pronunciamento de rádio e televisão para celebrar a Independência do Brasil, Dilma anunciou a redução dos preços da energia elétrica para consumidores residenciais e empresários. Mas não deixou de alfinetar os tucanos. "Ao contrário do antigo e questionável modelo de privatização de ferrovias, que torrou patrimônio público para pagar dívida, e ainda terminou por gerar monopólios, privilégios, frete elevado e baixa eficiência, o nosso sistema de concessão vai reforçar o poder regulador do Estado para garantir qualidade, acabar com os monopólios e assegurar o mais baixo custo de frete possível", disse a presidente.
Petistas e tucanos têm suas próprias justificativas para o fim da lua de mel política. Líder do PSDB no Senado, Alvaro Dias (PR) afirma que, na verdade, as palavras da presidente embutem o desespero petista de naufragar nas eleições municipais de outubro. Vai além: afirma que a possível rejeição dos candidatos do PT — em Recife, Fortaleza, Salvador e Belo Horizonte, por exemplo, a legenda enfrenta dificuldades — não é apenas motivada por análises administrativas.
Segundo ele, os eleitores estão levando em conta o julgamento do mensalão, no Supremo Tribunal Federal, para descartar um voto em candidatos petistas. E que Dilma, ao assumir o papel de crítica acirrada de Fernando Henrique, repete o receituário que sempre foi adotado pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. "Ela demonstrou ser uma aluna disciplinada e obediente do ex-presidente Lula. O discurso proferido é ufanista e não é sincero. A presidente faz ataques a feitos anteriores para justificar fracassos atuais."
Repetição
Alvaro Dias viu poucas novidades na fala da presidente. "Ela fez apenas uma repetição de anúncios. Concessão é o apelido moderno de privatização. Em sua fala, apresentou-se ao povo brasileiro como generosa porque vai reduzir a conta de energia, mas não salientou que isso só ocorreu em virtude de uma decisão do Tribunal de Contas da União."
O líder do PT na Câmara, Jilmar Tatto (SP), divertiu-se ao saber que os tucanos seguem comparando as concessões do governo Dilma com as privatizações do governo FHC. "Isso só pode ser brincadeira. Eles fogem do debate porque sabem que vão perdê-lo." Para o líder petista, a intervenção da presidente foi importante, justamente, para se contrapor ao discurso entoado pelo tucanato. "A presidente precisava marcar essa diferença", completou.
Além do mensalão e do debate concessão versus privatização, o aumento no tom dos discursos tem como pano de fundo as eleições municipais de São Paulo. Coincidência ou não, nesta semana tanto Fernando Henrique Cardoso quanto a presidente Dilma Rousseff entraram oficialmente nas propagandas eleitorais. Dilma gravou para o candidato do PT, Fernando Haddad, enquanto Fernando Henrique participou do horário eleitoral de José Serra. "Ele precisa, de fato, ajudar o Serra, que está derretendo a olhos vistos nas pesquisas eleitorais", disse ao Correio o presidente municipal do PT em São Paulo, Antonio Donato.
Nas últimas pesquisas extraoficiais feitas pelo PT — os chamados trackings —, Serra aparece empatado com Haddad, com 16%. Donato garante ter visto um levantamento de uma legenda que está na coligação serrista mostrando o candidato tucano com 15,4%, para provar que não é má vontade do comando de campanha do PT em São Paulo.
Além disso, ele garante que o candidato do PSDB está definhando a olhos vistos na chamada extrema periferia de São Paulo. "O PSDB sempre teve entre 20% e 25% nessas regiões, frutos de alguns programas estaduais e dos genéricos, principal marca de Serra no Ministério da Saúde. Nós já identificamos que esse percentual, atualmente, está em 10% e 12%", completou Donato.
Um dos poucos políticos que utilizaram a imagem de Fernando Henrique na própria campanha — e foi eleito por isso — é o senador Aloysio Nunes Ferreira (SP). "Eu usei e acredito que tenha acertado na decisão. Foi importante para mim, pois era pouco conhecido e Fernando Henrique lembrou que eu tinha sido ministro dele", completou.
Reviravolta
21 de fevereiro de 2011
Dilma Rousseff e Fernando Henrique Cardoso se cumprimentam no aniversário de 90 anos do jornal Folha de S.Paulo. A presidente diz que gostaria de conversar com o tucano e este se coloca à disposição.
18 de março de 2011
Dilma convida Fernando Henrique e outros ex-presidente para almoço no Itamaraty em homenagem ao presidente dos Estados Unidos, Barack Obama. Lula não aparece.
12 de junho de 2011
Dilma encaminha telegrama ao ex-presidente parabenizando-o pelo aniversário de 80 anos. Reconhece, inclusive, a importância da estabilidade econômica implantada na gestão de FHC, com a criação do Plano Real.
25 de outubro de 2011
Dilma recebe Fernando Henrique e demais integrantes do The Elders, grupo formado por ex-governantes voltado para debater soluções para problemas mundiais, para um jantar no Palácio da Alvorada. Além de FH, participaram do encontro a ex-primeira-ministra da Noruega Gro Bruntland; a indiana Ela Bhatt e o ex-presidente americano Jimmy Carter.
25 de janeiro de 2012
Dilma e Fernando Henrique voltam a trocar elogios públicos na cerimônia de entrega de uma medalha comemorativa do aniversário de São Paulo.
2 de setembro de 2012
Fernando Henrique publica artigos em dois jornais criticando o governo Lula e dizendo que a presidente recebeu uma "herança maldita".
3 de setembro de 2012
Dilma divulga dura nota oficial defendendo o antecessor, afirmando que recebe uma "herança bendita" e não um país recém-saído de um apagão e com um empréstimo enorme do FMI.
6 de setembro de 2012
Em cadeia de rádio e televisão, Dilma afirma que concessões não são privatizações e que essas serviram para se "torrar o patrimônio para o pagamento da dívida pública".
FONTE: CORREIO BRAZILIENSE
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