O STF condenou banqueiros pela primeira vez em sua história. A dona do Rural, Kátia Rabello, e dois vice-presidentes foram considerados culpados pelos empréstimos fictícios ao PT e a Marcos Valério. Ayanna Tenório foi absolvida por falta de provas.
STF condena banqueiros pela primeira vez
Três dirigentes do Rural foram considerados culpados de gestão fraudulenta, dois deles por unanimidade
Carolina Brígido, Thiago Herdy
BRASÍLIA O Supremo Tribunal Federal condenou ontem três dirigentes do Banco Rural por gestão fraudulenta: Kátia Rabello, dona do banco; Vinícius Samarane, vice-presidente; e José Roberto Salgado, ex-vice-presidente. Ayanna Tenório, que respondia pelo mesmo crime, foi absolvida por falta de provas. Os quatro integravam a diretoria do Rural na época do escândalo do mensalão, e foram acusados de conceder empréstimos fraudulentos de R$ 32 milhões ao PT e a duas empresas de Marcos Valério, a SMP&B e a Graffiti. É a primeira vez que o STF condena banqueiros em ação penal julgada pela Corte. Desde o início do julgamento, o Supremo já condenou oito réus e absolveu dois. Outros 27 réus ainda não tiveram as condutas analisadas.
As condenações de Kátia e Salgado foram unânimes (10 votos a zero). Ela era presidente do banco e ainda figura como sócia. Samarane, hoje vice-presidente do banco, foi considerado culpado por oito votos a dois. Só Ricardo Lewandowski e Marco Aurélio Mello concluíram pela inocência do réu. Ayanna foi a segunda absolvida, a exemplo do ex-ministro Luiz Gushiken. A decisão foi tomada por oito votos a um. Apenas o relator do caso, Joaquim Barbosa, votou pela condenação da ré.
O capítulo encerrado ontem tomou quatro sessões. Até quarta-feira, haviam votado Barbosa, Lewandowski, Rosa Weber, Luiz Fux, Dias Toffoli e Cármen Lúcia. Ontem, votaram Gilmar Mendes, Marco Aurélio, Celso de Mello e o presidente Ayres Britto. Gilmar disse ter se convencido da ocorrência de "faltas graves" na gestão do Rural, evidenciadas em processos administrativos do Banco Central e em outras provas:
- Os dirigentes do Banco Rural optaram por administrar e gerir a instituição financeira mediante procedimentos artificiais hábeis a escamotear a realidade de várias operações.
Ayanna não teria domínio dos fatos
No entanto, Gilmar argumentou que Ayanna não poderia ser condenada pelas irregularidades cometidas pelos outros dirigentes, pois tinha acabado de ser contratada quando assinou duas renovações de empréstimos:
- É fato que ela foi advertida quanto às restrições das operações por técnicos, mas não se pode afirmar que ela tinha o domínio sobre os fatos.
Gilmar defendeu a condenação de Samarane, mesmo que ele não tenha atuado diretamente na concessão e renovação de empréstimos às empresas de Valério e ao PT.
- (Samarane) Viabilizou o encobrimento das irregularidades, na medida em que era o responsável pela confecção e produção de documentos internos - disse, criticando o fato de os balanços não refletirem a real situação do banco.
Marco Aurélio também declarou que os empréstimos eram totalmente fraudulentos. Ele condenou Kátia e Salgado pelas irregularidades, mas absolveu Ayanna e Samarane. Para o ministro, Ayanna autorizou renovações dos empréstimos por deferência a seus superiores.
Sobre Samarane, Marco Aurélio lembrou que o réu não havia assinado nenhum empréstimo ou renovação. Para ele, não se pode condenar alguém apenas por ter produzido relatórios sobre a situação financeira do banco.
- Não há crime por presunção. E o conteúdo dos relatórios não revela a tentativa de encobrir os descontos. Não há uma vírgula tendente a alcançar esse objetivo - afirmou.
Celso de Mello condenou Kátia e Salgado:
- Deveriam agir com ética e proceder com idoneidade em suas funções e isso não ocorreu - ressaltou, também condenando Samarane por agir "produzindo peças enganosas e procedendo a incorretas classificações de risco".
O julgamento foi encerrado com o voto de Ayres Britto, que, a exemplo de Celso e Gilmar, inocentou apenas Ayanna Tenório.
- A prova dos fatos é farta, pericial, testemunhal, documental, tudo a evidenciar que realmente os descuidos desse núcleo diretivo do banco (...) foram em quantidades enlouquecidas - afirmou Ayres Britto.
Segundo ele, os empréstimos foram "concedidos a fundo perdido, a descoberto, sem possibilidade de retorno". Ayres Britto ressaltou que Samarane "teve muitas possibilidades de reverter o quadro de procedimentos ilícitos, saneando a contabilidade interna do banco, e não o fez". Segundo o processo, o PT recebeu R$ 3 milhões, a SMPB, R$ 19 milhões e a Graffiti, R$ 10 milhões. Os empréstimos foram renovados a cada 90 dias pelo Rural até 2005, mesmo sem apresentação de garantias mínimas pelos tomadores.
FONTE: O GLOBO
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