Depois de alguma vacilação, o governo deu ontem indicações sobre até que ponto pretende usar o câmbio como âncora dos preços. Falta saber até onde poderá trabalhar com esses novos parâmetros - ou com outros.
A inflação já dava mostras de que estava solta demais. No dia 28, o Banco Central antecipou a rolagem de contratos de compra de dólar no mercado futuro (swap cambial), indicando que não lhe interessava o dólar acima dos R$ 2. Assim, o câmbio passou a ser usado para conter a alta de preços, ao menos no segmento de mercadorias que podem ser importadas e que, com um dólar mais baixo, desembarcariam mais baratas em reais por aqui.
Mas veio essa inflação de 6,15% em 12 meses. Como o Banco Central não tem autorização para derrubar os juros, passou a usar o câmbio como freio.
Na quinta-feira, quando o câmbio oscilava em torno de R$ 1,96, em entrevista à agência Reuters, o ministro da Fazenda, Guido Mantega, avisou que não deixaria que o dólar caísse para abaixo dos R$ 1,85. Muita gente entendeu que aí estava o novo piso agora admitido. Como as cotações estavam perto de R$ 1,96, o mercado desconfiou de que o governo toleraria uma baixa para perto de R$ 1,85. Foi quando o Banco Central interveio com nova de compra de moeda estrangeira no câmbio futuro, o que desfez essa aposta.
O governo está "desconfortável" com esse novo patamar da inflação, que deverá permanecer acima de 6% ao ano, ao menos neste primeiro semestre, com risco de que sobrevenha novo fator inflacionário, como essa inflação dos cigarros, do tomate, do arroz e do feijão em janeiro. Em outras palavras, o momento é de inflação em 12 meses mais perto do teto da meta (6,5%) do que em recuo.
Falta saber que mecanismos o governo está disposto a usar para o contra-ataque à inflação. Aparentemente, nem o Banco Central nem as autoridades da Fazenda têm clareza sobre isso. Uma saída seria levar mais a sério a disciplina das contas públicas. Menos despesas equivaleria a menos contribuição dos governos para a demanda e, assim, menos pressão sobre os preços. Mas as últimas indicações do ministro Mantega vão na direção oposta. Declarou que vai cumprir do jeito dele o superávit primário de 3,1% do PIB em 2013. A proposta inicial implicaria separar cerca de R$ 155 bilhões da arrecadação para pagamento da dívida. Mas Mantega disse que vai mudar os critérios desses cálculos, que, na prática, reduzirão o superávit.
A questão de fundo está em saber até quando o governo Dilma pode seguir com tantos resultados ruins e até que ponto esses resultados terão impacto sobre seu projeto mais importante que é o de garantir a reeleição em 2014.
Se o Banco Central não pode voltar a puxar os juros para cima; se tampouco pode derrubar demais o câmbio; e se a Fazenda não pretende cumprir à risca a meta do superávit primário, estamos sem saber como a inflação será controlada. Todas as políticas estão esticadas demais, sujeitas a imprevistos.
Por enquanto, as autoridades se limitam a apostar em que a inflação não salte para além dos 6,5% em 12 meses. Mas isso aí é agir como goleiro já batido, sabedor de que não vai alcançar a bola e que fica na torcida para que ela vá para fora.
Fonte: O Estado de S. Paulo
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