Muita pajelança Dilma terá que fazer, agora que parece ter entendido que as coisas vão mal na coalizão. E pior ficarão, na medida em que se aprofundarem os conflitos eleitorais
A presidente Dilma Rousseff faz amanhã uma pajelança com os cardeais peemedebistas para discutir os problemas de sua coalizão parlamentar, mas eles não estão apenas no PMDB. As queixas, o descompromisso crescente, o corpo mole foram se instalando ao longo dos últimos meses, mas o governo fingiu que não viu e seguiu acreditando em duas lendas. Uma, a de que a base governista contava mesmo com 423 deputados. Essa é a soma das bancadas da coalizão, não a soma dos que estão com o governo para o que der e vier. Outra lenda, a de que a alta popularidade de Dilma e suas chances de ser reeleita eram suficientes para manter a vassalagem dos aliados.
Se a base tivesse mesmo 423 deputados, mesmo na ausência de todos os 80 peemedebistas, o governo não enfrentaria dificuldades nas votações. Cada matéria tem sido aprovada a duras penas na Câmara, enfrentando a obstrução de uma oposição mais saliente e a ausência governista. A consequência foi a recusa do Senado em aprovar duas MPs. Uma semana antes, o presidente da Casa, Renan Calheiros (PMDB-AL), havia feito uso de todas as prerrogativas de seu cargo para conseguir aprovar a MP dos Portos, faltando apenas quatro horas para o prazo fatal. Para isso, comprometeu-se com o plenário a não forçar mais votações a menos de sete dias da expiração. A situação se repetiu, ele não teve outra saída. Depois do atrito telefônico com a ministra da Casa Civil, Gleisi Hoffman, Renan fez um diagnóstico preciso: as pessoas em torno da presidente precisam compreender melhor o funcionamento das instituições legislativas.
Muitas coisas o atual inquilinato palaciano parece não compreender no relacionamento com o Congresso. Demandas surgirão sempre. Um terço delas são próprias dos governos de coalizão e precisam ser atendidas. Governo de coalizão é sociedade partidária, todos têm direito aos dividendos. Outro terço é composto por demandas legítimas, dos partidos ou de setores da sociedade por eles representados. Devem ser discutidas e negociadas quando não coincidem com a posição do Planalto. Por fim, um terço é composto por interesses nem sempre legítimos, apresentados pelos que criam dificuldades para obter facilidades. Cabe ao governo separar o joio do trigo e negociar o que pode. Não dá para impor tudo sem nada ceder. Depois, é da cultura parlamentar a carência por atenção, por gestos de apreço que não custam nada, apenas um mínimo de afabilidade. Aquilo que Lula tinha de sobra e alimenta o saudosismo da base.
Outro problema é o canal. O interlocutor do governo precisa ter autonomia para negociar e poder para bancar seus acordos. Como Dilma não gosta de compartilhar uma coisa nem outra, os canais se desgastam. A ministra Ideli Salvatti conhece o Congresso, seus atores e humores. O que lhe falta é maior delegação. Fala-se que o ministro Aloizio Mercadante vai ajudar, talvez assumir as tarefas de articulação política. Ele também conhece a Casa, mas gerindo a grande máquina do MEC, não terá tempo para um papel que exige muita conversa.
O governo falha e o Congresso também claudica. Por exemplo, não aprovando o novo rito para a tramitação de MPs, a chamada PEC do Sarney, que está parada na Câmara desde o ano passado. Se estivesse em vigor, as comissões mistas estavam obrigadas a emitir parecer em 10 dias. Por isso, o deputado Garotinho protestou contra a decisão de Renan: as comissões são compostas por deputados e por senadores. E têm deixado pouco tempo também para o plenário da Câmara.
Muita pajelança Dilma terá que fazer, tendo agora entendido que as coisas vão mal. E pior ficarão, na medida em que se aprofundarem os conflitos eleitorais.
Mensalão: dois pontos
A decisão do presidente do STF, Joaquim Barbosa, de deixar para o segundo semestre o julgamento dos embargos declaratórios dos réus do mensalão levantou um receio no PT. O de que, assim como o julgamento da ação penal coincidiu com a campanha eleitoral de 2012, a análise dos embargos vá coincidir com a disputa de 2014.
Esse assunto não acabará tão cedo. Esgotados os recursos e publicado o acórdão final, os réus começarão a cumprir penas. Mas, no dia seguinte, os advogados entrarão com pedidos de “revisão penal”. É nessa fase que os réus esperam conseguir derrubar o pilar central da acusação, a de que houve desvio de dinheiro público do fundo Visanet e da Câmara dos Deputados, que tinham contratos com agências de Marcos Valério. Sem a tese do desvio, o valerioduto seria apenas um caixa dois. O jornalista Raimundo Pereira, na revista Retrato do Brasil, vem apresentando documentos comprovando a realização de todos os serviços contratados pelo Fundo Visanet, que é privado (seus recursos vieram da Visa Internacional) e não público, como sustentou o STF. Se provado que não houve desvio, cairão as condenações por peculato, por exemplo.
Fora da foto
A Comissão de Anistia do Ministério da Justiça tem nos brindado com excelentes publicações, especialmente no que diz respeito à memória da ditadura. Mas, no livro que reúne relatos de participantes do movimento estudantil sob o título 68: A geração que queria mudar o mundo, com organização de Eliete Ferrer, chama a atenção a ausência dos depoimentos de José Dirceu e Franklin Martins, pelo papel que tiveram naquelas jornadas. Em 1968, os estudantes falariam em stalinismo.
Três tarefas
O presidenciável tucano Aécio Neves fixou três tarefas para esse resto de ano: tornar-se conhecido nacionalmente, construir uma aliança de apoio e dar início à elaboração do programa de governo. Deu o primeiro passo com o programa partidário de quinta-feira passada.
Fonte: Correio Braziliense
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