- O Estado de S. Paulo
Dona Flor revive no Palácio do Planalto. Como a jovem viúva baiana, professora da escola de cozinha Sabor e Arte, a presidente Dilma Rousseff está dividida entre duas figuras opostas em quase tudo - um ministro fantasma com um legado de trapalhadas, como o falecido Vadinho, e um de carne e osso, prosaico e amante da ordem, como o farmacêutico Teodoro Madureira. O de carne e osso, mais conhecido como Joaquim Levy, foi apresentado ao Brasil como encarregado, em primeiro lugar, de arrumar as contas do governo. Mas sua grande missão, objetivo final do grande conserto das finanças públicas, seria abrir caminho para a recuperação da economia, amplamente bagunçada por seu antecessor. Para as pessoas fartas de gastança, pedaladas fiscais, criatividade contábil, benefícios a favoritos e tolerância à inflação, o Madureira-Levy seria também o fiador do segundo governo de Dona Florípedes-Rousseff. Mas o fiador mal tem conseguido cuidar de si, como comprova, mais uma vez, a reedição da política de favores a indústrias selecionadas. Como sempre, as montadoras aparecem na linha de frente das escolhidas para os favores federais. Como sempre, também, a ajuda é vinculada, na conversa oficial, a um compromisso de preservação de empregos. Mas quem leva a sério essa lengalenga?
A decisão de afrouxar o crédito e financiar com juros especiais as montadoras de veículos, seus fornecedores e mais alguns segmentos da indústria é uma evidente repetição de uma política bem conhecida, irresponsável e fracassada. O fiasco dessa estratégia é atestado, de forma inequívoca, pelo péssimo desempenho da economia brasileira nos últimos quatro anos e meio.
De 2011 a 2014 o produto interno bruto (PIB) cresceu à taxa média anual de 2,1%. Em outros latino-americanos, a economia avançou, nesse período, em ritmo quase sempre superior a 4% ao ano – e com inflação muito mais baixa. A seguida redução do emprego industrial nesse período foi uma das consequências mais notáveis do tal modelo implantado sob a direção de Dona Florípedes-Rousseff e do alegre Vadinho-Mantega, porta-bandeira do vistoso bloco dos carnavalescos fiscais. No ano passado, mesmo enfeitadas com lantejoulas contábeis, as contas do setor público foram fechadas com déficit primário equivalente a 0,59% do PIB. Não se salvou sequer o dinheirinho habitualmente separado para os juros. Incluídos na conta os gastos financeiros, o saldo foi um buraco de 6,23% do PIB. Mas ainda houve sobras da festa, com despesas discretamente deixadas para este ano. Em julho, o déficit geral acumulado em 12 meses bateu em 8,12% do PIB, mais que o triplo, em termos proporcionais, da média da zona do euro. Para isso contribuiu também a recessão, plantada no ano passado e aprofundada em 2015.
Os indicadores do PIB, da produção fabril e do emprego industrial continuaram piorando 2015, enquanto a inflação se manteve em alta. O indicador de conjuntura do Banco Central mostrou um nível de atividade, no primeiro semestre, 2,49% inferior ao de janeiro a junho de 2014. O desemprego nas seis maiores áreas metropolitanas chegou em julho a 7,5% da força de trabalho e, segundo todos os indícios, ainda aumentará nos próximos meses. Mas o índice oficial mais amplo, baseado em números de 3.500 municípios, já havia chegado a 8,1% no trimestre de março a maio. Também este indicador é pior que os da maioria dos países desenvolvidos e de boa parte dos emergentes. Além disso, o alegre bloco da gastança, dos mimos financeiros e fiscais a grupos selecionados, do protecionismo comercial e da tolerância à alta de preços conseguiu promover a rara coexistência da recessão, do desemprego e da inflação muito acima dos níveis observados no mundo rico e entre os países emergentes.
Não se pode atribuir o desastre deste ano a um ajuste fiscal apenas ensaiado e logo entravado pela resistência política. O Brasil paga ainda a conta da esbórnia e da alegre incompetência do mandato anterior. Este deveria ser o tempo do reencontro com a seriedade, mas isso dependeria da sensatez, da convicção e da firmeza política da presidente.
Sem esses predicados, incapaz de preservar até o apoio dos companheiros de partido, acuada pela crise política e pressionada pelo avanço da Operação Lava Jato, a presidente acabou delegando a ação política ao vice Michel Temer e a vários ministros. Parte do trabalho sobrou para o ministro da Fazenda, pouco preparado para negociar com parlamentares hostis, essencialmente fisiológicos e obviamente dispostos a lucrar com cada fraqueza do Executivo.
Todas as medidas de ajuste votadas até agora em alguma Casa do Congresso foram desfiguradas. O reforço de receita buscado com a redução ou eliminação de benefícios fiscais foi muito reduzido. Enquanto isso, a insegurança crescente de consumidores e empresários agravou a recessão. Resultado: a arrecadação federal de janeiro a julho, R$ 712,07 bilhões, foi 2,91% inferior à de um ano antes, descontada a inflação, e a mais baixa em cinco anos. Há várias semanas o governo reduziu de 1,1% para apenas 0,15% do PIB a meta de superávit primário deste ano. Mas até esse modesto resultado é agora considerado muito incerto.
Políticas de ajuste, sempre penosas, só funcionam quando sustentadas por um chefe de governo sério, firme e politicamente respeitado. Só dão resultado quando seguem um roteiro bem determinado, com poucos desvios. Nenhuma dessas condições ocorre hoje no Brasil. Já nem se trata de decidir se a política proposta pelo ministro Levy, o Teodoro Madureira desta história, é a mais correta. Antes disso é preciso saber se haverá alguma política e se o encarregado de conduzi-la será o farmacêutico metódico e prosaico – ou se o fantasma de Vadinho continuará presente. Dona Flor será capaz de responder?
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