domingo, 23 de agosto de 2015

Recaída – Editorial / Folha de S. Paulo

• Dilma repete intervenções que, a seu ver, podem dar um norte virtuoso ao mercado, mas que se provaram danosas em seu 1º mandato

Os bancos públicos pretendem outra vez remediar o que julgam ser as dificuldades especiais de alguns setores econômicos, em tese prejudicados de modo particularmente duro pelo quadro recessivo.

A presidente Dilma Rousseff (PT), em outras palavras, reincide nas intervenções que, a seu ver, têm o poder de dar um norte virtuoso ao funcionamento do mercado.

A iniciativa, desta feita, não deve resultar nos descalabros do primeiro mandato da petista –em particular nas contas do governo, na indústria do petróleo e no setor elétrico. Ainda assim, as medidas causam mais descrença quanto à disposição e à capacidade do Executivo de lidar com os motivos fundamentais da crise.

Em termos estritamente econômicos, é difícil ver sentido na ação concertada da Caixa Econômica Federal e do Banco do Brasil.

No que diz respeito à política econômica, o plano cobre com ainda mais descrédito a tentativa de enfrentar problemas de fundo. Acrescenta novo ingrediente a um caldeirão repleto de incertezas como o histórico da presidente, a atuação do PT e a irresponsabilidade do Congresso diante do necessário ajuste das contas públicas.

Em termos gerais, a iniciativa parece eivada de casuísmos, pois o governo agracia parte do mundo empresarial que lhe granjeou algum apoio político indireto e procura estimular novas adesões.

Grosso modo, os bancos passam a oferecer empréstimos para financiar as demandas mais prementes de fornecedores de bens e serviços das indústrias fabricantes de veículos automotores em geral. Fez-se um arranjo pelo qual os pagamentos das montadoras servem de garantia ao crédito estatal.

Falta crédito, de fato. O Banco do Brasil enfatiza que não haverá subsídios em seus empréstimos. No caso da Caixa, haverá recurso a fundos públicos e taxas subsidiadas –desde que, ao menos em tese, satisfeitos requisitos como a manutenção do nível de emprego nas empresas agraciadas.

O governo, além disso, afirma que outros setores (cooperativas agrícolas, petróleo e gás, construção civil) serão beneficiados por programas semelhantes.

Do ponto de vista macroeconômico, o plano parece no mínimo incoerente. A política que tem sido implementada é de redução de consumo público e privado, manifesta nos cortes das despesas do governo e na contenção do crédito.

Importa, ademais, fazer perguntas incômodas para o Planalto.

Em que se baseia a escolha deste ou daquele setor? Qual o dom do poder público de acertar escolhas de direcionamento de capital, ainda mais considerado o péssimo retrospecto das intervenções deste governo? Qual será o efeito desses empréstimos na rentabilidade dos bancos públicos e, portanto, no caixa da União e dos fundos que vão alimentar a iniciativa?

O programa condiciona, em certos casos, empréstimos especiais, mais baratos, à manutenção de emprego. Difícil acreditar que o Planalto tenha capacidade ou disposição política de verificar o cumprimento de tal cláusula.

No caso de infrações, fica-se a imaginar de que maneira o contrato será denunciado. Por fim, é discutível que a manutenção do emprego em setores escolhidos a dedo seja a solução mais eficiente para a economia como um todo –talvez houvesse melhores resultados se o dinheiro se dirigisse a negócios mais promissores e rentáveis.

Mais importante, porém, é o que ações dessa espécie revelam sobre a incapacidade do governo de apresentar planos de alcance maior.

Esta Folha tem reiterado desde o início do ano que apenas medidas emergenciais de contenção do endividamento público –o chamado ajuste fiscal– não bastariam nem mesmo para limitar a gravidade da recessão, menos ainda para facilitar a retomada duradoura de algum crescimento mais adiante.

Ocorre que, para piorar, nem sequer o ajuste emergencial funciona a contento, pois o governo federal deve ter outro deficit primário (despesas maiores que as receitas, excluído o gasto com juros).

Portanto, além de refazer um plano imediato de contenção de gastos e aumento de receitas, o governo ainda precisa apresentar o restante desse programa: ações que sinalizem a volta aos trilhos após a estagnação.

Afora evitar o descontrole das contas, tal plano de médio prazo pode abreviar e atenuar a recessão.

Trata-se do tão conhecido projeto de limitar o crescimento da despesa regular do Estado ao aumento do PIB per capita, no máximo; de simplificar impostos e regras sobre investimento e produção; de reduzir regulamentação do trabalho; de dar cabo pelo menos das normas que aumentaram custos e dívidas de setores cruciais, como petrolífero e elétrico.

Compare-se, porém, tal programa com as ruminações e reincidências no vício do presente governo. De um lado, planos para o país; de outro, remendos casuísticos.

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