Thais Bilenky | Folha de S. Paulo
SÃO PAULO - A "nova direita" entrou no debate político em 2016, com o impeachment e as eleições municipais.
O cientista político Carlos Melo, professor no Insper, diferencia a "nova direita", formada por liberais descontentes com a atuação do Estado que desejam operar pela via eleitoral, do setor reacionário sobrevivente do malufismo.
Ele prevê em 2018 uma "polarização improdutiva e perniciosa".
• Folha - A direita "envergonhada" pós-ditadura se renovou?
Carlos Melo - É necessário separar o que se chama de "direita". Há um setor conservador e reacionário, presente desde sempre, que não se renovou. É também refratário aos direitos civis e humanos e teve importância até pelo menos o início dos anos 1990, articulando-se em torno do "malufismo".
Com o ocaso de Paulo Maluf, esse setor foi cooptado pela centro-direita, em que o governador Geraldo Alckmin (PSDB-SP) parece ser a maior expressão.
Com o protagonismo econômico e o sucesso dos governos FHC e Lula, esses setores se recolheram. Mas voltaram a ocupar a cena com a recessão, a derrocada do lulismo e o fracasso da autoproclamada esquerda.
• E há a 'nova direita'? Quais são suas características?
Com grande grau de imprecisão, chamemos de "nova direita" setores novos: liberais, privatistas, críticos da ação do Estado, ressentidos da má qualidade dos serviços públicos e indignados com a corrupção.
São inadvertidamente confundidos com a "velha direita", mas guardam importantes diferenças, operando no campo da democracia liberal e eleitoral. Expressam setores médios urbanos. Gente que paga impostos e não vê retornos.
• Por que há adesão aparentemente crescente a ela?
O primeiro fator é econômico. O crescimento levou à euforia e à adesão de grande parcela do eleitorado ao lulismo. A desaceleração, porém, e o início do naufrágio petista trouxeram frustração, despertando críticas de liberais econômicos e conservadores, já em 2013.
A errática estratégia defensiva do PT, qualificando críticos de "contra os pobres", abusando de locuções como "nós contra eles", jogou esse contingente na oposição. A tal "nova direita" passou a se identificar, antes de tudo, como "antipetista".
• Então despontam movimentos Brasil Livre e Vem Pra Rua, que catalisaram esses setores?
Sim. Há também a defesa intransigente da Operação Lava Jato e da apropriação exagerada da imagem do juiz Sergio Moro como uma espécie de "herói nacional".
Com a evolução das denúncias, passam a se opor também a outros setores do espectro político, como o PMDB e até o PSDB. Por sinal, hoje, os tucanos têm dificuldade em dialogar com a "nova direita".
Contudo, há, no interior desses movimentos, setores provavelmente minoritários, que se confundem com a "velha direita", radicais e sectários.
• Quais consequências dessa reorganização ideológica já são observadas?
O antigo centro político, mediador de conflitos e conciliador, dilui-se no tradicional fisiologismo. Suas lideranças, não fisiológicas, perdem espaço, desaparecem. Não se renovam. A polaridade PT versus PSDB tende a desaparecer. A eleição no Rio expressou isso.
• Em que medida os governos petistas colaboraram com a ascensão da direita?
Mencionei o erro da polarização forjada do PT, o "nós contra eles". Mas não foi só isso: a adesão ao fisiologismo e à corrupção retirou do PT o discurso da ética e certa hegemonia no campo progressista. O tema se transferiu a esses novos setores, às vezes como indignação legítima, às vezes como moralismo despolitizado.
• A ascensão de grupos evangélicos está associada à reorganização da direita?
A ascensão evangélica é anterior e corresponde a uma série de fatores como a perda de terreno da Igreja Católica e a habilidade dos pentecostais em se aproximar dos mais humildes.
• O que o sr. projeta para a próxima eleição presidencial?
A crise é enorme. Importante repensar conceitos de governabilidade, aperfeiçoar o sistema eleitoral. Contudo, neste momento, não há lideranças capazes de elaborar, comunicar, persuadir e articular o novo: o cardápio de nomes para 2018 é superficial, uma mesmice. O centro desapareceu. Aquilo que poderíamos chamar de "terceira via" parece tão frágil quanto omissa. Penso que iremos para uma polarização não só improdutiva como perniciosa.
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