Não se completou uma semana do término do julgamento do habeas corpus do sr. Lula da Silva e já surgem vozes aventando a possibilidade de o Supremo Tribunal Federal (STF) reverter a orientação sobre a prisão após condenação em segunda instância. Certamente o boato atende aos interesses de alguns poderosos, que anseiam a todo custo por uma brecha jurídica que lhes assegure distância da cadeia. A ideia, no entanto, não passa de disparate, que achincalha o órgão máximo do Poder Judiciário, ao tratá-lo como a mais volúvel das cortes. O STF não é, não poder ser, uma biruta jurídica, sem rumo certo, refém dos gritos de cada momento.
A decisão do STF de quarta-feira passada foi muito clara. Depois de um longo julgamento, no qual foram amplamente debatidos variados pontos de vista, o plenário da Corte denegou o habeas corpus ao líder petista por entender que não havia nenhum tipo de ilegalidade ou abuso na possibilidade de prisão do sr. Lula da Silva em razão de condenação, em segunda instância, dos crimes de corrupção passiva e lavagem de dinheiro. Após a decisão do STF, o Tribunal Regional Federal (TRF) da 4.ª Região autorizou o juiz Sérgio Moro a determinar a prisão do ex-presidente.
Confirmou-se, assim, a plena vigência do princípio da igualdade de todos perante a lei. Se outros réus podem ser presos após a condenação em segunda instância, não cabe dar um tratamento diferente ao ex-presidente petista. Seria, portanto, uma tremenda desmoralização se o STF, depois de tantas horas de sessão para dizer que a lei também vale para o sr. Lula da Silva, dissesse agora ao País que o plenário do Supremo se equivocou na semana passada e que a lei que deve valer é outra.
Não se vislumbra nenhuma circunstância que justifique uma mudança de jurisprudência pelo Supremo. A única novidade é que, agora, o sr. Lula da Silva está preso. Ou seja, se o Supremo se dispusesse a alterar sua jurisprudência sobre a prisão em segunda instância, o motivo seria evidente: livrar o líder petista. Seria um casuísmo a apequenar o STF. Uma vez que o plenário confirmou que a lei também se aplica ao sr. Lula da Silva, tenta-se, então, mudar a lei. Ora, tais táticas não condizem com o Estado Democrático de Direito.
Não obstante a completa ausência de razões objetivas para uma mudança jurisprudencial, há ainda quem tente buscar a brecha que tanto anima os criminosos no voto da ministra Rosa Weber, durante o julgamento do habeas corpus do sr. Lula da Silva. Eis o sinuoso raciocínio: como a ministra ressalvou que sua posição pessoal não condiz com a orientação da Suprema Corte a respeito da possibilidade do início do cumprimento da pena após a condenação em segunda instância, basta que tal orientação seja levada à pauta do plenário para que, na atual composição do STF, outra maioria se forme, possibilitando uma mudança de jurisprudência. Por consequência, o ex-presidente petista e tantos outros condenados em segunda instância poderiam se livrar da cadeia, ao menos por um tempo.
Desvencilhar-se de mais essa perniciosa manobra – que expõe o STF ao ridículo, como se a jurisprudência da Corte tivesse a perenidade de uma jogada de dados – não exige fazer futurologia, tentando descobrir como cada ministro votaria em eventual julgamento sobre a matéria. A ministra Rosa Weber foi enfática na defesa da atual orientação do Supremo sobre a prisão em segunda instância. “A simples mudança de composição não constitui fator suficiente para mudar jurisprudência”, disse a ministra. E, frente às provocações do ministro Marco Aurélio de que, fosse outro o tema em pauta, ela votaria de forma diferente, Rosa Weber foi firme. “Eu estabeleci as premissas teóricas. (...) Quem me acompanha nesses 42 anos de magistratura não poderia ter a menor dúvida com relação ao meu voto, porque eu tenho critérios e procuro manter a coerência das minhas decisões”, afirmou a ministra.
Não há dúvida de que a coerência do Supremo impõe a necessidade de respeito à sua jurisprudência. Almejar que, a cada semana, a cada mês ou a cada semestre, o plenário volte a debater o mesmo assunto, numa tentativa desesperada de atender ao interesse de pessoas bem determinadas, é uma afronta ao STF e ao País, que precisa de sua corte constitucional voltada para as reais prioridades nacionais.
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