- O Estado de S.Paulo
Essa parada súbita já garante que 2020 será um ano de recessão global
Em 42 anos de MB Associados, nunca vi uma semana assim, com tantas mudanças profundas no cenário. É preciso ter humildade, porque não sabemos bem o que se passa. Mas é um ponto de inflexão para pessoas, empresas e países.
A combinação de um novo vírus e de conflitos geopolíticos (como a guerra comercial entre as duas grandes potências e a atual o petróleo) produziu uma parada súbita na China, depois na Europa, nos EUA e, agora, no Brasil.
Essas paradas súbitas são um terror, inclusive para economistas, pois produzem rupturas na oferta e nos fluxos financeiros, tanto maiores quanto maiores forem a alavancagem e o endividamento dos agentes, como nas empresas americanas de hoje, e quanto menores forem a saúde financeira e a renda de pessoas e pequenos negócios, como é o caso do Brasil.
O caso americano é o que melhor ilustra o que é essa parada, porque até muito recentemente sua economia vinha muito bem. Entretanto, a dívida corporativa nunca foi tão elevada, 47% do PIB, resultado de mais de uma década de crescimento e de juros muito baixos. Com a chegada do vírus, o mercado de crédito travou, apesar dos intensos esforços do FED, os “spreads” explodiram.
Muitas empresas mais frágeis financeiramente já estão tendo suas notas rebaixadas e poderão quebrar, pois a iliquidez rapidamente se transforma em insolvência.
Em outros casos, os efeitos ruins vieram da crise em grandes áreas de serviços, como turismo, hospitalidade, cruzeiros, artigos de luxo e outros. Cadeias longas estão sendo afetadas. O caso mais visível é o da Boeing, que já vinha sofrendo com a parada na produção do 737 MAX e que solicitou US$ 60 bilhões como assistência do governo para lidar com a crise. Mesmo que tudo dê certo, a dívida corporativa subirá para US$ 100 bilhões, num momento no qual poucas companhias comprarão aviões novos.
Além disso, a política no mundo inteiro passou a ser a do isolamento social. Nestas circunstâncias, a frenética baixa de juros tem efeito negligível.
Em uma situação dessas, a urgência exige ações rápidas, mas a política monetária fica menos eficiente e a política fiscal passa a exigir ferramentas, nem sempre disponíveis, como gastos focados ou suporte à liquidez em determinadas áreas.
Essa parada súbita já garante que 2020 será um ano de recessão global (definida como crescimento inferior a 1%), apesar dos grandes esforços das autoridades, sanitárias e econômicas, para deter a pandemia e impulsionar a economia.
Embora as projeções feitas hoje tenham uma acurácia limitada, os novos números de um banco internacional de primeira linha são impactantes.
No início do ano, projetava-se um crescimento do PIB global de 3,2% e agora, apenas 0,9%. Nos EUA, a projeção de 1,8% foi substituída por uma de 0,6%. Na China, o crescimento foi de 4%, em vez dos antigos 6%. Finalmente, na área do Euro, projeta-se agora um tombo de 5%, em vez de um crescimento de 0,9%.
No Brasil, a equipe econômica foi claramente pega no contrapé e tardou a responder. Entretanto, o ponto positivo foi entender que se trata de uma situação de emergência, que precisa ser enfrentada, antes de tudo, com mais gastos na saúde e na assistência aos segmentos mais frágeis da população, que inclui os trabalhadores informais, além da população em situação de pobreza.
Do lado das empresas, os pequenos negócios serão os mais afetados, até como consequência da política de isolamento social e terão de ter alguma atenção. Mas também serão necessárias políticas que preservem as empresas e a produção.
Infelizmente, por mais que essas medidas sejam bem sucedidas, uma recessão é inevitável: esperamos uma queda do PIB nos dois primeiros trimestres, com alguma recuperação mais próxima do final do ano. No melhor cenário, o crescimento do PIB ficará próximo de zero. É um duro revés para um país que luta há anos para voltar a crescer.
O programa de reformas deverá parar, mesmo porque, até recentemente, o Planalto continuava a antagonizar o Congresso. O ajuste fiscal e o investimento em infraestrutura deverão ficar para o próximo ano. Apenas medidas infraconstitucionais (ligadas a saneamento, energia e PPPs) poderão ser aprovadas.
Finalmente, se ao cabo de dois anos, o crescimento médio for de apenas 0,5% ao ano, dá para pensar em reeleição? Tudo indica que não, até porque muita gente está cansada da irrelevante pauta ideológica que prende a atenção de boa parte do Executivo.
* Economista e sócio da MB Associados.
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