- O Globo
O governo vai aumentar despesas elevando dívida. É o remédio na emergência, mas é preciso saber quando recuar
Um dos erros da condução da crise de 2008 foi eternizar a ajuda. Por isso é bom lembrar. A crise atual é diferente de todas as outras, mas há ensinamentos no passado. Em 2009 foi lançado o Programa de Sustentação de Investimento ao custo de R$ 44 bilhões para enfrentar o reflexo da crise financeira de 2008. Em 2010 ele foi renovado com o país crescendo. Ao fim, virou um programa de R$ 400 bilhões, que não sustentou o investimento e ajudou a abrir o rombo fiscal nos anos seguintes.
Naquela crise, o Brasil acertou à vista e errou a prazo. Diante dos primeiros sinais de que os remédios estavam dando certo — com a ação rápida de Henrique Meirelles no Banco Central, as medidas anticíclicas — o governo subestimou o problema. E depois manteve o remédio quando já não era necessário. Vieram os efeitos colaterais, o colapso fiscal.
A primeira reação do ministro Paulo Guedes era alienada. Perguntava-se qual era a resposta para a emergência e ele repetia o de sempre: reformas. A conjuntura se alterara totalmente e ele demorou a ver. O Ministério da Economia mudou a partir de terça-feira à noite, com o decreto de calamidade pública.
O governo vai aumentar muito os gastos e a dívida voltará a subir, porque as despesas serão financiadas com elevação do endividamento. Em 2008, o Brasil tinha um superávit primário de 3,75%, dívida de 55% do PIB e o país havia crescido 6% nos 12 meses antes da crise. Agora, a economia está estagnada, a dívida em 77% e o país com déficit público pelo sexto ano. Vantagem nesse momento: com juros menores, o custo da dívida caiu. Mas a crise é muito maior e a situação, muito pior e mais complexa.
O problema em 2008 foi não ter sabido recuar na hora certa. Isso nos levou à crise anos depois e ao salto de 20 pontos na dívida pública. Então é preciso ter rapidez no momento agudo e ter a lucidez de desarmar o arsenal quando ele for contraproducente, e todos os pedidos forem para que se continue a gastar mais.
Agora é a hora de deixar de lado as metas, porque elas são menos relevantes que a vida humana. A despesa precisa crescer no fortalecimento do SUS e na ampliação da rede de proteção social desse país desigual. O PIB que cair este ano pode ser recuperado amanhã. A expansão de gasto de hoje, pode ser contida. A vida humana perdida por imperícia das autoridades é irreparável.
Por não saber a hora de mudar é que o acerto de 2008 virou erro nos anos seguintes. Muitos setores empresariais levarão seus pedidos ao governo neste momento e ele tem que saber quais têm a ver com a crise e quais são oportunismo do lobby. Foi isso que não se soube fazer na crise financeira, quando se formou o trem da alegria com o dinheiro público.
Os estados estavam em situação de desequilíbrio antes da pandemia. Alguns se esforçavam e outros não. Em Minas houve o começo de uma farra logo após a pressão dos policiais militares. E depois, felizmente, um recuo. Conversei com o governador Romeu Zema e ele disse que recebeu o governo com as forças de segurança sem aumento salarial por cinco anos.
— Disse a eles que não poderia dar aumentos porque a nossa despesa de pessoal estava acima de 63%, limite da Lei de Responsabilidade Fiscal. Eu negociava com pessoas armadas de uma categoria que no passado teve mobilização com morte. Foi um momento de extremo estresse. O Tribunal de Contas do Estado então recalculou, excluiu as despesas de aposentados, e a despesa caiu para 48%. Eu fiquei sem argumento. Cedi, dei aumento de 40% em três anos, mas já voltei atrás e vetei os reajustes de 2021 e 2022 — disse Zema.
No Ceará, o governador Camilo Santana enfrentou a greve na segurança. A crise desaba nesse momento em que alguns governadores se ajustavam, outros ampliavam despesas e todos eram pressionados para gastar mais. Os estados agora precisam de ajuda do governo central. Terão que receber. Mas o Tesouro precisará recuar quando possível. E todo aumento de gasto tem que ter transparência e prestação de contas.
O que aprendemos em crises anteriores é que o governo deve ser rápido ao agir e sábio ao recuar. Na travessia dessa tormenta precisávamos do que não temos, um presidente lúcido. O país está por sua própria conta. Mas a democracia nos ajudará a escolher a melhor rota.
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