- O Estado de S.Paulo
Estamos em ‘guerra’ contra um inimigo insidioso para preservar vidas. Fique em casa!
Respondo desde já: absolutamente não. E explico: a saúde é direito de todos é dever do Estado, registra inicialmente o artigo 196 da Constituição federal. Como se a garante? É no mesmo artigo 196 que está escrito: “mediante políticas sociais e econômicas que visem a redução do risco da doença e de outros agravos...”. São as políticas sociais e a atividade econômica que garantem a preservação da saúde.
O que temos no momento atual? Uma pandemia pelo novo coronavírus. Pandemia porque universal, não apenas localizada. Cresce o número de infectados e de mortes. E tudo indica que se trata de doença de fácil transmissão. Mas basta verificar os cuidados mais comezinhos que se devem tomar para evitar a sua proliferação. Portanto, saúde acima de tudo.
Aliás, não são poucos os dispositivos constitucionais que dela tratam. Afora a Seção II do Título VII, que trata da ordem social, nela incluída a seção mencionada, dos artigos 186 a 200, o certo é que outros cuidam do tema. Assim é com os artigo 23, II, e 24, XII, da Constituição federal. O primeiro entrega à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos municípios uma competência executiva, ou seja, “cuidar da saúde” como competência comum. No artigo 24, XII, as mesmas entidades, à exceção dos municípios, têm competência concorrente para legislar sobre o tema. Obedece-se, com essa fórmula, ao princípio federativo no destaque ao tema saúde.
Organismos internacionais e nacionais recomendam o isolamento social com o dito “fiquem em casa”. Aqui e no exterior já que se trata de pandemia. Interromper a espiral do contágio é a única medida, cientificamente, que temos para combater o espalhamento da covid-19. A luta é para que tenhamos menos pessoas internadas.
E aí surgiu uma disputa entre os que pregam o isolamento social completo e os que defendem nenhum isolamento, ao fundamento de que o Brasil não pode parar. Mas aos poucos foi crescendo a ideia de que certas atividades não poderiam cessar e se entendeu que isso era movimentar a economia. Não é. Na verdade, é para preservar a saúde da população. Demonstro.
Por que é que se autoriza o trabalho dos médicos, enfermeiros e operadores da saúde? Para cuidar da saúde dos enfermos. Por que é fundamental o livre trânsito dos caminhoneiros, que devem ter, na estrada, meios de sobrevivência, como alimentação, higiene, combustível? É porque eles promovem o abastecimento da população. Já imaginaram o que aconteceria com o desabastecimento de supermercados ou minimercados em todo o País? Como as pessoas se alimentariam? Morreriam de fome?
E quem precisa de remédios, máscaras, etc., se as farmácias não fossem abastecidas? Adoeceria? E o campo, o agronegócio, podem parar? De onde vem o abastecimento dos Ceasas, dos mercados, etc.? Não será da produção agrícola? Isso tudo é em função da economia, como, de resto, outras tantas atividades ditas essenciais?
Absolutamente não. É para manter a incolumidade física, a saúde das pessoas. Portanto, sem embargo de essas tarefas encerrarem uma natureza econômica, são, na verdade, conteúdo de um continente chamado saúde. São atividades complementares dentro do tópico “saúde”. Por essa razão, hão de ser autorizadas.
Quero com isso evidenciar que no plano constitucional é essa a abrangência do vocábulo “saúde”. Assim, duas conclusões: primeira, o isolamento social é importante nos termos propostos pela Organização Mundial da Saúde (OMS) e pelo Ministério da Saúde; segunda, as atividades ditas essenciais haverão de ser, como estão sendo, autorizadas, para garantir a saudabilidade dos cidadãos.
Finalmente, aí, sim, economia: os governos federal, estaduais, distrital e municipais devem destinar recursos, quantos sejam necessários, para manter salários de empregados, verba para autônomos, crédito para de médias a microempresas e facilitação do financiamento para grandes empresas, com o objetivo de manter a empregabilidade.
O curioso é que isso tem sido feito pelas entidades federativas. Se for pouco agora, há de ser aumentado depois.
Estamos em “guerra” contra um inimigo insidioso para preservar vidas. Vidas que, preservadas, ajudarão a recuperar a economia quando a “guerra” terminar.
A doença não escolhe príncipes, plebeus, artistas, líderes ou atletas. O vírus não gosta mais ou menos dos italianos ou dos paulistanos. Vírus é vírus. E, como tal, ele se apresenta ora como gripe, ora sufoca e mata. E, como vírus que é, às vezes nada faz. Por isso, melhor pecarmos pelo exagero do que nos arrependermos depois.
A covid-19 talvez conviva com a gente para o resto da nossa vida. Espero que o retrovírus e a vacina, também. Agora, o que vai nos proteger e projetar para o resto dos tempos é a nossa atitude, é a nossa consciência.
Daí também por que não faz sentido a divisão entre os governados e entre os governantes. Se já estão fazendo, unam-se todos. Bom para o Brasil e péssimo para o coronavírus. Fique em casa!
*Advogado, professor de Direito Constitucional, foi presidente da República
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