- Folha de S. Paulo
Na luta contra a Covid-19, começar mal importará pouco, mas é nas crises que os políticos revelam quem são
"Os príncipes devem transferir as decisões importunas para outrem, deixando as agradáveis para si." Maquiavel acerta no conselho aos governantes, mas os mecanismos de reivindicação de crédito por acertos e transferência de culpa por decisões impopulares que impõem custos à população são complexos.
Em princípio, esperamos que o eleitorado premie o bom desempenho e puna o mau. Mas em situações de pandemias e desastres naturais, pesquisas mostram que os eleitores respondem emocionalmente punindo os incumbentes mesmo quando não existe nenhuma razão para lhes atribuir responsabilidade por tais eventos. A lógica é "descontar no cachorro a raiva por um mau dia", como afirmam os cientistas políticos Larry Bartels e Christopher Achen.
Substituir a emoção pela avaliação do desempenho equivale à falência da "accountability" democrática: os políticos não teriam incentivos para o bom desempenho e deveriam contar apenas com a sorte.
Seus críticos contra-argumentam que ocorre maior punição em situações de calamidade, porque elas criam uma janela para o eleitorado observar seu representante em ação. Os eleitores agiriam racionalmente e não emotivamente, concluem Scott Ashworth e coautores, punindo políticos durante crises, porque só nelas podem observar o "tipo verdadeiro" de representante que têm e punir os maus.
Mas há também evidências de que o eleitorado é míope —desconta hiperbolicamente o futuro. Utilizando uma base de dados cobrindo 3.141 condados americanos e 26 programas federais de prevenção de catástrofes no período 1988-2004, Andrew Healy e Neil Malhotra mostram que o eleitorado premia os presidentes pelas despesas desembolsadas após os desastres, mas não por aquelas voltadas para a prevenção. Essa falha do mercado político produz gigantesca ineficiência: embora a despesa pós-evento seja estimada em 15 vezes a da prevenção, os políticos não têm incentivos para estas, apenas para aquelas.
Não há só limites e vieses na atribuição de responsabilidade aos governantes. Andrew Reeve e coautores mostram que as estratégias maquiavélicas de transferência de responsabilidade para outros atores podem sair pela culatra. Em experimentos com amostras aleatórias e grupos de controle, eleitores punem políticos que adotam tais estratégias e premiam os que assumem responsabilidade e até reconhecem erros.
Na atual pandemia, são três as lições a tirar para Trump, Johnson e Bolsonaro: ter começado mal importará pouco; transferir responsabilidade não funcionará; é possível reconhecer a culpa, mesmo que tardiamente. E mais importante: a crise revelará sua real capacidade e liderança, não há como escapar.
*Marcus André Melo, professor da Universidade Federal de Pernambuco e ex-professor visitante do MIT e da Universidade Yale (EUA).
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