segunda-feira, 6 de abril de 2020

Gustavo Loyola* - Falsos dilemas e perda de tempo

- Valor Econômico

Os riscos de o Brasil sofrer uma tragédia em termos humanos, sociais e econômicos são grandes demais

No meio da grave pandemia da covid-19, o país se viu envolvido nas últimas semanas num debate estéril e absurdo a respeito de um falso dilema, por obra principalmente do presidente da República. A ideia de que as medidas drásticas de distanciamento social (DS) trazem maiores prejuízos para a economia do que políticas menos severas de restrição (“isolamento vertical”) é completamente falaciosa. Resulta de uma visão míope e egoísta que toma em consideração apenas os efeitos de curto prazo sobre a atividade econômica.

Sem contar com as implicações éticas derivadas da defesa de políticas que desvalorizam a vida humana, os defensores do “isolamento vertical” cometem grave erro, como amplamente mencionado em vários artigos de especialistas publicados recentemente mundo afora. Para poupar espaço, menciono aqui, de modo sucinto, apenas três dos graves equívocos da posição a favor da política de afrouxamento das medidas de DS como possível forma de abrandar os efeitos da crise sobre a economia.

O primeiro e mais grave erro é o de desconsiderar os riscos do colapso do sistema de saúde com consequências econômicas, sociais e políticas provavelmente muito mais danosas e permanentes do que a perda temporária de consumo e produção derivadas das políticas mais duras de DS. As imagens do que ocorre no norte da Itália já falam por si mesmas, porém num país com as desigualdades sociais maiores e com um gigantesco déficit habitacional, como é o caso do Brasil, é necessário ter em conta o risco de a catástrofe ser ainda maior do que se observa na velha Europa.

Outro problema é ignorar os efeitos negativos sobre as expectativas dos agentes econômicos que resultariam de meias medidas adotadas no enfrentamento da pandemia. Como uma espada de Dâmocles pendendo sobre a economia, os riscos de um agravamento do surto da covid-19 mais adiante seguirão impactando as expectativas e assim restringindo as decisões de consumo e investimento e adiando a retomada da economia.

Um terceiro problema é hipótese subjacente de que não existem, à disposição dos governos, políticas compensatórias que podem mitigar de modo relevante os custos econômicos de curto prazo trazidos pelas medidas de distanciamento social. Neste ponto, o equívoco salta ainda mais aos olhos quando se têm em conta a reação praticamente universal dos governos com o intuito de amortecer os impactos da crise sobre as economias. Neste ponto, aliás, há uma contradição gritante entre a postura desarrazoada do presidente contrária ao chamado isolamento horizontal e as ações que seu próprio governo vem adotando na esfera da economia.

Nunca é demais lembrar que o enfrentamento de uma crise do porte da covid-19 exige alto grau de coordenação entre todas as esferas de governo e uma comunicação eficiente e transparente com a sociedade. Cabe aos governantes, principalmente nas situações de crise nacional, o papel de alinhamento das expectativas da população. No campo da economia, o governo deve reduzir as incertezas que, se amplificadas, trazem consequências ainda mais danosas sobre a vida econômica.

Quanto às ações anunciadas pelo governo federal, pode-se dizer que estão na direção correta, mas sua efetividade ainda está para ser provada. Algumas dessas medidas são de fácil implementação - como por exemplo as ações do Banco Central para assegurar a liquidez no sistema financeiro - mas outras - justamente as de impacto mais imediato e direto - são de execução complexa que demanda capacidade de gestão por parte dos diversos componentes do governo. Nesse ponto é que a postura divisiva de Bolsonaro pode atrapalhar a consecução tempestiva das medidas, já prejudica a coordenação entre os vários envolvidos em sua implementação.

Vale ressaltar que o volume de recursos envolvidos nas medidas até aqui divulgadas não é pequeno, em torno dos R$ 750 bilhões, segundo o ministro Paulo Guedes. Dessas medidas, cerca de R$ 200 bilhões têm impacto fiscal direto, o que se trata de esforço razoável considerando que a situação fiscal do Brasil no pré-crise não era confortável. Exatamente por isso, é mais necessário ainda que as ações do governo sejam bem executadas, evitando-se desperdício de recursos que são escassos.

Nesse contexto, a desarticulação provocada pelas falas inoportunas e equivocadas de Bolsonaro restringem a efetividade das iniciativas de seu próprio governo. Preocupa especialmente as críticas do presidente da República aos governadores e prefeitos que aderiram massiva e corretamente às medidas de isolamento social. As características da federação brasileira e as competências concorrentes em áreas como a saúde exigem que as três esferas de governo trabalhem de modo coordenado em situações de crise como a que agora se encontra o Brasil.

Definitivamente, não é o momento para se perder tempo com debates inúteis. Os riscos de o Brasil sofrer uma tragédia em termos humanos, sociais e econômicos são grandes demais para que dirigentes políticos como Bolsonaro sigam estimulando a divisão entre aqueles que deveriam estar na frente de batalha contra a pandemia.

*Gustavo Loyola, doutor em Economia pela EPGE/FGV, foi presidente do BC e é sócio-diretor da Tendências Consultoria Integrada, em São Paulo

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