Perspectiva de um presidente que não aceita entregar o cargo e
de uma decisão para a Suprema Corte cuja legitimidade é contestada é um grande
teste para os EUA
Tenho
três hipóteses. Ao enfatizar o risco de “fraude eleitoral” por causa do envio
de cédulas, segundo ele, “não solicitadas” pelo correio, Trump procura
mobilizar os eleitores por meio da raiva e do medo de serem roubados. A
mobilização do eleitor é crucial em um país onde o voto não é obrigatório e
ocorre em dia útil.
Minha
segunda hipótese é dominada pela emoção. Trump acabaria não resistindo a
entregar o cargo, mas manteria a narrativa de que a eleição foi roubada. Essa
atitude atenderia às suas fantasias egóicas. Três livros recém-lançados por
autores muito diferentes descrevem o quanto a autoestima ferida de Trump é
determinante em seu comportamento: The Room Where It Happened, de John Bolton,
ex-chefe do Conselho de Segurança Nacional; Too Much And Never Enough, de Mary
Trump, sobrinha do presidente e psicóloga; e Rage, do jornalista Bob Woodward,
que o entrevistou 17 vezes, assim como seus assessores.
Essa
hipótese é mais preocupante do que a primeira, porque implica em investimento
de mais longo prazo em teorias conspiratórias que têm inflamado movimentos em
favor de Trump. Entre eles, está o QAnon, que acredita que Trump combate uma
rede de pedófilos composta por agentes secretos americanos e por democratas.
Depois de ler no Facebook e Twitter que a pizzaria Comet Ping Pong, em
Washington, escondia no porão crianças usadas como escravas sexuais de uma rede
liderada por Hillary Clinton, Edgar Welch, de 28 anos, pai de dois filhos,
viajou de Salisbury, Carolina do Norte, para lá. Ele invadiu a pizzaria com um
fuzil e um revólver. Ninguém ficou ferido e Welch foi condenado a quatro anos
de prisão.
Isso
foi em dezembro de 2016, logo depois da campanha eleitoral, na qual o QAnon foi
usado contra Hillary. A seita também ataca negros, judeus e muçulmanos. Em agosto,
Trump celebrou no Twitter a vitória nas primárias republicanas de Marjorie
Taylor Greene, candidata a deputada pela Geórgia. Greene é seguidora do QAnon.
Minha
terceira hipótese é um híbrido de razão e emoção. É a mais perigosa. Trump pode
ter a intenção de lutar até o fim para reverter eventual derrota nas urnas.
“Com os milhões de cédulas não solicitadas que estão mandando, é uma armação”,
disse o presidente, na quarta-feira, ao justificar a pressa em preencher a vaga
de Ginsburg. “Todo mundo sabe. E os democratas sabem melhor que todo mundo.
Acho que isso vai acabar na Suprema Corte, e é muito importante termos nove
juízes.”
A nomeação do terceiro juiz (no caso, a juíza Amy Barrett) por Trump eleva o número de conservadores para seis, contra três liberais. Em 2016, os republicanos bloquearam a nomeação pelo então presidente Barack Obama oito meses antes das eleições, alegando que era preciso esperar o resultado das urnas. Estamos a 37 dias das eleições. A perspectiva de um presidente que não aceita entregar o cargo e de uma decisão por uma Suprema Corte cuja legitimidade é contestada é um grande teste para a democracia americana.
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