O Globo
A inflação está de volta aos dois dígitos
com seu efeito devastador sobre os mais pobres, num momento em que há um forte
aumento da pobreza. Isso deveria estar no centro das atenções do governo, mas o
presidente está ocupado em fazer campanha antecipada, em jogar a culpa dos
problemas sobre os governadores. O Ministério da Economia não conseguiu
formular uma boa proposta de combate à inflação, de redução da pobreza, e está
num jogo de faz de conta fiscal.
Faz de conta que o teto de gastos está sendo respeitado, faz de conta que a Lei de Responsabilidade Fiscal está sendo obedecida. O teto fica onde está, mas muitas despesas vão sendo depositadas sobre ele. E quanto mais despesas sobem, mais fictícia se torna essa trava fiscal. A ideia de financiar um novo programa social com receitas ainda a serem criadas é delirante. E sim, fere a LRF. O secretário especial de Fazenda, Bruno Funchal, diz que se o projeto do Imposto de Renda não for aprovado não haverá o novo programa. Isso é de tranquilizar, por um lado, mas não resolve a outra questão. Há necessidade de mais dinheiro para as transferências de renda. E isso é necessário porque os pobres ficaram mais pobres, e há mais pobres no país.
Na visão do mercado financeiro o que está
claro é que o governo não quer cortar despesas para compensar a ampliação da
rede de proteção aos mais pobres. Espaço há, como as emendas bilionárias de
relator, que só servem para comprar o apoio dos políticos do centrão. A saída,
então, será através do velho truque do aumento de impostos. Por isso subiu o
IOF e o governo quer urgência na aprovação do seu projeto de IR. Ainda assim,
as contas não fecham, porque existe a limitação do teto de gastos. A proposta
inicial era ruim, foi piorada na Câmara e empacou no Senado. Não há qualquer
certeza de que ela de fato vai arrecadar mais. O governo diz que o projeto será
neutro, mas que com o aumento da receita vai financiar o programa. Ou é neutro
ou aumentará a receita. Mas vários economistas estão prevendo que, na verdade,
haverá perda de arrecadação. Os estados sabem que perderão.
O que o Brasil não precisa? De inventar um
programa de transferência de renda só para tirar a marca do PT do Bolsa
Família. E foi exatamente o que governo fez. Ele baixou uma Medida Provisória
extinguindo o programa e criando o novo Auxílio Brasil, mas não sabe ainda como
vai financiar. Enquanto isso, cria-se o que já existiu, como o vale-gás. Ele
foi extinto quando o governo Lula eliminou vários programas para concentrar no
Bolsa Família, porque uma política potente é melhor do que a pulverização dos
programas sociais.
Tempo para formular ideias melhores houve.
E foi desperdiçado neste improviso constante que domina o governo Jair
Bolsonaro. O negacionismo é ruim em si mesmo e por todos os efeitos colaterais.
Ele impede que o governo tenha uma visão da sequência dos eventos e planeje a
ação pública. Bolsonaro achou que a pandemia seria curta, negou a segunda onda,
combateu as vacinas, brigou com os dados, desuniu o país e só agiu empurrado.
Agora, unido ao Ministério da Economia, o presidente lança mão de medidas
populistas para ver se consegue reverter a queda forte de popularidade.
A inflação vai atingir, com o dado de
setembro, 10,2% segundo o Banco Central. As famílias estão endividadas,
empobrecidas, e os juros terão que subir porque o BC tem que cumprir seu
mandato de atingir a meta de inflação. Seria melhor se o presidente não
atrapalhasse tanto a economia, com suas ameaças, mentiras e ataques.
O Brasil já reduziu tanto a sua expectativa
em relação ao comportamento adequado de um presidente da República que comemora
o fato de ele não falar de golpe desde o dia 7 de setembro. O país vai contando
os dias como se, por decurso de prazo, Bolsonaro fosse deixar de ser o que é.
Nesse meio tempo ele usou descaradamente o dinheiro público em campanha
antecipada, atacou os governos estaduais por causa do preço do combustível,
mentiu inúmeras vezes, fez apologia de armas colocando uma criança no ombro com
um fuzil de brinquedo na mão, ameaçou as famílias dizendo que quem não se armar
terá que atirar com balas de feijão quando invadirem sua casa. Não há o que
salve esse governo. Ele não tem remédio.
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