O Estado de S. Paulo
A miopia de eleitores e políticos está por trás da tendência aos déficits fiscais crônicos. A PEC Kamikaze é um exemplo recente
Embora com grandes diferenças entre
políticos pautados pelo interesse público e aqueles que buscam o poder como um
fim em si mesmo ou para fins particulares, todos precisam de mandato: é por
meio dele que se implementam políticas públicas, entendidas, num sentido
abrangente, como tudo o que o Estado decide fazer ou não. Os eleitores esperam
baixos índices de inflação e desemprego, provisão de infraestrutura e serviços
públicos de qualidade, adequado funcionamento de mercados e redistribuição de
renda – dos mais ricos para os mais pobres, entre outros. O Estado pode muito.
Em regimes democráticos, políticos chegam
aos cargos públicos mediante eleições. Processo pelo qual cidadãos, em tese,
escolhem programas de governo e avaliam o desempenho de políticos. Os eleitos
precisam dar atenção às preferências dos eleitores. Se mal avaliados,
dificilmente terão (nova) chance.
Essa descrição parece simples, mas os desdobramentos de um sistema democrático são complexos por razões que dizem respeito aos eleitores e aos políticos. Uma das consequências bem estudada pelas ciências sociais é a tendência, em democracias, aos déficits fiscais estruturais ou ao endividamento público crônico: o Estado gasta sistematicamente mais do que arrecada. Ao assumir dívidas, é como se o setor público transferisse renda entre gerações: a conta de hoje será paga num futuro qualquer, não raro por aqueles que não se beneficiaram do gasto. Um convite a excessos, não?
Pense, por exemplo, num sistema
previdenciário que permita aposentadorias precoces sem base contributiva
suficiente da parte dos beneficiários. A aposentadoria do avô será paga pelo neto,
que dificilmente usufruirá do mesmo direito. Nesse contexto, a gestão de
recursos públicos em qualquer regime político está, por si só, fadada a certas
dificuldades. Uma delas é conhecida como o dilema dos comuns (common-pool
problem). Em geral, uma política pública beneficia certo grupo de indivíduos,
mas é custeada tributando-se toda a sociedade. É dizer: benefícios concentrados
com custos dispersos. Em outras palavras, os beneficiários recebem mais do que
sua participação no custeio da respectiva política pública. Naturalmente, todos
os segmentos sociais são orientados por esse cálculo, o que engendra uma
dinâmica perversa: uma busca incessante por benefícios a serem custeados pela
coletividade, presente e futura. O que é racional na perspectiva de grupos
localizados torna-se completamente disfuncional para a sociedade, em termos
agregados. Neste jogo de empurrar toda ou parte da conta, alcançam-se níveis
elevados de endividamento público.
Nas democracias, acrescente-se outro
conjunto de problemas derivados do que a literatura denomina ciclo eleitoral.
Tendemos a valorizar mais o presente que o futuro. É a dificuldade tão humana
de evitar consumir hoje em prol da poupança que facilitará o amanhã. Enquanto
eleitores, não somos muito diferentes: nosso bem-estar imediato costuma ter
mais peso em nossa decisão de voto do que a avaliação dos efeitos acumulados de
uma política pública ao longo do tempo. Se o presente nos parece satisfatório
ou menos ruim, será maior nossa disposição a aprovar os atuais governantes.
Políticos sabem disso e padecem de
tentações envolvendo a política fiscal: as consequências presentes de suas
escolhas tendem a ganhar mais importância do que as futuras, quando eles, quem
sabe, serão meras fotos numa galeria. Frequentemente, do ponto de vista do
governo, o equilíbrio fiscal perde valor se não conduz à reeleição. A miopia de
eleitores e políticos está por trás da tendência aos déficits fiscais crônicos.
Exemplo recente: a PEC Kamikaze, distribuindo dezenas de bilhões às vésperas das
eleições.
Para atenuar tais problemas, arranjos
institucionais que restringem a discricionariedade de políticos têm sido
propostos a fim de garantir alguma prudência na condução da política fiscal.
Ainda hoje, as medidas mais adotadas abrangem algum conjunto de regras fiscais.
No caso brasileiro, destacam-se a Emenda do Teto de Gastos e a Lei de
Responsabilidade Fiscal (LRF), bem como dispositivos espalhados pela
Constituição de 1988. Porém, acumulam-se evidências de que regras fiscais,
mesmo as bem desenhadas, estão sujeitas ao cálculo eleitoral dos governos: se
os ganhos ao violá-las superam eventuais custos, elas deixam de ser restrições.
A PEC Kamikaze afasta todo o arcabouço fiscal brasileiro, com amplo apoio do
Congresso Nacional.
Neste ano eleitoral, empenharei esforços
para preservar os pilares da boa governança, como sempre fiz ao longo da minha
vida pública. Os políticos deveriam se pautar pelo interesse público,
instituindo ou preservando instâncias técnicas e políticas que ampliem a
transparência de toda a política fiscal e aumentem os custos – políticos e
econômicos – de escolhas irresponsáveis. Quanto mais difícil for para um
governo promover políticas inconsistentes, melhor para a sociedade. O viés
deficitário das eleições não pode jamais ser motivo para descalabros
institucionais, sobretudo no campo fiscal.
*Senador (PSDB-SP)
2 comentários:
Nao entendo o povo brasileiro, deixar de votar no Sr. Para votar num palhaço e um ladrão.
Não acho que o Serra seja melhor do que o Lula,são equivalentes;seria ele candidato à reeleição no senado?
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