Eu & Fim de Semana / Valor Econômico
O bolsonarismo é a vitória final do modelo
escravocrata de país, o qual, infelizmente, é apoiado por mais brasileiros do
que gostaríamos de admitir
A democracia brasileira tem dois riscos
pela frente. Um é a possibilidade de recondução do presidente Bolsonaro, cujo
projeto de poder é claramente autocrático, com a pretensão não só de prolongar
sua estadia (ou da família) no Palácio do Planalto por anos, como também de
destruir as instituições criadas pela Constituição de 1988. Trata-se de um
problema imediato muito grave. Mas há outro perigo mais profundo que não vem
sendo comentado, talvez porque tenhamos vergonha como nação de admiti-lo. É
crescente o contingente de brasileiros que adotam condutas e visões
autoritárias. Esse é o fundo do poço do qual precisamos falar, urgentemente.
Os dois riscos estão interligados uma vez
que a ascensão das ideias que alimentam o bolsonarismo é anterior ao
fortalecimento político do capitão. Suas origens advêm do debate realizado no
referendo do desarmamento, como me lembrou recentemente Ilona Szabó. Nele, já
se via um discurso e uma estética antidemocráticas se desenvolvendo, com o
jeito do Ovo da Serpente, para lembrar Bergman.
Por mais de uma década até 2018, num
processo que envolveu importação de projetos e muitos episódios que já
começavam a questionar a institucionalidade democrática presente na
Constituição de 1988, foi gerado o monstro autoritário que se consubstanciou na
eleição de Bolsonaro à Presidência da República. Seu governo foi corroendo, tal
qual os cupins, várias estruturas democráticas do país.
Bolsonaro manietou os órgãos de controle,
acabou com quase todos os conselhos de participação social, criou um modelo de
orçamento secreto que domestica o Legislativo em troca de um montante
escandaloso de recursos que não pode ser completamente conhecido, cortou as
bases orçamentárias da autonomia dos estados e municípios, e, não menos
importante para uma democracia, destruiu a lógica de direitos que alimentava as
políticas públicas, colocando em seu lugar um modelo ampliado de clientelismo,
que chantageia a todo momento o eleitorado.
No momento, o estágio do país é o de uma democracia sob chantagem constante do presidente da República. Algumas estruturas seguraram a marcha mais célere para a autocracia, especialmente o Supremo Tribunal Federal, alguns dos governadores, parcela da sociedade civil e da mídia e, não menos importante, a pressão internacional. Com um segundo mandato, Bolsonaro terá muito mais poder para avançar no seu projeto e será mais difícil - embora não impossível - conter a estruturação de uma lógica mais autoritária nas instituições e na dinâmica social do Brasil.
Esse é o primeiro risco, de caráter
imediato, à democracia brasileira. Ele se estrutura sobre três bases de poder.
Primeiro, a construção de um projeto autocrático, continuando algumas ações do
primeiro governo e criando novos aportes autoritários, como a alteração na
composição do STF (ou o seu emparedamento com a ameaça constante de mudança), a
redução dos elementos constitucionais limitadores do poder do presidente e, ao
final, a criação de uma nova Constituição ou uma modificação profunda dela,
contendo elementos do discurso geral conservador - como maioridade penal,
ampliação do acesso às armas e alterações na autonomia das escolas e
universidades - e o que mais interessa ao clã Bolsonaro: regras de eleição
eterna ao pai ou permissão de a família o suceder imediatamente.
Em segundo lugar, há uma base social para
tal processo político, lastreado no bolsonarismo, que é o movimento social mais
forte do país hoje em termos de capacidade de mobilização. É verdade que ele
sozinho está longe de agregar a maioria dos brasileiros. Todavia, os
bolsonaristas conseguiram atrair no curto prazo uma parcela bem maior da
população, especialmente um eixo mais conservador e outro que está há mais de
uma década sem muitas perspectivas econômicas, mas que está sendo atingido
agora por um pacote gigantesco e inédito de apoios governamentais - muitas
dessas medidas seriam consideradas claramente ilegais se o Brasil estivesse
numa democracia normal.
Como última base de poder do projeto está o
novo Centrão, uma vez que esse bloco muda de contornos a cada governo para ser
o fiel da balança do jogo entre o Executivo e o Legislativo. Mais do que em
outros períodos, esse grupo é hoje a coluna vertebral do sistema político e se
tornou ainda mais forte com o orçamento secreto, que foi fundamental para a
reeleição de vários de seus componentes, dando a eles um lugar destacado na
próxima legislatura. É plausível a hipótese de que sempre tiram o máximo dos
governantes e pulam do barco quando a crise vem, de modo que mantém seu poder
de chantagem. Só que, neste momento, estão ganhando muito e inebriados pelo
poder obtido - são seus integrantes que estão propondo à luz do dia as medidas
mais autoritárias em prol do fortalecimento do presidente. Por isso, sob as
lideranças de Arthur Lira, Ciro Nogueira e Valdemar da Costa Neto, o Centrão
não terá pruridos em apoiar um governo autocrático se continuarem com os
benefícios econômicos e políticos atuais.
Em outras palavras, o novo Centrão está
mais para a Arena da ditadura militar do que para o PMDB dos governos FHC,
Lula, Dilma e Temer. É um fisiologismo sobre bases autocráticas que vigora
hoje. Claro que sempre pode surgir uma crise econômica ou internacional forte,
que fuja do controle do bolsonarismo. Seria o sinal para pular do barco. Mas
será possível fazê-lo a tempo de manter-se como relevante no sistema político?
Arthur Lira não tem base popular e Bolsonaro tem grande capacidade de destruir
novos inimigos, como fez com Doria. Daí vem a pergunta: há algum Teotônio
Vilela entre os membros do Centrão?
A hipótese da autocracia está ganhando, a
cada dia, contornos cada vez mais fortes, porém, não é líquida e certa. Duas
coisas podem evitá-la. A primeira delas é a vitória de Lula. Isso não quer
dizer que iríamos do inferno ao paraíso. Um mandato lulista será muito difícil
e complexo porque o bolsonarismo tem, no mínimo, quase metade do apoio do país
no momento, além de ter deixado muitas bombas pelo caminho, especialmente na
economia. De todo modo, se fizer um governo efetivamente de Frente Ampla, Lula
poderia liderar o Brasil por essa travessia do deserto, pois tem experiência
para isso, além de poder contar com o apoio de diversos setores sociais.
Há ainda a possibilidade de as instituições
e a sociedade reagirem ao projeto autocrático que Bolsonaro instalaria num
segundo governo. As instituições já estão muito desgastadas e o Senado terá uma
composição muito favorável para, por exemplo, fazer o impeachment de ministros
do STF. Governadores estarão numa situação fiscal pior e com uma crise social
muito forte batendo às portas - no federalismo bolsonarista, o governo federal
concentra as decisões mais importantes e passa as responsabilidades e os
problemas para os governos subnacionais. E uma oposição derrotada terá menos
forças para reagir, até porque houve pouca renovação nos seus quadros
políticos.
Sobra a esperança na sociedade. A questão é
que uma boa parte dela já está adotando comportamentos autoritários. Cinco
elementos podem ser brevemente citados aqui para reforçar essa tese. Primeiro,
está aumentando a intolerância social, não só contra ideias contrárias, mas
sobretudo no campo religioso. Esse é um terreno perigoso, porque permite um
radicalismo capaz de controlar a vida privada das pessoas, permitindo o
fanatismo, o pior dos venenos autoritários. Para um país que se gabava da
conivência entre os diferentes, esse é o maior retrocesso das últimas décadas.
Outro elemento que alimenta o autoritarismo
é o crescimento das fake news nas redes sociais. Está ocorrendo a disseminação
em larga escala da mentira, num processo em que a mídia tradicional não
consegue convencer parcela grande dos cidadãos sobre o que é real ou não.
Soma-se a este ponto um terceiro combustível contra a estabilidade democrática:
a crença cada vez maior em soluções messiânicas para problemas complexos.
Significa distribuir armas à população para acabar com os criminosos, acreditar
que as crianças aprendem melhor em casa e não na escola, ir contra a ciência na
questão ambiental e no caso das vacinas.
Há duas últimas questões que ressaltam o
enfraquecimento social da democracia. Um é o crescimento exponencial das máfias
locais, na Amazônia ou nas milícias urbanas. Sem Estado com monopólio da ordem,
não há chances para os cidadãos mais desfavorecidos acreditarem no regime
democrático. E, por fim, as raízes profundas da desigualdade brasileira estão
se espraiando pela população mais privilegiada do país. As mudanças geradas por
30 anos de implementação dos ideias da Constituição de 1988 resultaram numa
reação feroz, que alimenta a visão de que alguns são mais iguais do que os
outros. Acirra-se, assim, o preconceito de todos os tipos: racial, de gênero,
de origem regional e todos aqueles que humilham os mais vulneráveis. Bolsonaro
é quem mais alimenta essa divisão do país, considerando inferiores as mulheres,
os negros, os nordestinos, os homossexuais e os favelados.
O bolsonarismo é a vitória final do modelo
escravocrata de país, o qual, infelizmente, é apoiado por mais brasileiros do
que gostaríamos de admitir. Não há nenhuma chance de qualquer regime
democrático dar certo nesse modelo de sociedade.
*Fernando Abrucio, doutor em ciência política pela USP e professor da Fundação Getulio Vargas.
10 comentários:
As suas mentiras como jornalista ultrapassaram todas as medidas,
a máscara do cinismo grudou no seu rosto e você hoje fala pra sua bolha esquerdista que só aceita esses argumentos Bolsonaro vai vencer as eleições e vocês todos vão ter que pedir desculpas à nação por tamanhos absurdos que escreveram
"O bolsonarismo é a vitória final do modelo escravocrata de país, o qual, infelizmente, é apoiado por mais brasileiros do que gostaríamos de admitir. Não há nenhuma chance de qualquer regime democrático dar certo nesse modelo de sociedade"
Verdade.
A possibilidade do GENOCIDA vencer não significa que o colunista esteja errado. Ele está completamente certo, analisando situações e expondo suas opiniões. O primeiro anônimo não concorda com elas, mas isto não significa que elas sejam mentiras, como MENTIROSAMENTE afirma o papagaio bolsonarista que avoa por este blog, e que havia previsto a vitória do GENOCIDA no primeiro turno. O GENOCIDA perdeu por mais de 6 milhões de votos, depois de ter previsto que venceria no primeiro turno com mais de 60% dos votos (teve cerca de 43%...). Isto já demonstra quem MENTE neste blog!
A quem possa interessar:
https://www.theguardian.com/world/2022/oct/21/brazil-gangs-guns-drugs-presidential-election-bolsonaro-lula
tradução pelo Google:(com falhas... outra tradução demoraria
https://www-theguardian-com.translate.goog/world/2022/oct/21/brazil-gangs-guns-drugs-presidential-election-bolsonaro-lula?_x_tr_sl=en&_x_tr_tl=pt&_x_tr_hl=pt
Deu a louca na política no mundo inteiro. Na UK fizeram um comparação de quem iria durar mais. A primeira ministra ou, uma alface. A alface ganhou. O Trump testa a paciência dos juristas e dos eleitores .
Ninguém aguenta mais o Trump neurótico e desonesto. Ate o Bolsonaro parece que cansou dele, o sujeito não desencarna, virou um espírito maldito que atordoa e não dá alívio. E assim o Putinho domina todos os cenários tentando reencarnar o Hitler. Lula parece desarvorado esquecendo como se defender do mau maior. E esses comentaristas perderam a inspiração não surgem com novidades só aquelas teclas batidas, genocida gado etc… muito pouco para a envergadura do mal que o bozo encarna.
Deveríamos usar um colar feito de alho nesses dias que antecedem o segundo turno,quem sabe ajuda?
Artigo perfeito.
Quando a pessoa quer “enxergar” ela enxerga, sem essa que o eleitor não sabe o que erva daninha, ele sabe sim, vota por que quer. Talvez a maldade do bozo ecoa nas pessoas que votam nele. O mundo e cheio de malvadezas e nos não queremos ademitir.
A maldade realmente faz parte do mundo, mas Bolsonaro e Trump entraram muitas vezes na fila pra aumentar suas próprias malvadezas! Se revezavam na fila com o germânico Adolf...
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